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Colunista e comentador

Sem tabus

1 abr 2022, 16:04
estadio nacional

Comentador de Desporto inicia rubrica no site da CNN Portugal, em que faz a crítica diária ao que é dito e escrito na imprensa desportiva

Perguntar-me-ão por que motivo decidi escrever sobre aquilo que é dito em antena, nos diversos canais televisivos, e também nos jornais e na esfera pública, não apenas pelos protagonistas mas também pelos chamados ‘fazedores de opinião’?

É disso que se trata: vou tentar olhar para quem diz e o que se diz no audiovisual e na imprensa escrita.

Na resposta à pergunta inicial cabem diversos factores.

O ambiente comunicacional mudou muito nos últimos anos. Antes, só publicavam os jornalistas. Agora todos publicam — e o maior problema é que, na esfera da opinião, tudo se confunde e mistura.

Está cada vez mais difícil fazer luz onde predomina a escuridão.

É claro que os jornalistas têm o dever de filtrar e certificar a informação para com ela se poder fazer opinião e essa é a diferença que os separa de quem faz opinião sem (esses) cuidados que, na verdade, não são obrigados a ter.

(Por isso, embora tão incompreendido e comprometido, o jornalismo nunca foi tão essencial, como aliás bem se tem visto na guerra da Ucrânia. Os poderes não querem ser escrutinados e é muito fácil — particularmente no futebol em Portugal — capturar, condicionar ou silenciar quem não alimenta esses poderes).

Há, também, o efeito das redes sociais e não adianta ignorá-las. Elas existem e não dão descanso a ninguém. Não se deve sobrevalorizá-las mas também é um erro subestimá-las, no duplo papel de informação e desinformação ou contra-informação.

O problema é quando gente supostamente responsável permite e promove todo o tipo de insultos, insinuações, invenções e, às vezes, uma ou outra verdade para o ramalhete ficar composto e à mercê do convencimento dos menos preparados e incautos.

Vivemos um tempo em que se chegou ao ponto de sites e revistas de entretenimento, muitas das quais ligadas à televisão, destacarem uma frase dita ou publicada por um(a) qualquer utilizador(a) nas redes sociais e com ela montarem um “espectáculo de circo”.

Quer dizer: há milhões de opiniões e gente anónima (e não sei quantos perfis falsos) a publicar e empresas ditas de comunicação social a dar destaque a desabafos e disparates e eles são elevados a ‘notícia’, do tipo CLARA DE SOUSA (SIC) ‘arrasada’ por ter feito um comentário sobre a sua não ida para a guerra ou a ida (criticada) de colegas para a dita cuja.

Isto também decorre da maior exposição dos pivôs de referência dos Jornais da Noite (20:00), que perceberam com a pandemia o filão a explorar nas redes sociais. AdP (Antes da Pandemia) havia recato e discrição. Durante a pandemia eclodiu uma nova realidade, muito por responsabilidade da postura (opinativa) por exemplo de GUEDES DE CARVALHO (SIC) ou BENTO RODRIGUES (SIC), responsáveis pela abertura desse novo ciclo ou mesmo de um RODRIGUES DOS SANTOS (RTP).

A pandemia trouxe, de facto, novos protagonistas (naturalmente e em maioria da área da saúde), como agora acontece com alguma naturalidade, entre majores e generais, durante a guerra na Ucrânia, que às tantas se viram impelidos a ter de interagir nos video walls, como aliás tão bem faz, por exemplo, o comentador PAULO PORTAS (TVI), com informação sempre muito pertinente e trabalhada.

No plano dos comentadores, estabelece-se muitas vezes uma grande confusão entre profissionais e não profissionais e isso leva-nos para a polémica que envolveu PAULO FUTRE quando foi contratado para desempenhar o papel de actor em telenovela da TVI, o que suscitou diversas reacções, umas mais corporativas do que outras, tentando visar principalmente CRISTINA FERREIRA (TVI). Escreverei sobre isso num dos próximos artigos.

Até acho alguma piada a alguns comentários a propósito, porque sempre me interroguei como é que num pais tão pequeno pode existir tanta gente a comentar futebol?

Ninguém se lembrou disso: são músicos, empresários, cineastas, advogados, economistas, médicos, políticos, e até actores, alguns com ligações fortes ao futebol e outros nem por isso, cujo aparecimento ninguém percebe a não ser quem os recomenda, aos quais se foram juntando em forma crescente ex-agentes de futebol (ex-jogadores, ex-treinadores, ex-árbitros e ex-dirigentes) que, salvo algumas excepções, têm uma agenda clubística com eles e muito pouca capacidade autocrítica. 

Depois de vários anos a solo, na área da opinião, eu próprio participei num modelo agora replicado de debate, de um jornalista entre ex-praticantes de renome, como eram os casos ab initio de ANTÓNIO OLIVEIRA (FC Porto), TONI (Benfica) e MANUEL FERNANDES (Sporting), modelo esse que foi adoptado pela CMTV, que coloca alguns dos seus directores e editores principais entre ex-agentes desportivos.

Para aqueles que eventualmente estejam agora a chegar até mim e se possam interrogar sobre a minha disponibilidade para me colocar de olho vivo e ouvido apurado direi apenas que, vendo o que me rodeia e ressalvando naturalmente actores de qualidade, questionando até agora tanta coisa em diálogos comigo próprio, tendo com humildade a opinião de ter feito os possíveis para justificar a condição de comentador (antes desta terrível banalização), transporto comigo 46 anos de actividade jornalística, 20 dos quais como comentador desportivo em televisão.

Não ambiciono qualquer lugar em clube algum e apenas pretendo reunir à minha volta as condições mínimas para produzir bom trabalho. Posso ter opinião sobre política nacional e internacional, sobre pintura, música ou gastronomia — como todos nós temos direito a ter — mas nunca quererei ser especialista-de-coisa-alguma, como genericamente já ninguém parece ser, no meio de tantos ‘especialistas’.

Não sei se esta pequena bagagem será suficiente para fazer esta viagem convosco. Sinto, porém, que é preciso tocar nalgumas feridas porque há gente a mais a fazer de conta, nesta densa espuma em que tudo se transforma.

Venham comigo!

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