Depois de morrer também pode ser ecológico. Como a compostagem humana quer ajudar o meio ambiente

CNN , Kristen Rogers
13 nov 2022, 16:00
(REUTERS)

Provavelmente sabe que a compostagem de cascas de banana e de ovos pode ajudar a reduzir o seu impacto negativo no ambiente. Mas sabia que, depois de morrer, também o pode fazer com o seu corpo?

A compostagem humana – também denominada redução orgânica natural ou redução de restos humanos – é a prática de colocar um corpo morto num contentor reutilizável juntamente com materiais biodegradáveis que promovem a sua transformação em substrato rico em nutrientes, que pode ser devolvido aos entes queridos ou doado a áreas protegidas.

A noção de ser ecológico mesmo na morte pode parecer absurda, mas a Califórnia tornou-se o mais recente estado a aprovar um projeto de lei sobre compostagem humana, previsto entrar em vigor em 2027. Washington foi o primeiro Estado a legalizar a compostagem humana em 2019, seguido pelo Oregon, Colorado e Vermont.

Os defensores da compostagem humana esperam que a prática possa ajudar a travar a crise climática impulsionada pela queima de combustíveis fósseis, produzindo emissões de gases de estufa que aquecem o planeta, como o dióxido de carbono e o metano. As cremações requerem considerável combustível – a cremação de um cadáver emite aproximadamente 190 quilos de dióxido de carbono para a atmosfera, o equivalente a percorrer 756 quilómetros de automóvel, segundo o Chemical & Engineering News, uma publicação da Sociedade Americana de Química. Nos Estados Unidos, as cremações são responsáveis por 790 mil toneladas métricas de emissões de dióxido de carbono por ano, segundo o Green Burial Council Inc., uma organização que monitoriza os padrões de certificação de cemitérios, casas funerárias e prestadores de serviços envolvidos em práticas funerárias sustentáveis.

“A compostagem humana usa muito menos energia que a cremação, a qual usa gás fóssil para gerar calor acima dos 760 graus Celsius”, afirmou Katrina Spade, fundadora e CEO da Recompose, uma funerária ecológica licenciada em Seattle. “Quando a compostagem humana transforma a matéria orgânica do nosso corpo, o carbono fica igualmente retido no substrato criado. Em lugar de ser libertado como gás dióxido de carbono, por escape, durante uma cremação, a matéria carbónica contida em cada corpo é devolvida à terra.”

Cristina Garcia, membro da Assembleia Legislativa da Califórnia que introduziu a legislação estadual, diz que os incêndios florestais e a seca extrema são avisos de que as alterações climáticas são reais e de que as emissões de metano e de dióxido de carbono têm de ser reduzidas. “Por cada indivíduo que opte pela redução orgânica natural em lugar do enterro convencional ou a cremação, o processo evita que o equivalente a uma tonelada métrica de carbono entre na atmosfera”, afirmou Garcia num comunicado de imprensa, em setembro.

A Recompose, a empresa de Spade, tornou-se a primeira instalação de compostagem humana nos Estados Unidos, quando abriu as suas portas em dezembro de 2020. Spade desenvolveu a ideia da compostagem humana na faculdade, depois de tomar conhecimento da compostagem pecuária, em que os animais de criação são reciclados de volta à terra, confessou.

A compostagem humana é feita dentro de cilindros de aço, os ditos “vessels” na Recompose. Crédito: Sabel Roizen

A indústria é nova e há pouca investigação sobre as vantagens da compostagem humana para o ambiente, em comparação com os enterros tradicionais, a cremação ou os ditos “enterros verdes”. E o processo não está isento de carbono, uma vez que continua a envolver maquinaria operada por eletricidade e o transporte de cadáveres, materiais e restos, declarou Ed Bixby, presidente do Green Burial Council (Conselho de Enterros Ecológicos).

À medida que cresce o interesse por opções de fim de vida mais sustentáveis, a transparência sobre a prática é crucial, disse Bixby. Um recente estudo da Associação Nacional de Diretores de Funerárias apurou que 60,5% dos inquiridos estavam interessados em explorar opções de funeral “verde”, tendo em conta os potenciais benefícios ambientais, a redução de custos e outras razões.

“Em relação às nossas famílias, não queremos que fiquem perturbados ou incomodados, acreditando em algo que não é a realidade”, observou Bixby. “Se a intenção é fazer alguma coisa, se é uma atitude ambientalmente consciente, achamos fantástico. Mas queremos ter a certeza de que as pessoas sabem com o que estão a concordar.”

