Portugal tem pela primeira vez um pavilhão próprio numa COP - a Conferência das Partes da ONU - que, anualmente, reúne líderes de todo o mundo em busca de soluções para mitigar as alterações climáticas e reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Que o encontro aconteça num país que é um dos maiores produtores de petróleo é só um dos sinais do muito que falta fazer para encontrar consensos e passar das palavras à ação
A partir desta quinta-feira e até 12 de dezembro, diplomatas e líderes políticos de todo o mundo reúnem-se no Dubai, nos Emirados Árabes Unidos (EAU), para mais uma Conferência das Partes - a COP28 - que irá debater a ação climática. A redução da utilização de combustíveis fósseis e o funcionamento de um fundo de perdas e danos estão entre os temas quentes nas negociações.
O que é a COP?
Em 1992, mais de 150 países assinaram no Rio de Janeiro um tratado da ONU para limitar o aumento alarmante da poluição atmosférica que provoca o aquecimento do planeta. Esta Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas vincula todos os países a mitigarem as alterações climáticas e encontrar uma forma de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) de uma forma equitativa e proporcional a cada país ou grupo de países (as Partes).
A primeira COP – a "Conferência das Partes" – teve lugar em Berlim, em 1995. Os Estados-membros têm-se reunido para debater as alterações climáticas quase todos os anos desde então. Em 2015, na COP21, mais de 190 países aprovaram o Acordo de Paris para limitar o aquecimento global abaixo dos 2 graus Celsius, mas de preferência a 1,5 graus.
Embora o Acordo de Paris tenha sido um momento marcante, não foi específico sobre como os países deveriam atingir o seu objetivo. Desde então, as COP têm procurado tornar os planos anexos ao Acordo de Paris mais ambiciosos e mais específicos sobre as mudanças que a sociedade precisa de fazer.
A urgência da ação climática
Já se passaram oito anos desde o Acordo de Paris, mas o mundo quase não fez nenhum progresso na redução da poluição climática, e a janela para fazê-lo está “a estreitar-se rapidamente”, de acordo um documento publicado em setembro, que mostra o quão seriamente desviados estão das suas metas climáticas: se forem cumpridas, as atuais "contribuições nacionalmente determinadas" permitirão uma redução de 2% das emissões até 2030 (relativamente aos valores de 2019), mas os cientistas avisam que seria necessário reduzi-las em 43% até 2030. "Isso diz-nos claramente que o mundo não está no caminho certo para atingir os nosso objetivos climáticos globais", disse Melanie Robinson, diretora do programa climático global do World Resources Institute, à CNN Internacional.
"Os impactos climáticos estão a agravar vulnerabilidades, desigualdades e a privar as pessoas de uma vida com dignidade, devastando os nossos ecossistemas naturais, que são a linha de vida para a sobrevivência das pessoas", avisam as associações ambientalistas Zero e a Oikos em comunicado. "Estes impactos continuarão a aumentar exponencialmente. As pessoas do Sul Global, que pouco contribuíram para a crise climática, têm pago as consequências da ação insuficiente dos poluidores históricos ricos há várias décadas, e, no entanto, as emissões continuam a aumentar. Neste contexto, é importante salientar que a cada ano que passa de inação e de promessas não cumpridas, perdemos a oportunidade de evitar as piores consequências das alterações climáticas e que serão mais acentuadas nos países com menor capacidade de resposta. A verdade é que os países ricos têm falhado continuamente em cumprir as suas promessas financeiras, enquanto as tensões geopolíticas têm sido usadas como desculpa para recuar no compromisso de mitigação de alguns países."
Porque é que esta COP28 está a causar polémica?
No final de cada COP, é decidido que país vai presidir à cimeira seguinte, que vai alternando entre as regiões das Nações Unidas. Este ano, a presidência rotativa é assegurada pelos Emirados Árabes Unidos (do grupo Ásia-Pacífico), e é por isso que a COP28 tem lugar no Dubai.
A reação ao país anfitrião deste ano foi particularmente acentuada: os EAU não só são uma grande nação produtora de petróleo como também nomearam um alto executivo dos combustíveis fósseis como seu presidente da COP. Os críticos dizem que o facto de o sultão Al Jaber, líder da companhia petrolífera nacional dos Emirados Árabes Unidos, assumir o comando da conferência climática mais importante do ano é um claro conflito de interesses.
