Recuo da inflação afasta nuvens negras. Já quase ninguém acredita que BCE volte a subir juros. Mas ainda há riscos

2 out 2023, 07:00
Christine Lagarde (AP Photo)

Os dados da inflação de setembro na zona euro deixaram os mercados ainda mais confiantes de que o Banco Central Europeu vai, agora, entrar num ciclo de manutenção das taxas de juro. Descida de taxas, no entanto, não deverá ocorrer antes do verão do próximo ano

Já não havia grandes dúvidas de que o Banco Central Europeu (BCE) não iria voltar a subir taxas de juro, mas os números da inflação de setembro na zona euro afastaram, praticamente, qualquer hipótese de um novo aperto na política monetária. “Neste momento, os mercados indicam uma probabilidade de 2% de existir um novo incremento de 25 pontos” base nas taxas de juro, sublinha Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, sinalizando que antes de ser conhecido o recuo da inflação divulgado pelo Eurostat na passada sexta-feira, a “probabilidade situava-se nos 7%”.

Em setembro, a última vez que o conselho de governadores do BCE se reuniu em Frankfurt, na Alemanha, a presidente do banco central da zona euro, Christine Lagarde, anunciou uma nova subida de taxas de juro em 0,25 pontos percentuais. Foi a décima subida consecutiva de taxas de juro, mas logo nessa reunião foram dados sinais de que a subida de juros poderia ter terminado. “Com base na sua avaliação atual, o conselho considera que as taxas de referência atingiram níveis que, se mantidos por um período de tempo suficientemente longo, irão dar uma contribuição substancial para o regresso da inflação ao objetivo” de 2%, sublinhou, então, Lagarde.

Uma frase que, logo, na altura, foi encarada pelos economistas e analistas financeiros como indicativa de que as taxas de juro se iriam manter inalteradas por um longo período. E Lagarde sugeriu mesmo que uma diminuição de taxas de juro só aconteceria quando a inflação estiver mais perto do objetivo dos 2%, sublinhando que “não é algo que se possa medir em curtas distâncias” e que “trata-se de uma longa corrida”. No mesmo dia, o BCE apresentou novas projeções para a economia da zona euro e segundo as novas estimativas, a taxa de inflação iria recuar de 5,6% em 2023, para 3,2% em 2024 e 2,1% em 2025. Já o crescimento económico, deverá ser de apenas 0,7% este ano, 1% em 2024 e 1,5% em 2025.

Dados que criaram a expetativa nos mercados que o ciclo de subida de taxas de juro teria terminado. Uma sondagem da Reuters efetuada junto de 70 economistas já depois da última reunião do BCE mostrava isso mesmo, com apenas 20% de probabilidade de uma nova subida de taxas.

Mas os dados da inflação na zona euro divulgados na passada sexta-feira vieram ainda acentuar a crença de que não haverá mais subidas de taxas de juro. Depois de resultados dececionantes em agosto, quando a taxa de inflação na zona euro apenas recuou de 5,3% para 5,2%, os dados de setembro vieram trazer mais otimismo. A taxa de inflação recuo de 5,2% para 4,3%, o valor mais baixo em quase dois anos, e a inflação subjacente, excluindo os preços mais voláteis como dos bens energéticos e produtos alimentares, também recuou de 5,3% em agosto para 4,2% em setembro. E mesmo os preços no setor dos serviços, outro dos indicadores para onde o BCE olha com mais atenção, recuou de uma taxa de crescimento de 5,5% para 4,7%.

Para Filipe Garcia, presidente e economista da IMF - Informação de Mercados Financeiros, a intenção é clara: “Há a perceção por parte do BCE, e os números já corroboram isso, de que, entre os benefícios e os malefícios de subir mais as taxas de juro, uma subida trará mais mal do que bem”. "Qualquer alteração a essa perspetiva será vista como perda de credibilidade", reitera.

No entanto, alguns economistas consideram que a intenção demonstrada em colocar um travão às subidas das taxas de juro chegou tarde. “As últimas duas subidas não se justificavam, porque geram nos agentes económicos uma pressão inflacionista que se autoalimenta, fazendo subir os preços”, afirma Filipe Garcia. Por sua vez, o economista Ricardo Ferraz destaca que “deveria ter sido feita uma pausa para avaliar as políticas em vez de se realizar novas subidas das taxas de juro”. “Apesar da medicação ser a certa, não podemos abusar da sua dose”, alerta Ferraz, investigador no ISEG e professor na Universidade Lusófona.

Este “longo” novo período de manutenção das altas taxas de juro, deverá, afirma Paulo Rosa, continuar até ao verão de 2024, altura em que deverá ser o momento indicado para estimular novamente a economia. “Um novo ciclo de diminuição das taxas de juro só deve acontecer a partir de julho do próximo ano”, afirma o economista.

Mas há riscos a ter em conta e uma possível subida no preço do barril de petróleo pode colocar em causa esta expectativa, adensando-se pela resistência da Arábia Saudita e da Rússia em aumentar a produção de crude. “Se os preços do barril de petróleo superarem a barreira dos 100 dólares, podermos vir a registar um cenário de inflação com estagnação da economia e isto pode invalidar esta previsão para 2024”.

Para além dos combustíveis, Filipe Garcia reitera que “as grandes ameaças nos próximos tempos” estão também nas renegociações salariais para 2024 e nos estímulos fiscais por parte dos governos. "Se alguma coisa correr mal em termos de economia", aponta, o BCE corre “o risco de ser apontado como responsável". 

Nesta linha, na reunião de Santiago de Compostela em setembro, os ministros das Finanças da zona euro concordaram que a política orçamental deve ser mais restritiva no próximo ano, no sentido de ajudar o Banco Central Europeu a conter a inflação, ainda que seja importante equilibrar a necessidade de investimento.

A próxima reunião do Conselho do BCE sobre política monetária será no dia 26 de outubro, em Atenas, na Grécia.

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