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Jornalista,editor de Justiça

"Justiça trava" ou "justiça esconde"? A dra. Cândida que escolha o título

13 fev 2022, 00:13

A corrente que por aí anda de que a tentativa frustrada, e inédita, de um atentado terrorista em Lisboa devia ter sido abafada é, no mínimo, bizarra. E tem duas origens. Uma num setor específico da própria justiça, consumido por um nobre sentimento corporativo de inveja, de gente viciada nos holofotes, e que, por uma vez, foi deixada no escuro. É a variante da desonestidade intelectual. E há a outra, a única que me surpreende, de jornalistas com a cândida inocência de acreditarem que, em 2022, na era da comunicação em que são eles os maiores especialistas, seria possível parar o vento com as mãos. 

Começo já por aqui, com um simples ensaio: há um detido por terrorismo, crime vulgar, que não chama a atenção. E há buscas numa casa em Lisboa onde vivem mais três raparigas, uma das quais senhoria. E há a porteira do prédio, também interrogada pela PJ. Quatro pessoas, fora os vizinhos. Se as quatro contarem, vamos lá, cada uma a quatro pessoas, passa a 20. E de 20 para 80 demoraria quantos dias, dois? E por aí fora, em espiral. 

Depois há os colegas de faculdade, a família e amigos, todos interrogados, que ficam a saber. E, com o detido presente a tribunal, há um advogado, um juiz, funcionários judiciais, todos com uma informação partilhável aos amigos porque a medida de coação de um arguido, por terrorismo ou furto de galinhas, não é sequer abrangida por segredo de justiça. E há os guardas prisionais, os outros reclusos, todos com família e amigos. E há o Tribunal da Relação, para onde sobem os recursos da defesa, com mais juízes e funcionários. Quantos dias, semanas no máximo, demora isto a chegar aos ouvidos de um jornalista que não seja, no mínimo, surdo? 

Aí chegados, podemos até entender, nós jornalistas, que não temos afinal o dever de informar, com verdade e transparência, apesar do sentido de responsabilidade na forma como o fazemos. Depois, e mesmo que renunciemos à nossa missão, de não omitir factos de relevante interesse público e de esclarecer a sociedade como ditam as regras numa democracia, vamos, então, deixar a informação à mercê das redes sociais – onde cada um debita o que quer, sem filtros, distorcendo a realidade, aumentando-a, criando e alimentando mitos urbanos, semeando o medo na sociedade, nas universidades e a desconfiança nas instituições? 

É isso que os jornalistas responsáveis querem? Abdicar do seu trabalho para o deixar à mercê da especulação nas redes sociais? E quando fossemos apanhados, nós, os jornalistas que fingíssemos não saber, e a PJ, que decidisse esconder? Tínhamos mesmo esse direito, como no tempo da velha senhora? Ou temos, sempre, que ser sérios, frontais e transparentes, como sugeriu na TVI Maria José Morgado. Tentar esconder é gerar pânico; assumir é mostrar a força da PJ e do Ministério Público como fator dissuasor de outros potenciais atos – pela capacidade que têm de antecipar e reprimir. 

É pena que, da magistratura do Ministério Público, tenha que vir uma procuradora jubilada, com a coragem, coluna vertebral e a honestidade de sempre, mostrar solidariedade perante uma decisão da PJ em comunicar, e não em esconder, que foi tomada em conjunto com o MP. Uns, de baixa estatura, encolhem-se para perceber de que lado sopra o vento. E a procuradora-geral, qual rainha de Inglaterra, alguém lhe conhece a voz? Eu não. 

Há magistrados assim, magistrados assado, e depois há Cândida Almeida, célebre pela frase de que Portugal não é “um país de corruptos”. A antiga diretora do DCIAP disse que estes casos, de atentados travados em Portugal, com detidos, não eram noticiados no seu tempo. Só se esqueceu de um pormenor: nunca, no seu tempo, houve uma detenção nestas circunstâncias. Logo, não tinha nada para noticiar ou para esconder. É simples. O que a senhora teve de terrorismo na carreira, à custa do trabalho da PJ, foi o desmantelar das FP-25, num contexto diferente e propagandeado aos sete ventos.

Aquilo que existe, em dezenas de situações que nunca chegam aos jornais, é o despistar pela PJ, em silêncio, das reais intenções, depois não confirmadas, de potenciais suspeitos de terrorismo, com base em pistas nacionais ou internacionais. Coisa diferente de uma detenção por um ato concreto que estava em marcha e que foi travado. 

Portanto, aquilo que é miserável é procurar desviar-se o foco do essencial. E o essencial é que temos uma instituição neste país que nos deve orgulhar e onde os nossos impostos são bem empregues, chamada Polícia Judiciária, que em articulação com o Ministério Público certo impediu uma potencial tragédia sem precedentes em Portugal: a morte violenta de estudantes às mãos de um jovem perturbado. Quem conseguiu travar isto, num país a sério, era louvado, em vez de ter que aturar a dra. Cândida Almeida.

De resto, a dra. Cândida coincidentemente liderou um departamento do MP onde outros procuradores, agora ali em funções, já reclamaram por este processo não lhes ter calhado em sorte – o inquérito é do DIAP de Lisboa. É bom que as pessoas saibam que, na lógica corporativista, independentemente do sucesso de uma investigação, neste caso com as vidas salvas de estudantes inocentes, muito importante também parece ser, para alguns, os holofotes dos processos mediáticos. Pobres de espírito.

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