Sócrates, Albuquerque e muito mais. Os crimes, os processos e os suspeitos que ameaçam assombrar a campanha eleitoral

26 jan, 07:00
Processo da Operação Marquês

São vários os processos que envolvem ex-governantes e políticos e que vão ter desenvolvimentos, diligências ou prazos de recurso a caírem por altura da campanha ou pré-campanha eleitoral. Politólogos falam numa situação "sem precedentes"

Numa altura em que o país se prepara para a campanha eleitoral, dois casos judiciais estão a fazer estremecer o meio político. Os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa decidiram que há motivos para o antigo primeiro-ministro socialista José Sócrates ser julgado por 22 crimes, incluindo corrupção, e na Madeira o presidente da região autónoma, Miguel Albuquerque, foi constituído arguido pelo mesmo crime, entre outros. Mas os processos que envolvem políticos, ex-governantes e suspeitas de corrupção, peculato e outros crimes, não ficam por aqui e muitos ameaçam assombrar a campanha para as eleições de 10 de março. 

É em plena pré-campanha que Miguel Alves, o antigo secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro António Costa, vai ficar a saber se é condenado ou absolvido do crime de prevaricação de que está acusado. Segundo adiantou o ex-governante à CNN Portugal, a leitura do acórdão com a sentença está agendada para 15 fevereiro – a 10 dias do início da campanha eleitoral.

Por outro lado, apurou a CNN Portugal, a Operação Influencer, que envolve, entre outros, António Costa, e o seu antigo chefe de gabinete, Vitor Escária, deverá em breve ter novos arguidos.

Ao mesmo tempo, o ex-secretário de Estado da Proteção Civil, José Artur Neves, do Executivo de António Costa, soube esta quinta-feira, dia 25, que vai mesmo ser julgado no âmbito do processo das golas antifumo, depois de a juíza de instrução ter validado a acusação do Ministério Público, estando em causa crimes de fraude na obtenção de subsídio, participação em negócio, abuso de poder, burla e falsificação de documento. E o deputado socialista António Pedro Faria viu a sua imunidade parlamentar levantada esta quarta-feira para poder ser constituído arguido por suspeitas de crimes de prevaricação, o que pode acontecer nos próximos dias, adiantou fonte ligada ao processo. A somar a este cenário, elementos da esfera PS e PSD partilham processo-crime que, sabe a CNN Portugal, terão desenvolvimentos, diligências ou prazos de recurso a caírem por altura da campanha ou pré-campanha eleitoral – é o que sucede com o caso Vortex, Teia ou Tutti Frutti em que estão a ser investigados muitos elementos dos dois partidos, entre ex-deputados, autarcas ou ex-governantes. Enquanto isso, irá continuar o julgamento do caso EDP e do antigo ministro da Economia, Manuel Pinho, que enfrenta os crimes de corrupção passiva e branqueamento de capitais e fraude fiscal.

José Sócrates será julgado por corrupção após decisão do Tribunal da Relação

"É um gatilho" para os eleitores procurarem "propostas radicais"

Será “uma campanha eleitoral sem precedentes”, afirma a politóloga Paula do Espírito Santo, referindo-se tanto ao número de processos judiciais que vão marcar o discurso político nos próximos tempos, como ao facto dos casos polémicos “contaminarem tanto o partido do Governo, como o partido da oposição”.

“Uma grande parte destes processos traz incómodo e embaraço aos líderes do PS e do PSD e vai fazer com que a campanha para as legislativas seja centrada em ataques mútuos à volta da Justiça.”

Ataques esses que, considera o politólogo José Filipe Pinto, vão ser prejudiciais para Luís Montenegro e para Pedro Nuno Santos, já que ambos os partidos estão “limitados no uso do combate à corrupção como arma de arremesso, porque têm ativos estratégicos e lideranças partidárias envolvidas em escândalos dessa natureza”. 

