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Condenação dos primeiros golpistas do 8 de janeiro é sinal de que a democracia brasileira venceu

15 set 2023, 14:08
Bolsonaristas invadem as sedes dos três poderes em Brasília (Foto: André Borges/EPA)

* Amanda Lima escreve a sua opinião em Português do Brasil

 

O dia 8 de janeiro não foi um domingo no parque. Foi um domingo de medo, de ódio, de violência, de tensão e de desrespeito pela jovem democracia brasileira. 

“To aqui na mesa do presidente [do Supremo Tribunal Federal]”, disse entre palavrões, gritos e quebra-quebra o cidadão Aécio Lúcio Costa Pereira no dia 8 de janeiro em Brasília. Nove meses depois, na mesma sala que o próprio invadiu e foi quebrada, foi dada a sentença para punir o que aconteceu naquela horrorosa tarde: 17 anos de cadeia.

A mesma condenação foi para Matheus Lima de Carvalho Lázaro, de 24 anos, que deixou a esposa grávida em casa no Paraná e foi para Brasília quebrar o patrimônio público que representa a democracia: “É para quebrar, para dar desordem, para o Exército vir, 'mor'. 'Mô', acabou pacificamente, não existe isso”, enviou para a esposa enquanto estava no ataque. 

A defesa do outro réu, Thiago de Assis Mathar, afirmou que ele estava passeando em Brasília naquele dia e entrou na sede dos Três Poderes para “se abrigar”. Claro que não colou. Não funciona o argumento dado pelos golpistas e seus defensores que as histórias não são verdadeiras: os vídeos e áudios foram gravados pelos próprios condenados, transmitidas em tempo real nas redes sociais. Sim, eles produziram um vasto repertório de provas contra si mesmos, facilitando bastante o trabalho da justiça.

O ministro Alexandre de Moraes usou a habitual ironia no voto: "Às vezes, o terraplanismo e o negacionismo de algumas pessoas faz parecer que no dia 8 de janeiro tivemos um domingo no parque. Então as pessoas vieram, pegaram um tíquete, entraram numa fila, assim como fazem no Hopi Hari, na Disney. 'Agora vamos invadir o Supremo, agora o Palácio do Planalto. Agora vamos orar na cadeira do presidente do Senado", disse o ministro. 

Não foi um domingo no parque. Foi um domingo de medo, de ódio, de violência, de tensão e de desrespeito pela jovem democracia brasileira. Naquela tarde, noite na Europa, a CNN Portugal e a imprensa do mundo todo relatavam o que estava acontecendo. Os olhos do mundo estavam no Brasil, que vinha de meses intensos politicamente. 

A tentativa de golpe não foi propriamente uma surpresa. Foi resultado de anos de ameaças golpistas por parte do próprio ex-presidente, uma dieta baseada em fake news do “zap”, ataques contra jornalistas e teorias da conspiração das mais absurdas e perigosas, como a de que a pandemia não existiu. 

A advogada do réu Matheus foi até a tribuna para dizer que o cliente foi alvo de uma “lavagem cerebral” e que queria evitar que o Brasil “virasse uma Venezuela”. Sim, nós sabemos que foi mais um brasileiro cooptado pela loucura que o país se tornou, mas isso não muda o fato de ter cometido crimes, amplamente registrados. Na verdade, torna a situação ainda mais esdrúxula, pra não dizer ridícula.

Falta de aviso não foi. Nós jornalistas cumprimos nosso papel com a verdade, de mostrar que eram mentiras, que a eleição não foi fraudada, que o Brasil não se tornaria uma Venezuela nem comunista. Mas não temos o poder de convencer quem já está convencido. Digo sempre que talvez profissionais da psicologia consigam, porque o comportamento era de seita, de fanatismo total, totalmente cegos para a verdade. 

O julgamento, que já entra para a história, é um recado claro para a sociedade: golpismo não será tolerado, apesar de o instinto por parte de alguns ainda existir. Ficou claro pela própria defesa de alguns advogados, que usaram a tribuna para fazer discursos políticos em vez de cumprir o papel técnico, ao dizer que os ministros do Supremo são “as pessoas mais odiadas do país”.

A ministra Cármen Lúcia, com elegância costumeira, rebateu: “Bendita democracia que permite que alguém que, mesmo nos odiando, possa, por garantia dos próprios juízes, vir e dizer a eles sobre isso”. Em uma ditadura, como queriam os golpistas, realmente não aconteceria. 

Em uma democracia, como a que resistiu, os réus são julgados com o devido processo legal. Está aí o resultado: penas que vão de 14 a 17 anos, além de uma multa coletiva de 30 milhões de reais (cerca de 6 milhões de euros, na cotação atual). Mas é apenas o começo. Faltam os financiadores e mandantes, que merecem uma punição ainda mais exemplar. Certamente é um dia que vai chegar e que será ainda mais histórico. 

Dos que já são réus, ainda restam mais de mil para julgamento. Alguns seguem presos, outros andam orgulhosamente com tornozeleira eletrônica e bandeiras do Brasil, como se fossem heróis por cometerem crimes. Curiosamente, são os mesmos que alinham com a tese bolsonarista de “bandido bom é bandido morto”, “tá com pena? leva pra casa”, que são contra direitos humanos e que chamam o atual presidente de “ex-presidiário”. Bom, agora eles têm algo em comum.

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