Por que razão os britânicos conduzem do lado esquerdo?

CNN , Peter Valdes-Dapena
30 mar, 19:00
Carros perto da Abadia de Westminster, em Londres, em 2019. Em Inglaterra, o trânsito circula pela esquerda, como acontece em cerca de 30% dos países. Beata Zawrzel/NurPhoto/Getty Images

Reino Unido não é o único país, como é óbvio, que o faz ao contrário. Cerca de 30% dos países do mundo impõem a condução do lado esquerdo e outros 70% à direita. Como isto aconteceu é uma história sinuosa

Conduzi até à zona rural Amish da Pensilvânia, nos Estados Unidos, para falar com um homem sobre uma carroça. Procurava a resposta a uma pergunta que tenho desde 2015, quando viajei para Inglaterra em trabalho.

Enquanto conduzia por Londres, com muito cuidado, num Mini Cooper, perguntei-me: por que é que estou a conduzir no lado "errado" da estrada? Sou dos Estados Unidos, que começaram por ser um conjunto de antigas colónias britânicas. Falamos a mesma língua, mais ou menos. Mas conduzimos em lados opostos e, por vezes, com efeitos perigosos.

E o Reino Unido não é o único país, como é óbvio, que o faz ao contrário. Cerca de 30% dos países do mundo impõem a condução do lado esquerdo e outros 70% à direita. Como isto aconteceu é uma história sinuosa.

Na Europa, Napoleão Bonaparte desempenhou um papel central. Nos Estados Unidos, os louros são frequentemente atribuídos a Henry Ford, mas na realidade isso não é bem verdade. A história é muito mais antiga do que Ford. A circulação pela direita não só é anterior aos automóveis, como também é anterior à existência dos Estados Unidos.

Foi assim que acabei num antigo celeiro de secagem de tabaco em Conestoga, na Pensilvânia, a olhar para uma carroça, poucos dias depois de testar um Tesla Cybertruck, o seu moderno descendente elétrico. Fui recebido por John Stehman, cuja família cultiva terras na região desde 1743. É presidente da Conestoga Area Historical Society e, tal como aprendi com a investigação sobre a história das estradas e da condução, a carroça Conestoga foi fundamental para toda esta história.

Colunas de carroças

Estas grandes carroças, com os seus altos tetos de lona em arco, tornaram-se um ícone da expansão americana para oeste, ao transportarem os pertences dos pioneiros do leste para a fronteira. Porém, no início do século XVIII, o oeste da Pensilvânia era a fronteira mais distante.

As carroças Conestoga foram desenvolvidas por carpinteiros e ferreiros locais para transportar mercadorias, incluindo produtos agrícolas e artigos comercializados entre os nativos americanos, para os mercados de Filadélfia que era, na altura, uma das maiores cidades das colónias. O condutor da carroça podia montar um dos cavalos ou sentar-se numa "tábua preguiçosa" que deslizava para fora da carroça. Mas quando era necessário um controlo mais ativo, caminhava ao lado dos cavalos, puxando alavancas e cordas.

Uma carroça Conestoga original do século XIX na Sociedade Histórica da Área de Conestoga, em Conestoga, Pensilvânia, em 2024. (Peter Valdes-Dapena/CNN)

"Ele dava-lhes a ordem verbal: 'Gee', 'Haul' ou outra qualquer, e eles ouviam-na", explica Stehman. "Também puxava esta corda de couro uma ou duas vezes."

Imaginei-me a percorrer um longo caminho poeirento à frente de uma parelha de cavalos que puxavam esta carroça pintada de azul. Sou destro, como a maioria das pessoas. Por essa razão, as carroças Conestoga tinham os comandos do lado esquerdo, perto da mão direita do condutor. Isto significava que o condutor ia no meio da estrada e a carroça à direita.

Com o passar do tempo, havia tanto comércio e tráfego entre o Condado de Lancaster, na Pensilvânia, e Filadélfia que foi criada a primeira grande autoestrada dos Estados Unidos. A Philadelphia and Lancaster Turnpike Road foi inaugurada em 1795. De acordo com o livro "Ways of the World", de M.G. Lay, entre as regras que constavam no seu alvará estava a obrigação de todo o tráfego ter de circular pela direita, tal como as carroças Conestoga.

Em 1804, Nova Iorque tornou-se o primeiro Estado a ditar que o tráfego se mantivesse à direita em todas as estradas e autoestradas.