Reduzir o impacto ambiental e financeiro da morte

Na Recompose, a compostagem humana é feita dentro de um cilindro de aço de 2,4 metros de comprimento por 1,2 metros de altura. O corpo é colocado no contentor, sobre uma cama de aparas de madeira, alfafa e palha.

“A compostagem humana cria um ambiente em que se desenvolvem micróbios benéficos, com um teor de humidade e um rácio de materiais de carbono e nitrogénio específicos”, explicou Spade.

Nos 30 dias seguintes, tudo no interior decompõe-se naturalmente. Um corpo cria 0,76 metros cúbicos de substrato alterado – uma substância que é adicionada ao solo para lhe melhorar a textura ou integridade –, que é removido do contentor e curado durante duas a seis semanas. Posteriormente, poderá ser doado a projetos de conservação ou uma determinada quantidade pode ser devolvida aos entes queridos. Mas a quantidade recebida pelos entes queridos pode depender da legislação em vigor nesse Estado, uma vez que o substrato continuaria a ser legalmente considerado como restos mortais humanos, regulamentados quanto à sua utilização, acrescentou Bixby.

A prática evita igualmente a introdução de materiais não biodegradáveis – nomeadamente, urnas de betão ou plástico, caixões de aço ou laqueados – na atmosfera ou na terra e a destruição das florestas pelos caixões de madeira, declarou Bixby. A compostagem humana protegeria ainda os trabalhadores de casas funerárias da exposição a elevados níveis de formaldeído, que se descobriu causar leucemia mieloide e cancros raros.

A compostagem humana poderia, por outro lado, reduzir a pegada financeira das providências de fim de vida. O custo médio de um funeral com cremação nos Estados Unidos, em 2021, era de 6.971 dólares e o custo médio de um funeral com velório e enterro, 7.848 dólares, de acordo com a Associação Nacional de Diretores de Funerárias. Mas as estimativas do custo médio não incluem a campa, a lápide ou outros custos associados a um enterro tradicional, que podem frequentemente fazer duplicar o custo final, esclareceu Spade.

“A Recompose procura manter o custo da compostagem humana comparável ao de outras opções de tratamento da morte”, disse Spade.

Quem é candidato à compostagem?

A Recompose já realizou a compostagem de mais de 200 cadáveres em substrato, desde a sua abertura há dois anos e tem mais de 1100 pessoas inscritas no Precompose, o programa de preparação do processo da empresa, explicou Spade.

“Ouvimos dos nossos clientes que saberem que o seu corpo – ou do seu ente querido – poderá ser devolvido à terra é profundamente reconfortante”, revelou Spade.

Nem todos são elegíveis para a compostagem humana. A redução orgânica natural destrói a maioria dos patógenos nocivos, mas há três doenças raras que desqualificam um corpo para ser submetido a compostagem humana, continuou Spade: o Ébola, a tuberculose e doenças causadas por priões, que são agentes patogénicos anómalos que podem causar uma dobragem anómala de certas proteínas cerebrais.

A lista de Estados permitindo a compostagem humana pode estender-se em breve. Um projeto de lei no Estado de Nova Iorque passou em ambas as câmaras legislativas e aguarda, agora, a aprovação do governador, disse Spade. E no Massachusetts, os representantes estaduais Jack Lewis e Natalie Higgins estão a preparar um projeto de lei para legalizar aí a compostagem humana.

Contudo, grande parte das casas funerárias poderão não ser muito rápidas a adotar a prática, disse Bixby. Uma vez emitida a licença, uma cremação direta pode ser feita no mesmo dia, acrescentou. E um enterro demora normalmente entre três a cinco dias, enquanto a compostagem humana pode levar até 120 dias.

“O problema que vejo, em relação ao desenvolvimento da prática, é que não se pode lidar com um grande volume”, contrapôs Bixby. “Com a morosidade deste processo, ter cinco ou seis contentores de compostagem não fará grande coisa. Enquanto homem de negócios, a minha opinião é que a prática não conquistará muito terreno, por essa precisa razão.”

“Não faz muito sentido, em termos práticos. E detesto puxar do argumento do dinheiro, porque não deveria ser o essencial, mas no final de contas quando prestamos um serviço, fazemo-lo pela receita que daí advém, pois é o que nos permite continuar a funcionar.”

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