Hospitais sem camas, filas de ambulâncias, crematórios sob pressão. Mas a China reporta cada vez menos mortes por covid-19

28 dez 2022, 11:36
Explosão de casos de covid-19 sobrecarrega hospitais na China (Foto: Dake Kang/AP)

Especialistas estimam que China pode ter milhões de infetados, com consequente subida no número de óbitos. Mas Pequim divulga cada vez menos informação e mudou mesmo os critérios para registar as mortes por covid-19

Depois de manter uma das políticas mais duras de contenção da covid-19 desde o início da pandemia, o regime chinês começou no início de dezembro a levantar restrições, na sequência dos protestos inéditos do último mês. E se, antes, uma mão cheia de casos bastava para deixar milhões em casa e uma cidade confinada - no auge da política "covid zero" -, desde 7 de dezembro as autoridades abandonaram grande parte das medidas contra a covid-19 sem aviso prévio. O resultado, aparentemente, é devastador: ainda que os números oficiais não o reflitam, as agências de notícias internacionais revelam que os hospitais chineses estão sem mãos a medir para o número de infetados com SARS-CoV-2. 

O levantamento das restrições foi amplamente celebrado nas redes sociais chinesas e muitas famílias, separadas geograficamente pela pandemia, puderam finalmente voltar a juntar-se, com o fim das longas quarentenas exigidas por Pequim a quem vinha de fora. Mas o número de casos de covid-19 terá subido na mesma proporção dos festejos: especialistas internacionais em saúde, citados pela Reuters, estimam que milhões de pessoas estejam a ser diariamente infetadas na China, levando ao limite o frágil sistema de saúde do país.

"Faço isto há 30 anos e nunca vi tanto movimento", disse um motorista de ambulância que aguardava no exterior de um hospital da cidade de Chengdu à agência Reuters.

As filas para entrar na unidade, e mesmo já dentro do hospital, eram longas e demoradas. A Reuters testemunhou que, à maioria dos doentes que chegam de ambulância, é dado oxigénio para auxiliar nas dificuldades respiratórias. "Quase todos os doentes têm covid", revelou um funcionário do departamento de farmácia do serviço de urgência. Mas aquele hospital já não tem medicamentos específicos para combater o vírus da covid-19 e limita-se agora a fornecer fármacos que combatem os sintomas da doença, como a febre ou tosse. 

Também em Chengdu, no sul da China, as funerárias e crematórios nunca tiveram tanto trabalho e os serviços fúnebres são constantes. "Temos de fazer isto cerca de 200 vezes por dia agora", disse um funcionário à Reuters. "Temos tanto trabalho que nem sequer temos tempo para comer. Tem sido assim desde a reabertura. Antes, eram 30 a 50 vezes por dia", revelou. "Muitos morreram de covid", acrescentou a mesma fonte. 

O funcionário de outro crematório confirmou que já não há vagas e que só é possível marcar serviços fúnebres no ano novo - que, na China, que não segue o calendário ocidental, começa a 22 de janeiro de 2023.

Uma responsável de um hospital em Pequim revelou que a maioria dos doentes são idosos ou têm outras doenças que agravam as consequências da covid-19: o número de pessoas atendidas nas urgências diariamente subiu de cerca de 100 para 450 a 500. Médicos e enfermeiros são incentivados a trabalhar, mesmo doentes, e profissionais de saúde aposentados voltaram a ser contratados para auxiliarem nas comunidades rurais. 

Critérios para reportar óbitos alterados

Ainda assim, apesar da explosão de surtos documentada no local, os números oficiais chineses mostram cada vez menos casos e mortes. Desde logo, porque Pequim decidiu alterar os critérios para registar as mortes por covid-19: só são atribuídos ao vírus os óbitos causados diretamente por doenças respiratórias, ficando por registar todos aqueles que são consequência de sequelas e outros efeitos da doença.

Na terça-feira, por exemplo, a China reportou três mortes por covid-19 e, no dia anterior, tinha sido apenas uma. O total de óbitos por covid-19 desde o início da pandemia está agora em 5.245, segundo os números oficiais de Pequim. Também o número de casos divulgados desceu significativamente: as testagens em massa terminaram e os positivos são registados apenas nos hospitais e clínicas, quando os doentes procuram assistência hospitalar. Casos assintomáticos e resultados positivos de autotestes não são incluídos nos números do Estado. Já esta quarta-feira, o Mecanismo Conjunto de Prevenção e Controlo do Conselho de Estado do executivo chinês declarou que as mortes e casos graves de covid-19 no país serão divulgados semanalmente e, posteriormente, mensalmente.

A explosão de casos e a sobrecarga dos hospitais e crematórios, bem como a falta de transparência das autoridades, está a deixar outros países em alerta: o governo norte-americano já admitiu impor restrições a passageiros oriundos da China, devido a preocupações com a "falta de dados transparentes" de Pequim.

Ainda assim, a China não é caso único no continente asiático: as Filipinas registaram uma subida exponencial no número de casos de covid-19 e já admitiram exigir testes aos viajantes que cheguem da China. E, nos últimos sete dias, o Japão foi o país com mais casos confirmados de covid-19 a nível mundial, o segundo com maior número de mortes a seguir aos Estados Unidos, de acordo com os números da Organização Mundial de Saúde. Esta quarta-feira, Tóquio reportou 216,219 novos casos, mais 4% do que na semana anterior, e 415 mortes, um recorde absoluto no número de óbitos diários.

Na China, apesar da reabertura, o Banco Mundial cortou previsão de crescimento para este ano e para o próximo. Segundo as novas previsões, a economia chinesa deverá crescer 2,7% em 2022 e recuperar para 4,3% em 2023, à medida que se reabre após a pior fase da pandemia. Por agora, o elevado número de infetados deverá fazer diminuir o consumo doméstico e a produção industrial, uma vez que as fábricas têm sofrido com o número de funcionários impedidos de trabalhar por doença. 

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