O limiar foi ultrapassado apenas temporariamente e não significa que o mundo esteja num estado permanente de aquecimento acima dos 2 graus, mas é um sintoma de um planeta cada vez mais quente e a caminhar para uma situação a longo prazo em que os impactos da crise climática serão difíceis - em alguns casos impossíveis - de inverter
A temperatura da Terra subiu brevemente acima do limiar crucial que os cientistas têm vindo a alertar há décadas que poderá ter impactos catastróficos e irreversíveis no planeta e nos seus ecossistemas, segundo dados partilhados por uma proeminente cientista.
A temperatura média global na sexta-feira da semana passada era mais de 2 graus Celsius mais quente do que os níveis anteriores à industrialização, de acordo com dados preliminares partilhados no X por Samantha Burgess, diretora-adjunta do Serviço Copernicus para as Alterações Climáticas, sediado na Europa.
O limiar foi ultrapassado apenas temporariamente e não significa que o mundo esteja num estado permanente de aquecimento acima dos 2 graus, mas é um sintoma de um planeta cada vez mais quente e a caminhar para uma situação a longo prazo em que os impactos da crise climática serão difíceis - em alguns casos impossíveis - de inverter.
Provisional ERA5 global temperature for 17th November from @CopernicusECMWF was 1.17°C above 1991-2020 - the warmest on record.
— Dr Sam Burgess 🌍🌡🛰 (@OceanTerra) November 19, 2023
Our best estimate is that this was the first day when global temperature was more than 2°C above 1850-1900 (or pre-industrial) levels, at 2.06°C. pic.twitter.com/jXF8oRZeip
"A nossa melhor estimativa é que este foi o primeiro dia em que a temperatura global esteve mais de 2 °C acima dos níveis de 1850-1900 (ou pré-industriais), com 2,06 °C", escreveu.
Segundo Burgess, as temperaturas globais na sexta-feira estiveram em média 1,17 graus acima dos níveis de 1991-2020, o que faz deste dia 17 de novembro o mais quente de que há registo. Mas em comparação com a época pré-industrial, antes de os seres humanos começarem a queimar combustíveis fósseis em grande escala e a alterar o clima natural da Terra, a temperatura era 2,06 graus mais quente.
A ultrapassagem dos 2 graus na sexta-feira ocorreu duas semanas antes do início da conferência da ONU sobre o clima, a COP28, no Dubai, onde os países farão o balanço dos seus progressos em relação ao compromisso assumido no Acordo de Paris sobre o Clima de limitar o aquecimento global a 2 graus acima dos níveis pré-industriais, com a ambição de o limitar a 1,5 graus.
Um dia acima dos 2 graus de aquecimento "não significa que o Acordo de Paris tenha sido violado", disse Burgess à CNN, "mas destaca a forma como nos estamos a aproximar dos limites acordados internacionalmente". "Podemos esperar ver uma frequência crescente de dias com 1,5 e 2 graus nos próximos meses e anos", antecipou.
Os dados do Copernicus são preliminares e levarão semanas a ser confirmados com observações da vida real.
O mundo parece já estar a caminho de ultrapassar 1,5 graus de aquecimento a longo prazo nos próximos anos, um limiar para além do qual, segundo os cientistas, os seres humanos e os ecossistemas terão dificuldade em adaptar-se.
Mas 1,5 graus não é um limite para a Terra - por cada fração de grau de aquecimento acima desse valor piores serão os impactos. Um aquecimento de 2 graus coloca muito mais população em risco de condições meteorológicas extremas mortais e aumenta a probabilidade de o planeta atingir pontos de viragem irreversíveis, como o colapso das camadas de gelo polares e a morte em massa dos recifes de coral.
Richard Allan, professor de ciências climáticas na Universidade de Reading, no Reino Unido, considerou a ultrapassagem do limite um "canário na mina de carvão", que "sublinha a urgência de combater as emissões de gases com efeito de estufa".
Mas acrescentou que é "inteiramente expectável que alguns dias ultrapassem os 2 graus acima do nível pré-industrial muito antes de o objetivo real de 2 graus Celsius ser ultrapassado ao longo de muitos anos".
Os dados surgem na sequência dos 12 meses mais quentes de que há registo e de um ano de fenómenos meteorológicos extremos, potenciados pela crise climática, incluindo incêndios no Havai, inundações no Norte de África e tempestades no Mediterrâneo, que causaram mortes.
Os cientistas estão cada vez mais alarmados com o facto de os dados sobre as temperaturas estarem a exceder as suas previsões.
Nas últimas semanas, uma série de relatórios sobre a saúde do clima da Terra e as ações dos seres humanos para o combater mostram que o planeta está a caminhar para um nível perigoso de aquecimento e que não está a fazer o suficiente para atenuar ou adaptar-se aos seus impactos.
Na semana passada, um relatório da ONU concluiu que, mesmo que os países cumpram todas as suas atuais promessas em matéria de clima, a poluição que aquece o planeta em 2030 continuará a ser 9% mais elevada do que em 2010. De acordo com o Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas, o mundo precisa de reduzir as emissões em 45% até ao final desta década, em comparação com 2010, para ter alguma esperança de limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais. Um aumento de 9% significa que esse objetivo está longe de ser atingido.
Um outro relatório das Nações Unidas concluiu também que o mundo está a planear ultrapassar o limite de produção de combustíveis fósseis que permitiria travar o aquecimento global. Até 2030, os países planeiam produzir mais do dobro do limite de combustíveis fósseis que permitiria limitar o aquecimento a 1,5 graus.