Primeiro quiseram o Brexit, agora pensam no 'rejoint'. O fim de Boris Johnson abre a porta a nova discussão?

CNN Portugal , MJC
15 jun 2023, 18:00
Boris Johnson (AP Photo)

As especialistas em assuntos internacionais Helena Ferro Gouveia e Diana Soller analisam a situação atual do Reino Unido. O descontentamento da população é grande mas não há condições políticas e institucionais para reverter a saída da União Europeia, explicam à CNN Portugal

Depois de ter deixado o número 10 de Downing Street em setembro, Boris Johnson renunciou há dias ao cargo de deputado, mas nem assim se livrou de polémicas. O relatório do Partygate, conhecido esta quinta-feira, afirma que o ex-primeiro ministro britânico enganou deliberada e repetidamente o parlamento inglês nas várias declarações que fez sobre o caso e, assim, "cometeu um ato grave de desrespeito", "sem precedentes". Parece ser o afastamento definitivo do político que assinou a saída do Reino Unido da União Europeia - concretizada em janeiro de 2020.

E a saída de Boris Johnson abre a porta a uma nova discussão do Brexit? Os analistas consideram pouco provável que isso aconteça.

Antes de mais, "apesar de Boris Johnson ter sido eleito primeiro-ministro com a promessa de concretizar o Brexit não faz grande sentido estar a imputar o Brexit apenas à figura de Boris Johnson", explica à CNN Portugal a investigadora em Relações Internacionais Diana Soller. "O Brexit foi uma promessa eleitoral de Gordon Brown, acreditando provavelmente que não iria ter consequências - e teve. Boris Johnson sobe ao poder depois da queda de Theresa May, por incapacidade precisamente de instaurar o Brexit." Ou seja, não se pode dizer que Johnson tenha sido o ideólogo do Brexit. 

Quando se realizou o referendo, em 2016, "havia pouca informação sobre o que se poderia esperar", recorda Diana Soller. "Como em todos os referendos, as pessoas não votam na questão em si, mas na sua relação com a questão. Há um conjunto de pessoas que identitariamente não se consideravam da União Europeia, que não tinha interesse em continuar. Depois, há pessoas na Grã-Bretanha rural que acreditavam que a sua situação poderia melhorar se saíssem. E há ainda pessoas que acreditavam que a Grã-Bretanha sozinha tinha mais capacidade para engrandecer do que com a União Europeia."

Mas as expectativas económicas não se concretizaram, sublinha Diana Soller. "A economia britânica tem passado por momentos difíceis. Por outro lado, havia grandes esperanças de um acordo de comércio livre com os EUA, mas, pelo que se viu da visita de Sunak a Washington, esse acordo não irá para a frente. A verdade é que estes resultados económicos estão a fazer com que muitos repensem o Brexit."

Essa é também a leitura da especialista em assuntos internacionais Helena Ferro Gouveia. "Quando olhamos para o Reino Unido e para as sondagens, cerca de 60% dos britânicos consideram que o Brexit foi uma decisão errada e votariam para o rejoint, ou seja, para voltar a pertencer à União Europeia. Isto é fácil de compreender", diz à CNN Portugal. "O Brexit foi vendido como uma forma de controlar a imigração e melhorar o Serviço Nacional de Saúde. Mas em 2023 o serviço de saúde está pior e as questões da imigração permanecem por resolver e que vemos é que a imigração vinda da UE tem vindo a ser substituída por pessoas que são de fora da UE. Além disso, os dados económicos estão piores. Há um descontentamento muito grande. 79% dos jovens entre os 18 e os 24 anos querem voltar porque veem um futuro na UE."

No entanto, apesar deste descontentamento, "operacionalizar o rejoint será muito complicado", sublinha Helena Ferro Gouveia. "A exequibilidade é muito reduzida. O afastamento de Boris Johns claro que facilitaria, mas não chega."  

"O pacto do Brexit foi aprovado em referendo, foi aprovado pelas duas câmaras e foi acordado com a União Europeia", afirma também Diana Soller. "As instituições britânicas são as guardiãs do Brexit, e não uma pessoa individualmente. Institucionalmente, neste momento, não é possível reverter tudo isto."

"Não me parece que haja grandes condições para o regresso do Reino Unido à UE, independentemente de quem seja líder do Reino Unido. Isso é mais um whishfull thinking até mais do ponto de vista europeu e que foi reforçado pela guerra na Ucrânia, que mostrou que o Reino Unido é um ator muito importante na segurança da Europa."

Do ponto de vista da União Europeia, "dificilmente um regresso do Reino Unido será aceite sem haver um conjunto de contrapartidas", considera Ferro Gouveia. Já se ouviram, de facto, algumas vozes de líderes europeus a favor do regresso. Mas também há "uma pedra no sapato, que é França, que já colocou algumas reticências". 

Concluindo, Helena Ferro Gouveia e Diana Soller não consideram que o regresso do Reino Unido à União Europeia esteja neste momento em cima da mesa. "Não é de excluir mas não seria um processo fácil. Implicaria um novo referendo, implicaria um resultado que fosse expressivo e implicaria ultrapassar um certo ceticismo da União Europeia", sublinha Ferro Gouveia. Também Diana Soller não exclui que "daqui a uns anos, com novas lideranças" esse cenário se coloque, mas, atualmente e no curto e médio prazo, não acredita "que haja condições políticas, institucionais e constitucionais" para esse regresso. Por agora, o Brexit veio para ficar.

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