Christine Lagarde anuncia esta quinta-feira a decisão do Banco Central Europeu, confirmando ou não o fim de um ciclo de subidas consecutivas das taxas de juro. Mercado espera postura mais cautelosa, que não ignore os efeitos que o conflito Israel-Hamas pode ter no quadro geral em caso de contágio regional
A perspetiva é partilhada por economistas e analistas de mercado: a política do Banco Central Europeu (BCE) de subidas das taxas de juro terá chegado ao fim. E atenção ao modo condicional, porque há muitos elementos que podem mudar este cenário, sobretudo a escalada do conflito entre Israel e o Hamas.
A agência Reuters ouviu 85 economistas que atestam este cenário de fim de subidas, em linha com aquela que vinha sendo a postura do banco central. Os analistas de mercado ouvidos pela CNN Portugal seguem no mesmo sentido, embora com muitas ressalvas de que uma mudança pode dar-se a qualquer momento.
“Como estamos agora, com o juro da taxa de depósito nos 4%, e depois de uma décima subida consecutiva, penso que atingimos um planalto, que se deverá manter sem mais nenhuma subida”, explica Ricardo Evangelista da ActivTrades Europe.
Já Henrique Tomé da XTB diz-se mais “cauteloso” e aponta que este ainda não é o momento para parar as subidas. “A última conferência de Christine Lagarde [presidente do BCE] deu indícios de já termos atingido os máximos. Mas quando olhamos para outros indicadores, percebemos que economias como a alemã e a francesa estão a ser bastante penalizadas. E que a inflação poderá voltar a subir à custa dos preços dos combustíveis”. Já lá vamos.
Perspetiva partilhada
Em setembro, o BCE subiu as taxas de juro em 25 pontos base, para níveis históricos – e admitia que poderia ter sido alcançado o fim de um ciclo, já que os níveis alcançados dariam um “contributo substancial para o retorno atempada da inflação ao objetivo”. A taxa de facilidade permanente de depósitos aumentou para os 4%.
NOTA | O BCE tem três taxas de juro de referência:
- A taxa das principais operações de refinanciamento, sob a qual os bancos podem contrair empréstimos junto do BCE pelo prazo de uma semana: está nos 4,50%, mas esteve fixada em zero entre março de 2016 e julho do ano passado;
- A taxa de depósito, que determina os juros que os bancos recebem pelos depósitos realizados junto do BCE: está em 4%. Mas entre julho de 2012 e junho de 2013 era de zero. E entre junho de 2013 e julho do ano passado era negativa, obrigando os bancos a pagar pelos depósitos que faziam no BCE;
- E a taxa de cedência de liquidez, que determina o juro que os bancos pagam quando contraem empréstimos junto do BCE pelo prazo de um dia (overnight). Está atualmente em 4,75%.
Mas que sinais podem então levar o BCE a seguir esta trajetória de aumentos, contrariando todas as expectativas?
“Tudo vai depender das negociações do pacto laboral em vários países europeus e de como se comportarem os salários na europa. Só teremos uma perspetiva mais clara no final do primeiro trimestre de 2024”, aponta Ricardo Evangelista. Já Henrique Tomé junta a manutenção de um nível de “emprego estável e resiliente”.
A inflação na zona euro continua alta. Em setembro estava nos 4,3%, longe da meta de 2% definida pelo BCE – e que só deverá ser alcançada no terceiro trimestre de 2025.
Por isso, Henrique Tomé da XTB deixa a questão: dado os níveis da inflação, “fará sentido parar já a subida dos juros ou continuar a subi-los a um ritmo lento, embora isso possa conduzir a uma recessão profunda?”.
Pedimos-lhe a resposta: “Entendemos que talvez não seja o momento para parar de subir os juros. Se olharmos para o caso da Reserva Federal, vemos que eles têm sido bastante cautelosos [a admitir o fim das subidas]”.
De qualquer modo, não espere que o BCE comece a reduzir as taxas de juro antes do terceiro trimestre de 2024. É essa a perspetiva mais partilhada entre os especialistas.
Efeito de contágio regional
O início de outubro trouxe uma mudança a este cenário: com o escalar do conflito entre o Hamas e Israel, os mercados reagiram de imediato. O preço do petróleo disparou. E, com isso, os receios de que a inflação possa sair (ainda mais) penalizada.
Os analistas lembram que, depois do impacto inicial, os preços do petróleo têm vindo a recuar. Mas não descartam que o conflito possa vir a ter esse impacto. Tudo depende, dizem, da escala que ele tomar. E em especial, do dos países vizinhos que vier a envolver. Com um à cabeça: o Irão, importante produtor do ouro negro.
“Penso que Christine Lagarde, quando falar, vai deixar nota disso no seu discurso. Deverá adotar um tom mais cauteloso. E mencionar os riscos da instabilidade política no Médio Oriente. Se o conflito escalar e envolver outros intervenientes, como o Irão, isso traria outras dificuldades”, atesta Ricardo Evangelista.
Atualmente, a oferta de petróleo já é escassa face à procura. “Não nos podemos esquecer que o Irão é um país sancionado, mas não de forma efetiva. Os Estados Unidos da América têm olhado um pouco para o lado”, diz. E, com isso, um maior equilíbrio oferta-procura vai sendo possível.
Contudo, se o Irão se juntar a Israel no conflito armado, os Estados Unidos terão de dar provas ao mundo de que estão a atuar. E o que implica isso? A procura terá de excluir o Irão da lista de fornecedores. Logo, uma subida dos preços nas alternativas.
“Há esse risco, não pelos países envolvidos, mas sim pela região, estratégica nas trocas comerciais”, confirma Henrique Tomé.