Horas extra, trabalho em folgas e aumento da idade da reforma. Há um problema no controlo de tráfego aéreo em Portugal?

19 set 2023, 07:00
Aeroporto de Atlanta

Todos os anos 13 controladores abandonam a profissão. Responsáveis do setor admitem que não há profissinais suficientes - um problema que se estende à Europa e que já gerou avisos internacionais

O alerta foi dado pela Federação Internacional das Associações de Controladores de Tráfego Aéreo: na Europa: há uma perda de mil controladores por ano o que põe em causa a segurança e a capacidade aeroportuária. O tráfego aéreo europeu não para de aumentar e, à medida que os controladores de tráfego aéreo se reformam, começa a existir dificuldade em substituir estes profissionais essenciais. 

Em Portugal a situação tem sido colmatada com uma combinação de remendos que passa por horas extra, trabalho em folgas e o aumento da idade para a reforma. A medida, sabe a CNN Portugal, acaba de ser acordada entre o Sindicato dos Controladores de Tráfego Aéreo e a Navegação Aérea de Portugal (NAV), publicado no Boletim do Trabalho e Emprego e que prevê o aumento dos 58 para os 60 anos.

“Há um misto de saídas de profissionais para a reforma, falta de pessoas e o aumento do número de voos”, confirma à CNN Portugal Sérgio Capela, presidente da Associação Portuguesa de Controladores de Tráfego Aéreo (APCTA). Além disso, a APCTA admite que as previsões de crescimento de tráfego aéreo são "muito elevadas" e vão aumentar ainda mais a necessidade de mais profissionais no setor. "Em Lisboa, o tráfego está a crescer acima dos valores previstos", sublinha.

Por outro lado, o responsável da associação recorda que a própria pandemia atrasou e dificultou o processo de recrutamento e formação. Ao mesmo tempo, a NAV Portugal reconhece que das 24 vagas abre a formação para controladores aéreos por ano, em duas turmas compostas por 12 alunos, mas nem todos concluem a formação. 

Estas dificuldades acontecem numa altura em que, em média, todos os anos 13 controladores abandonam a profissão, de acordo com dados cedidos pela NAV à CNN Portugal. Quando questionado sobre se o número de controladores que existem são suficiente, Sérgio Capela responde claramente: “Não”.

Esta falta de controladores leva a que exista a necessidade de recorrer à utilização de pessoas em dias de folga ou a pedir aos trabalhadores para fazerem horas extra. “A solução tem passado por recorrer ao trabalho extraordinário para compensar algumas faltas. Os nossos turnos, na sua maioria, são em média de oito horas, mas quando há uma necessidade específica  de resposta de tráfego fazemos dez, no máximo”, esclarece ainda Capela, garantindo, no entanto, que os regulamentos que determinam os tempos de descanso são escrupulosamente cumpridos.

Este cenário, que pode afetar a capacidade aérea nacional, levou a NAV a negociar com o sindicato do setor o aumento da idade mínima da reforma, dos 58 para os 60 anos. Desta forma, a NAV consegue, em termos práticos, “segurar” 26 controladores durante mais dois anos. Esta alteração estar a deixar os controladores apreensivos.

“O aumento da idade da reforma para os 60 anos é uma das nossas grandes preocupações. Quando temos 20 anos, precisamos de poucas horas de descanso para recuperar. Um controlador com 50 anos, a trabalhar num turno noturno, precisa de mais horas para recuperar”, sublinha o presidente da APCTA. 

Neste momento, há 383 controladores de voo a operar em Portugal, com uma etária media de 42 anos. Os turnos dos profissionais deste setor são definidos tendo em conta períodos de trabalho e descanso, podendo exercer a posição de controlo por um período de tempo de 90 a 120 minutos consecutivos, intercalados por uma pausa de 30 minutos. Isto acontece porque o controlo de tráfego aéreo funciona 24 horas por dia, 365 dias por ano, em turnos rotativos, que incluem noites, fins-de-semana e feriados.