Um Ford Modelo T em 1915. Three Lions/Hulton Archive/Getty Images

Algumas pessoas atribuem a Henry Ford a normalização do trânsito americano no lado direito da estrada porque, em 1908, a Ford Motor Co. colocou o volante no lado esquerdo do popular Modelo T. No entanto, na realidade, Ford estava simplesmente a responder a hábitos de condução que, em grande medida, tinham sido estabelecidos muito antes.

O que é realmente estranho é que a maior parte do resto da Europa, à exceção do Reino Unido, conduz à direita, tal como os americanos.

A marcha de Napoleão pela Europa

Por que é que os britânicos são diferentes, mesmo no seu próprio continente? Os créditos, ou a culpa, são dos franceses.

Gravura a cores representando peões e carruagens nas avenidas de Paris, França, cerca de 1750. adoc-photos/Corbis/Getty Images

O governo revolucionário francês sob o comando de Maximilien Robespierre - mais conhecido por ter liderado o "Reino do Terror" no final do século XVIII, no qual milhares de pessoas foram guilhotinadas - ditou que toda a gente devia conduzir pela direita.

O lado esquerdo da estrada era, por convenção cultural de longa data, reservado às carruagens e às pessoas a cavalo. Por outras palavras, as classes mais abastadas. Os peões, ou seja, as pessoas mais pobres, mantinham-se à direita. Obrigar toda a gente a andar do mesmo lado da estrada, para além de ser bom para o trânsito, estava relacionado com a eliminação destas distinções entre classes sociais.

As classes mais altas provavelmente concordaram, uma vez que, nessa altura, ser visto como aristocrata não só não estava na moda, como era bastante perigoso. (Ver acima sobre guilhotinas).

Uma rua em Estocolmo, Suécia, às 05:00 da manhã de 3 de setembro de 1967, quando os automóveis passaram a circular à direita em vez de circularem à esquerda (Classic Picture Library/Alamy Stock Photo)

Diz-se que Napoleão difundiu a política francesa à medida que os seus exércitos marchavam pela Europa. Alguns indícios deste facto podem ser encontrados num mapa do império napoleónico de 1812.

Havia uma nação que não era nem súbdita nem aliada de Napoleão. Tratava-se da Suécia. Na Suécia conduzia-se à esquerda, até que, num dia surpreendentemente tranquilo em 1967, os condutores passaram a conduzir à direita.

Ponte de Londres em 1872 repleta de cavalos, carruagens e peões. Já em 1756 foram promulgadas regras em Londres para regular o tráfego nas faixas de rodagem.  Guildhall Library & Art Gallery/Heritage Images/Getty Images

A Grã-Bretanha seguiu literalmente o caminho inverso ao da França.

A noção do historiador Lay é que este facto tem a ver com os diferentes tipos de transporte utilizados. Na Grã-Bretanha, havia menos carruagens de dimensões industriais e mais carroças pequenas e cavaleiros individuais. Os cavaleiros preferiam ficar à esquerda para manter a mão direita virada para o tráfego em sentido contrário para acenar ou, se necessário, lutar.

Condução perigosa

Sejam quais forem as razões, há por vezes consequências reais quando se muda de lado e já se registaram acidentes graves.

William Van Tassel, diretor de formação de condutores da AAA, escola norte-americana, recomenda que os condutores tomem medidas adicionais para se concentrarem quando conduzem do outro lado. Por exemplo, manter o rádio desligado.

"Penso que é bom falar consigo próprio enquanto conduz. Isso obriga-o a concentrar-se na condução", afirmou. "OK, mais à esquerda ou mais à direita. Verificar se há trânsito pela direita em vez de pela esquerda. O que quer que seja, o que funcionar."

Passadeira em Londres, Inglaterra, em setembro de 2009. As pessoas que visitam a cidade vindas do estrangeiro têm de se lembrar de olhar para o trânsito que vem na direção oposta àquela a que estão habituadas. A Avis distribui pulseiras para lembrar aos clientes que alugam carros qual o lado que devem seguir. Yevgenia Gorbulsky/Alamy Stock Photo

No Grupo Avis Budget, que aluga muitos carros a americanos que conduzem no Reino Unido, os agentes fazem questão de lembrar aos clientes que devem conduzir pela esquerda. Também tomam outras medidas.

"Além disso, todos os nossos veículos no Reino Unido têm autocolantes 'Conduzir à esquerda' e, nos principais locais, distribuímos pulseiras 'Conduzir à esquerda', que recomendamos que os nossos clientes usem sempre no pulso esquerdo para se lembrarem do lado da estrada em que devem conduzir", indicou a Avis Budget.

Van Tassel, da AAA, também recomenda a presença de um passageiro como mais um par de olhos, algo que me ajudou quando estava a conduzir, apesar de a ter aterrorizado, ocasionalmente. 

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