Miguel Albuquerque, presidente do Governo Regional, foi constituído arguido por suspeitas de corrupção

Uma das consequências, acredita José Filipe Pinto, será no voto útil nos socialistas, em especial na sequência do caso Influencer. “As pessoas que apostaram no voto útil no PS vão deixar de o fazer, porque a queda do Governo delapidou a legitimidade que este partido tinha como defensor da estabilidade nas eleições anteriores”. Uma situação, sublinha por seu lado o politólogo e especialista em corrupção, Luís de Sousa, que o PSD não vai poder “utilizar esse palco moral em relação ao PS” e à forma como “geriu mal toda uma série de episódios de falta de ética e de ilegalidades”. Não pode, frisa o especialista, pois o PSD “tem rabos de palha”.

De acordo com os especialistas, todos estes casos podem ter mais riscos na ida às urnas: seja na abstenção, seja no desvio de votos para partidos com discursos mais “radicais”.  

“Vão desmobilizar uma parte dos eleitores para as urnas e, para outra parte, será o gatilho que os vai levar a procurar soluções antissistema e soluções que fazem propostas radicais”, explica Paula do Espírito Santo. José Filipe Pinto concorda e lembra que “o Chega vai claramente usar a sua dimensão antissistema para chamar estes casos à atenção de todos”.

Também Mariana Mortágua, acreditam os analistas, terá mais capacidade do que Catarina Martins para exercer pressão nos partidos do centro – envoltos nestas polémicas judiciais. “Tem um histórico combativo de crimes económicos, branqueamento de capitais e é economista”, sublinha Paula do Espírito Santo, acrescentando que a líder do Bloco “talvez possa capitalizar mais nestes casos” de justiça “face a Catarina Martins”.

Caso Influencer. Costa aguarda Supremo, MP insiste na prisão preventiva de chefe de gabinete e de melhor amigo

O processo Influencer, que está relacionado com corrupção, tráfico de influências e outros crimes económicos no negócio do lítio, hidrogénio e call center de dados em Sines – que levou à demissão de António Costa e à queda do Governo - será, segundo os politólogos, o que pode ter mais impacto na campanha eleitoral para as legislativas. “Se houver desenvolvimentos negativos para Costa sobre a responsabilidade política neste processo, o impacto para a campanha de Pedro Nuno Santos será péssimo, porque esta está agarrada à continuidade do legado de António Costa”, afirma Paula do Espírito Santo. 

A investigação relativa a António Costa está, neste momento, no Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça, que tem competência para atuar sobre o primeiro-ministro.

Vítor Escária ao lado de António Costa. Ambos são investigados no processo Influencer

Já o seu antigo chefe de gabinete, Vitor Escária, e o seu melhor amigo, Diogo Lacerda Machado, estão a ser investigados no processo que está sob alçada do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa e que, em breve, deverá ter mais desenvolvimentos. Segundo várias fontes, este caso terá mais arguidos, nomeadamente da esfera política do PS, o que pode suceder durante a campanha eleitoral. Aliás, Magalhães e Silva, advogado de Lacerda Machado, confirmou à CNN Portugal esse cenário. “Efetivamente, há essa possibilidade.”

Ao mesmo tempo, o Ministério Público insiste na prisão preventiva de Lacerda Machado e Vitor Escária – que segundo o MP teria no seu gabinete, no Palácio de São Bento, 75 mil euros em notas - o que foi até usado numa campanha de publicidade do Ikea. O MP recorreu, por isso, da decisão do juiz de instrução de não decretar prisão preventiva, tendo apenas obrigado Lacerda Machado e Vitor Escária a pagar uma caução de 150 mil euros e a entregar o passaporte.  

As defesas têm até ao dia 7 de fevereiro para contestar esse recurso. Há três hipóteses em cima da mesa, explica à CNN Portugal o advogado do chefe de gabinete do primeiro-ministro, Tiago Bastos: “Pode haver uma anulação total das medidas de coação se vigorar o recurso dos arguidos, podem manter-se as medidas de coação tal qual como estão ou pode ser aceite o recurso dos procuradores” que pedem prisão preventiva.