Em maio, mais de 100 membros do Congresso dos Estados Unidos e do Parlamento Europeu apelaram à renúncia de Al Jaber, alegando que o seu papel poderia prejudicar as negociações. Mas alguns intervenientes importantes – incluindo o enviado climático dos EUA, John Kerry – elogiaram a nomeação de Al Jaber.
Nos últimos meses, os EAU realizaram uma grande campanha para aumentar as suas credenciais verdes antes da cimeira e afirmam que foram os primeiros no Médio Oriente a estabelecer metas de redução de emissões para 2030 e 2050. Além disso, argumentaram que estão numa posição estratégica para convencer outros países produtores de petróleo e gás a irem mais longe na redução das emissões.
Mas uma investigação da BBC revelou há dias que os Emirados Árabes Unidos planearam utilizar o papel de anfitrião da COP28 para fechar acordos de combustíveis fósseis, nomeadamente petróleo e gás natural.
Quem vai estar na COP28?
Mais de 160 países, incluindo Reino Unido, França, Alemanha e Japão, confirmaram a sua presença. Vários chefes de Estado e de governo discursam nos primeiros dias da cimeira. Entre eles está o rei Carlos III, que fará um discurso na cerimónia de abertura. O primeiro-ministro português, António Costa, discursa no segundo dia. Líderes dos principais países produtores de petróleo, como Arábia Saudita, Síria, Rússia e Irão, estão entre os participantes.
Há preocupações de que a guerra entre Israel e o Hamas possa ofuscar a preocupação climática este ano, especialmente por parte dos países do Médio Oriente. Mas representantes de Israel e dos territórios palestinianos estão listados para falar na primeira semana.
Os EAU também convidaram muitos executivos de empresas de combustíveis fósseis para as negociações sobre o clima, onde se espera que anunciem novos compromissos de descarbonização. Uma lista de pesos pesados de financeiros de Wall Street liderada pelo CEO da BlackRock, Larry Fink, também participará na COP.
O Papa Francisco planeava ser o primeiro pontífice a participar na COP, mas a viagem foi cancelada na terça-feira por recomendação médica.
Ausentes na lista de oradores estão o presidente dos EUA, Joe Biden, e o chinês Xi Jinping – os líderes dos países mais poluentes do mundo. Em meados de novembro, Biden e Xi comprometeram-se a aumentar significativamente as energias renováveis em vez dos combustíveis, e concordaram em retomar um grupo de trabalho sobre cooperação climática.
Representação portuguesa na COP28
Portugal terá pela primeira um pavilhão numa COP. Até à COP27, em Sharm el-Sheikh, no Egito, Portugal participava no âmbito da representação da União Europeia e usava o pavilhão da União Europeia para reuniões de trabalho. O espaço, que será inaugurado na sexta-feira, será utilizado para a partilha de experiências e resultados nacionais na área da transição energética, da mobilidade e da biodiversidade. Nesse dia será assinado o acordo de compromisso financeiro entre o Fundo Ambiental de Portugal e o Fundo Verde para o Clima, da ONU, de apoio aos países em desenvolvimento.
As cerimónias do primeiro dia do pavilhão contam com a presença do primeiro-ministro António Costa, que, segundo o programa oficial, intervém na cimeira do clima no dia 2. Além disso estarão presentes em alguns dias da COP o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, e o ministro do Ambiente e Ação Climática, Duarte Cordeiro.
Presentes em diferentes dias, em função dos temas em debate, estarão também vários secretários de Estado: do Ambiente e Ação Climática, da Energia e Clima, da Saúde, do Mar, da Agricultura, da Conservação da Natureza e Florestas, e da Mobilidade Urbana. E ainda deputados dos vários grupos parlamentares e a presidente da Comissão de Ambiente e Energia e a relatora do Parlamento Europeu para a COP28, a eurodeputada Lídia Pereira.
A Fundação Gulbenkian ou a Fundação Oceano Azul, entidades do Estado e organizações não governamentais, como a Zero, a Efrican, a Casa Comum da Humanidade ou a WWF/ANP são outras das várias entidades a promover iniciativas no pavilhão de Portugal.
