"Terrorismo" ou "ato de violência"? O que dizem os especialistas sobre o plano falhado na Universidade de Lisboa

13 fev 2022, 13:00
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Foto: DR

Diogo Noivo, analista de risco, diz que definição de terrorismo na lei portuguesa é demasiado "lata". Cátia Moreira de Carvalho, investigadora na área da psicologia do terrorismo, chama a atenção para as motivações de um suspeito que "estaria em sofrimento"

"Reservado", "bom aluno", mas com dificuldades de relacionamento com os outros. É assim descrito por quem o conhece o jovem de 18 anos que foi detido pela Polícia Judiciária na quinta-feira, alegadamente na véspera de executar um ataque na Universidade de Lisboa com o objetivo de matar o maior número de colegas possível.

O estudante ficou em prisão preventiva, sem internamento, depois de a juíza de instrução ter validado a indiciação por terrorismo, entendendo que estava em causa a continuidade de atividade criminosa e perturbação da tranquilidade pública. Mas para Diogo Noivo, analista de risco e autor de estudos sobre violência política e terrorismo, "devemos ser cautelosos no uso da palavra terrorismo", sob pena de a "esvaziarmos" do seu real significado.

"São duas conversas distintas", diz Diogo Noivo à CNN Portugal. "Por um lado, no plano jurídico, a lei portuguesa define terrorismo de maneira bastante lata, ou seja, em termos legais, o caso pode configurar terrorismo. Contudo, a palavra tem um significado e tem de cumprir pressupostos, a motivação ideológica ou motivação política", esclarece. "A motivação de terrorismo pode ser articulada à volta de argumentos religiosos, de extrema-direita, de extrema-esquerda, ecologistas, mas há sempre uma intenção de cumprir uma agenda política", acrescenta Diogo Noivo. 

O especialista prefere não fazer vaticínios mas, com base na informação disponível, conclui: "Não me arrisco a dizer o que este caso é, mas arrisco-me a dizer o que não é. E não é terrorismo", sublinha.

Conceito demasiado elástico de terrorismo

Diogo Noivo recorda a invasão da Academia do Sporting, em Alcochete, para dar outro exemplo de um caso que a lei portuguesa tratou como terrorismo, embora na acusação não tenha ficado provado: "Bastava olhar para o que sucedeu para perceber que não era terrorismo. Estamos a falar de coisas graves, quer em Alcochete quer aquela que foi desarticulada ontem, mas não cumprem os requisitos necessários, com base na informação que temos, para as classificarmos como terrorismo", resume o analista, que prefere não discutir se a lei portuguesa "está bem ou mal feita".

"Vamos assumir que estamos a falar de um rapaz sozinho com motivações estritamente pessoais que prepara um ato de violência. E imaginemos que amanhã aparece uma célula do Estado Islâmico. Estamos a tratar de igual forma coisas que são diferentes", acrescenta ainda Diogo Noivo.

A posição do analista é partilhada por Cátia Moreira de Carvalho, investigadora na área da psicologia do terrorismo. "O conceito de terrorismo que a lei portuguesa utiliza é bastante elástico", considera a investigadora, que prefere classificar o plano desarticulado pelas autoridades como uma "alegada tentativa de um ato de violência". 

Situação de sofrimento anterior

Cátia Moreira de Carvalho sublinha que é preciso ter presente que se trata de um jovem de 18 anos "que já estava provavelmente em situação de sofrimento" e que existe uma família que está agora a ser confrontada com o rotular deste suspeito como "terrorista". 

"O terrorismo, por definição, tem motivações político-ideológicas. Nem todo o tipo de violência é causado por essas motivações", sublinha a investigadora, que chama sobretudo a atenção para o facto de este ataque planeado parecer ser copiado de outros que ocorreram nos Estados Unidos ou na Nova Zelândia, tiroteios em massa em que o jovem de 18 anos se terá inspirado. 

"Por isso, apelo a muita cautela na gestão deste caso na esfera pública, na comunicação social. Porque este caso pode ser de inspiração para outras pessoas que pensem mimetizá-lo", refere Cátia Moreira de Carvalho, recordando que este efeito de mimetização é frequente noutros tipos de crime, como a violência doméstica ou episódios de fogo posto. "Provavelmente, o que se vai verificar é que este jovem não estava a agir em nome de nenhuma causa política", frisa.

A investigadora analisa também a relação deste planeado ato de violência com uma eventual situação de perturbação mental do próprio jovem. "Pode haver casos de pessoas com problemas de saúde mental que cometem atentados porque foram inspiradas e o que motivou a sua ação violenta foi uma causa política ou ideológica, pode acontecer a conjugação dos dois fatores. Mas a associação é muito residual", refere. 

Sobre este caso em particular, Cátia Moreira de Carvalho admite que o jovem poderá ter problemas do foro psicológico que, "em interação com outros fatores contextuais da sua vida", podem estar na base do plano que foi descoberto na casa onde morava com outros estudantes. "Embora a lei enquadre isto como terrorismo, não é terrorismo", assegura. 

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