Além de Escária e Lacerda Machado, o caso tem, entre outros, ainda como arguidos, o ex-ministro das Infraestruturas, João Galamba, e João Tiago Silveira, ex-secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros. “Este processo vai ser a principal razão para o PS perder os votos úteis que lhe deram a maioria absoluta de 2022”, assinala José Filipe Pinto.

Processo Tutti Frutti. PGR confirma que "investigação prossegue com obtenção de prova"

O caso, que envolve políticos do PS e do PSD com suspeitas de troca de favores, está neste momento a dar origem a várias diligências, como as buscas que ocorreram esta terça-feira. À CNN Portugal, fonte oficial da PGR, garantiu que “a investigação prossegue, designadamente com a obtenção e análise de prova documental e a produção de prova testemunhal”, recusando adiantar se já há mais arguidos para além dos três advogados, Jorge Varanda Braga, André Pardal e Ricardo Henrique Tomás.

Certo é que entre os homens das listas para as legislativas de 10 de março do PSD e PS há políticos que, apesar de não terem sido constituído arguidos, são referenciados neste inquérito crime como, por exemplo, o social-democrata e presidente da junta de freguesia da Estrela Luís Newton, ou Fernando Medina, ministro das Finanças.

“Ao incluir nas listas Luís Newton, Luís Montenegro fugiu à regra que criou de não colocar arguidos nas listas para deputados do PSD e creio que isso não vai passar despercebido. É um aspeto que não foi devidamente acautelado e não lhe vai favorecer nada a campanha. As influências das dinâmicas partidárias sobrepuseram-se e Montenegro acabou por não ter tido o cuidado devia ter. Julgo que foi mesmo um erro e será apontado na campanha eleitoral”, analisa Paula do Espírito Santo.

Neste momento, porém, o MP não constituiu nem estes nem outros sociais-democratas ou socialistas como arguidos. Nem mesmo aquele que segundo a inquérito seria uma das peças centrais de todo este esquema de troca de favores: Sérgio Azevedo, ex-deputado do PSD. “Ainda não fui ouvido, nem constituído arguido”, garante à CNN Portugal o ex-parlamentar que, entretanto, se afastou da política.

Esta semana o caso teve desenvolvimentos, com as juntas de freguesia de Santo António e São Domingos de Benfica, ambas governadas por elementos do PSD, a serem alvos de buscas. O caso, que investiga o favorecimento de dirigentes e militantes socialistas e sociais-democratas nas eleições autárquicas de 2017, está entregue a uma equipa especial, com cinco procuradores e cinco inspetores da PJ a trabalharem a tempo inteiro.

Para os politólogos, casos como o do Tutti Frutti que envolvem políticos do chamado bloco central podem tornar-se um trunfo para partidos antissistema, como o Chega de André Ventura. “O Chega vai claramente usar a sua dimensão antissistema para chamar o caso Tutti Frutti à atenção de todos, apontando para os danos na boa gestão da coisa pública, denunciando que o sistema é um sistema de compadrio, de conluio entre o PS e o PSD”, afirma José Filipe Pinto.

Caso Vórtex. Ex-deputado do PSD julgado por corrupção

Joaquim Pinto Moreira, deputado que nos últimos anos foi dado como muito próximo de Luís Montenegro e que chegou a ser vice-presidente da bancada do PSD no Parlamento, é um dos políticos que enfrenta, neste momento, a Justiça e vai ser julgado por corrupção e tráfico de influências nos próximos tempos.

À CNN Portugal, o ex-parlamentar adiantou que “vai contestar” a decisão do Tribunal de Instrução do Porto, de novembro - e que validou as acusações do Ministério Público de dois crimes de corrupção passiva. O prazo para recorrer da decisão do juiz termina, em final do próximo mês, já a campanha eleitoral está em curso.