Os temas principais em discussão na COP28
1. Combustíveis fósseis. Na COP27, vários países, incluindo a China e a Arábia Saudita, bloquearam uma proposta fundamental para eliminar gradualmente todos os combustíveis fósseis – incluindo o petróleo e o gás – e não apenas o carvão. que são os principais responsáveis pelo aquecimento do planeta. "O mais importante é que o resultado desta COP envie um sinal muito forte de que o mundo deve abandonar rapidamente os combustíveis fósseis", disse Melanie Robinson, diretora do programa climático global do World Resources Institute, à CNN Internaiconal. "É importante que se refira todos os combustíveis fósseis."
"À medida que as temperaturas continuam a subir em todo o mundo, são necessárias ações concretas – e não apenas retórica", afirmam em comunicado as associações ambientalistas Zero e Oikos. "Apelar à eliminação progressiva dos combustíveis fósseis não reduzidos (unabated, em inglês), em vez de uma eliminação progressiva total de todos os combustíveis fósseis, deixa lacunas abertas para a continuação da utilização de combustíveis fósseis. Na COP28, alinhadas com o limite de aumento temperatura de 1,5 °C até 2050, todas as Partes deverão concordar com uma eliminação global rápida, justa e equitativa dos combustíveis fósseis em todos os setores até 2050, o mais tardar, o que deverá ser acompanhado de uma rápida expansão das energias renováveis e de maiores esforços em termos de eficiência energética. Para a União Europeia (UE), isto significa que o carvão deve ser eliminado o mais tardar até 2030, o gás fóssil o mais tardar até 2035 e o petróleo o mais tardar até 2040."
2. Fundo de perdas e danos. Outro foco este ano será o chamado fundo de perdas e danos, que os países incluíram no acordo do ano passado. O fundo ajudaria a transferir dinheiro dos países mais ricos, responsáveis pela grande maioria da crise climática, para os países pobres, onde os impactos foram mais duros. O objetivo é colocar o fundo a funcionar até 2024. Com o tempo a esgotar-se, um comité especial reuniu-se em Abu Dhabi no início de novembro e recomendou que o Banco Mundial acolhesse o fundo e servisse temporariamente como seu administrador durante quatro anos.
O fundo para perdas e danos é uma questão delicada e cheia de nuances, sublinhou à CNN Internacional Nate Warszawski, investigador associado da equipa de Ação Climática Internacional do WRI. "Acho que esta pode ser uma das principais questões que determinam o sucesso ou o fracasso da COP", considerou.
3. Adaptação. É necessário preparar o território para as alterações que estão a acontecer, tornando as cidades, infraestruturas e ecossistemas mais resistentes. Os países em desenvolvimento têm uma capacidade de adaptação limitada que os torna particularmente vulneráveis às alterações climáticas.
"O financiamento da adaptação é difícil, uma vez que os projetos não criam necessariamente boas oportunidades de negócio e, portanto, não atraem capital privado na mesma medida que alguns projetos de mitigação. Na verdade, os projetos de mitigação são, de longe, os maiores beneficiários do financiamento climático", explicam a Zero e a Oikos. "Uma das fortes exigências para a COP28 seria a adoção do Objetivo Global de Adaptação, que oferecerá um quadro internacional de adaptação, definindo objetivos e indicadores para monitorizar e quantificar o progresso. As discussões sobre adaptação enfrentaram obstáculos na questão do financiamento e como medir a adaptação. Avaliar o capital natural de um determinado ecossistema ou o nível de resiliência de uma comunidade aos choques climáticos ainda constitui um desafio."
4. Agricultura e alimentação. A ministra das Alterações Climáticas e do Ambiente dos EAU, Mariam Almheiri, anunciou durante o verão que esta presidência da COP estará "com o foco máximo" nos sistemas alimentares. Um estudo na revista Nature estima que os sistemas alimentares são responsáveis por 34% das emissões globais de GEE. Por isso, explicam a Zero e a Oikos, as negociações envolverão a decisão sobre a implementação de um plano de ação na Agricultura e Segurança Alimentar.