Menos rendimentos e menos oportunidades de emprego. A ansiedade na infância traz consequências que vão muito além da saúde

15 ago 2023, 15:00
Ansiedade (Pexels)

As perturbações de ansiedade na infância trazem custos sociais e económicos que exigem intervenções urgentes e eficazes. Estudos recentes revelam uma associação significativa entre a ansiedade na adolescência e as taxas de desemprego na idade adulta

As perturbações de ansiedade na infância podem ter efeitos na vida adulta que vão muito para além das implicações relacionadas com a saúde. Num artigo publicado recentemente no The Conversation, uma nova investigação de Mara Violato, professora no Centro de Investigação em Economia da Saúde da Universidade de Oxford, conclui que as pessoas que sofreram perturbações de ansiedade durante a adolescência têm mais do dobro da probabilidade de estarem desempregadas aos 30 anos. 

De acordo com a investigação, os problemas de ansiedade na adolescência foram associados a piores resultados no emprego e a menor capacidade de desempenho no local de trabalho. O fardo económico também se estende às famílias e à sociedade em geral. Segundo os mesmos estudos, os rendimentos familiares eram baixos quando os pais tinham sofrido perturbações de ansiedade na adolescência.

Além disso, segundo o estudo de Mara Violato, nos Países Baixos as famílias pagavam uma média de 96 euros por ano para o tratamento dos seus filhos ansiosos, com potenciais custos adicionais decorrentes da ausência dos pais no trabalho para apoiar o bem-estar dos filhos. O custo social dos dias de trabalho perdidos nos Estados Unidos, por exemplo, é de cerca de 800 euros por ano, por criança. 

O relatório salienta ainda que as pessoas com um historial de problemas de ansiedade na infância têm mais probabilidades de sofrer de problemas de saúde física, automutilação, distúrbios alimentares, problemas de relacionamento e dificuldades na educação. 

Melanie Tavares, psicóloga clínica, realça a dificuldade que por vezes os pais podem sentir ao identificar os medos e preocupações quotidianos e adequados à idade e as perturbações de ansiedade. Estas perturbações em crianças identificam-se através de sintomas específicos como a dificuldade em respirar, a respiração ofegante, tremores no corpo e alteração da expressão (sobretudo a expressão de medo), esclarece a psicóloga em declarações à CNN Portugal. “É necessário também avaliar se a criança tem um comportamento de evitamento sobre determinadas circunstâncias”, acrescenta Melanie Tavares. Por exemplo, “se a criança não quer dormir sozinha ou não quer fazer uma determinada atividade”.

Já em adolescentes, a psicóloga considera que a identificação é relativamente mais fácil dado que “os jovens têm uma maior capacidade em expressar os seus sentimentos do que as crianças”. 

Outra forma bastante comum de identificar as perturbações de ansiedade em crianças é a regressão dos sintomas, explica a psicóloga. Por exemplo, quando as crianças urinam na cama durante a noite: “se a criança já tinha adquirido controlo, quer dizer que está numa regressão, o que pode ser um sinal de perturbação mental”.  

As crianças dependem dos pais para procurarem ajuda, por isso, a psicóloga pede que “estejam atentos aos sintomas e à respetiva frequência” e apela a que “não os desvalorizem, nem usem discursos como ‘não sejas mariquinhas’”. “É fundamental que se procure ajuda profissional de modo a perceber qual a causa dessa ansiedade para que possa ser tratada", conclui a psicóloga. 

O estudo de Mara Violato sublinha ainda a necessidade de uma intervenção atempada na abordagem dos problemas de ansiedade na infância para atenuar o seu impacto a longo prazo. “A falta de apoio adequado pode levar à perpetuação destes problemas na idade adulta, resultando potencialmente em problemas de saúde mental mais graves, como a depressão”, corrobora Melanie Tavares. 

Outros impactos comuns na vida adulta são “a ansiedade em contextos sociais como no local de trabalho, a circunstância de se estar num espaço fechado, o medo de frequentar transportes públicos”, exemplifica a psicóloga. “Todas as perturbações de saúde mental que não são resolvidas na infância têm um impacto na idade adulta”, afirma. 

Tanto a psicóloga como o estudo de Mara Violato enfatizam a importância de se investir no tratamento atempado e adequado da ansiedade infantil pois pode conduzir a melhores resultados a longo prazo, beneficiando os indivíduos, as famílias e a sociedade em geral. A intervenção médica irá preparar os jovens a gerir a ansiedade e a criar resiliência à medida que avançam na idade adulta, desenvolve Melanie Tavares. 

Um desafio significativo na abordagem das perturbações de ansiedade na infância é a dificuldade de acesso aos serviços de saúde mental. “Não só pelos custos como pelo estigma que existe na sociedade”, refere Melanie Tavares, explicando que na maioria dos casos as consultas são semanais. “O Estado deveria investir na prevenção, mas não o faz” o que pode levar a problemas financeiros no futuro para o próprio Estado, por exemplo com baixas médicas mais frequentes.

“As famílias portuguesas recorrem muitas vezes ao privado pois no Sistema Nacional de Saúde (SNS) não há profissionais de saúde suficientes que tratassem das perturbações de ansiedade com a devida brevidade”, lamenta a psicóloga, adiantando que “têm sido cada vez mais comuns as situações em que os pais dão prioridade ao tratamento dos filhos em detrimento do seu próprio acompanhamento”. 

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