Joaquim Pinto Moreira é arguido na operação Vortex

Segundo explicou, a sua defesa “tem até ao final de fevereiro para entregar a contestação” da decisão do tribunal e consequente marcação do julgamento.

O social-democrata é acusado de ter recebido vários subornos para favorecer uma construtora no processo Vórtex. Este caso é, aliás, mais um dos que envolve políticos dos dois maiores partidos nacionais. Para além de Pinto Moreira, também Miguel Reis, antigo autarca socialista de Espinho, responde por quatro crimes de corrupção passiva e cinco de prevaricação no mesmo processo.

Golas antifumo. Juíza valida indícios de crimes de ex-secretário de Estado da Proteção Civil

Outro político que se encontra a braços com a justiça é José Artur Neves, ex-secretário de Estado da Proteção Civil do Governo de António Costa. Foi exatamente esta quinta-feira, dia em que se soube que Sócrates vai a julgamento por 28 crimes, incluindo corrupção, que Artur Neves também ficou a saber que a juíza do Tribunal Central de Instrução Criminal considerou que os indícios criminais do MP estavam certos e que deve sentar-se no banco dos réus.

Assim num dia só, dois tribunais deram razão ao Ministério Público sobre acusações que envolviam ex-dirigentes do PS: o Tribunal da Relação de Lisboa reverteu a decisão do juiz Ivo Rosa dando razão ao MP, considerando haver indícios para julgar o antigo primeiro-ministro por corrupção e o Tribunal de Instrução Criminal validou a acusação do secretário de Estado da Proteção Civil. Artur Neves é acusado no âmbito de um processo das golas antifumo que envolve fraude na obtenção de subsídio, participação em negócio, abuso de poder, burla e falsificação de documento no âmbito da compra de golas de autoproteção no programa "Aldeia Segura - Pessoas Seguras", que foi lançado depois dos fogos florestais de 2017.

Processo em Gaia. Parlamento levanta imunidade a deputado socialista suspeito de prevaricação 

Também esta semana, um outro deputado, desta vez o socialista António Pedro Faria teve de pedir levantamento da imunidade parlamentar para poder ser constituído arguido. Segundo confirmou à CNN Portugal o seu advogado, Nuno Cerejeira Namora, em causa está um processo que corre no Tribunal de Instrução Criminal de Penafiel e que está relacionado com a sua atividade como chefe de gabinete da Câmara Municipal de Felgueiras entre 2017 e 2022. Em causa estarão cinco crimes de prevaricação. Mais um caso em que os desenvolvimentos podem decorrer em plena campanha.

Operação Teia. Socialistas preparam-se para pedir abertura e instrução sobre crimes de corrupção 

Também o caso que ficou conhecido como Teia, que envolve vários políticos do PS e PSD por suspeitas de violação das regras da contratação pública, teve a sua acusação recentemente, estando em causa vários crimes, incluindo nalguns casos a corrupção. Um dos braços deste esquema é Joaquim Couto, um histórico do PS e ex-presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso que o MP acusa de corrupção ativa, peculato e prevaricação. Outro dos socialistas acusado é Miguel Costa Gomes, ex-presidente da Câmara de Barcelos que também está acusado de prevaricação, participação económica em negócio e corrupção passiva. “Vamos pedir abertura instrução”, adianta à CNN Portugal o advogado de Costa Gomes.

Apesar de todos estes casos estarem em risco de assombrar a campanha eleitoral, que se inicia dia 25 de fevereiro, o especialista em corrupção Luís de Sousa garante que há eleitores que não valorizam a questão dos governantes estarem envolvidos em escândalos de corrupção. "Nos estudos de opinião que temos vindo a realizar sobre a razão de alguns eleitores não penalizarem os políticos envolvidos em escândalos de corrupção, uma das respostas dada é a descrença da justiça", refere o especialista, acrescentando que o outro motivo indicado pelos inquiridos é o facto de as pessoas em causa serem da mesma cor política.

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