A lei define que esta é uma profissão de desgaste rápido devido ao elevado grau de responsabilidade que exige níveis de concentração extremos. Qualquer falha pode ter resultados muito graves. Foi o que pode ter acontecido, no passado dia 26 de junho, quando a torre de controlo do aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, autorizou a aterragem de um Boeing 737, da Ryanair, no momento em que outro avião se encontrava na pista a aguardar autorização para descolar. O relatório da NAV Portugal admite que houve erro humano com "uma momentânea falha de perceção sobre a situação operacional", numa altura de “elevado volume e complexidade” do tráfego aéreo no aeroporto.

A torre de controlo do aeroporto Francisco Sá Carneiro tomou "consciencialização do erro" após o alerta do piloto do avião da Ryanair, que chamou a atenção para o facto de estar um avião na pista, e também do supervisor em turno. Depois disso, "a recuperação foi imediata, tendo sido instruído o procedimento de aproximação falhada àquela aeronave", refere o comunicado da NAV.

“A confiança nos controladores de tráfego aéreo é absolutamente fundamental para os pilotos. Nós dependemos deles. Os pilotos têm de ter uma confiança cega no controlador. Temos de acreditar em tudo o que eles dizem, não pode ser de outra forma”, explica à CNN Portugal o ex-comandante da TAP José Correia Guedes.

Na Europa, a falta de controladores de tráfego aéreo está a agravar-se cada vez mais. Segundo Frederic Deleau, vice-presidente da Federação Internacional das Associações de Controladores de Tráfego Aéreo, existe uma profunda crise demográfica no setor, com uma parte significativa da força de trabalho prestes a reformar-se. De acordo com este responsável, CITADO PELO POLITICO todos os anos, há uma perda de 700 a mil trabalhadores.

Em muitos casos a falta de profissionais é agravada pelo facto de países que se estão a estabelecer como grandes pólos do transporte aéreo e estão dispostos a oferecer salários muito acima dos praticados na Europa. Muitos controladores de tráfego aéreo europeus, à semelhança do que já acontece com muitos pilotos, estão a rumar a países do Médio Oriente e asiáticos. Esta é uma realidade que, segundo a APCTA, não está  ainda a afetar Portugal.

“Nós temos conhecimento de que isso acontece, particularmente em países anglo-saxónicos. Nós não temos nenhum controlador português que tenha saído da NAV para ir trabalhar para o Médio Oriente”, refere Capela.

Existe a expectativa de que as novas tecnologias possam vir a auxiliar o trabalho dos controladores de tráfego aéreo, reduzindo a carga de trabalho e, dessa forma, aliviando um pouco a necessidade que existe por mais pessoal. A CNN Portugal sabe que um desses sistemas, o Top Sky da francesa Thales, já está implementado no aeroporto de Lisboa e tem vindo a melhorar significativamente a capacidade de gestão da pista. Este mecanismo é uma das tecnologias mais avançadas no controlo de tráfego aéreo automatizado.

Entre operadores esta é uma solução popular, no entanto, não é popular entre sindicatos europeus, que temem que a adoção destes sistemas possam resultar no desaparecimento de trabalho qualificado. Até porque a gestão remota do tráfego aéreo também traz alguns desafios e torna a atividade aérea mais vulnerável em caso de ciberataque ou de danos estruturais. Para a Federação Internacional das Associações de Controladores de Tráfego Aéreo, mesmo com novas tecnologias, a solução passa sempre por um aumento de pessoal.

“Não podemos pressionar as pessoas continuamente e depender de horas extras também tem seus limites porque estamos num ambiente crítico para a segurança”, argumentou Frederic Deleau, em declarações ao jornal Politico, alertando que esta pressão contínua pode levar a que, mais tarde ou mais cedo, "aconteça um acidente".

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