Alexandra & Manuel Pinho, uma sociedade anónima. 15 negócios, dinheiros, offshores e ligações a Ricardo Salgado

18 dez 2021, 18:00
Manuel Pinho

Juntaram trapinhos há 18 anos em separação de bens, mas uniram-se em fluxos financeiros em empresas, offshores e contas bancárias. Despacho de indiciação lista mais de 130 páginas com circulação de dinheiros no casal Manuel e Alexandra Pinho, uma “sociedade” a dois com contas anónimas em paraísos fiscais. A triangulação tem outro vértice frequente: Ricardo Salgado

Quando, há 18 anos, Manuel e Alexandra Pinho casaram, decidiram dar o nó sem se atarem nos bens. Mas enlaçaram desde aí relações comerciais e financeiras, contas bancárias, empresas, sociedades offshore, numa sucessão vertiginosa de operações patrimoniais e transferências de dinheiro. O casal Pinho relacionava-se também como uma sociedade. Anónima, tantos são os fluxos criados para não deixar rasto. Nesta relação, houve sempre um patrão – ou talvez um patrono: Ricardo Salgado. O líder do antigo BES e GES é o passageiro mais frequente da lista de pagamentos. Centenas de pagamentos. Milhões de euros.

É essa a tese do Ministério Público, que se lê em mais de 130 páginas do despacho de indiciação de Manuel Pinho, a que a CNN Portugal teve acesso. O ex-ministro da Economia e a ex-curadora da coleção de fotografia do BES viram esta semana as suas medidas de coação revistas pelo juiz Carlos Alexandre: Manuel Pinho ficará em prisão domiciliária com pulseira eletrónica, depois de não pagar uma caução de seis milhões de euros; Alexandra Pinho teve de entregar o passaporte, depois de não pagar uma caução de um milhão de euros.

A leitura atenta do despacho de indiciação permite sistematizar informação já noticiada ao longo dos últimos. Tudo começou em 2002, quando Manuel Pinho se tornou administrador executivo do Banco Espírito Santo. Em 2003, Manuel e Alexandra casam “com convenção antenupcial, no regime de separação de bens”. E depois...

1. Alexandra Pinho assalariada do BES

Foi cunha do marido, diz o Ministério Público: em 2004, poucos meses depois do casamento, Alexandra Pinho foi contratada por Ricardo Salgado para ser curadora da coleção BES Photo, cargo que manteve durante os anos seguintes.

No dia 23 de setembro caiu o primeiro salário na conta: 10.395 euros. Seis dias depois, Alexandra e Manuel Pinho criaram uma sociedade que viria a ser instrumental em várias operações financeiras, a Pilar Jardim (ver em baixo). A Pilar Jardim tinha como morada o próprio domicílio do casal, a sua casa na rua D. Pedro V, em Lisboa.

Durante três meses, Alexandra Pinho recebeu esses 10.395 euros líquidos na sua conta. Dali em diante, e durante anos, receberia cerca de sete mil euros líquidos por mês. Mas foi ainda nesse final de 2004 que o casal Pinho comprou uma outra casa, por 800 mil euros, em Campo de Ourique, que mais tarde venderia com lucro (já lá iremos).   

Só naquele primeiro ano de 2004, Manuel e Alexandra Pinho declararam um rendimento de 463 mil euros pago pelo BES. O despacho mostra que o salário de sete mil euros manteve-se durante os anos seguintes. Mas houve outros pagamentos, através de offshores (também já lá vamos).

Manuel Pinho é a personagem central do despacho, mas Alexandra é mais do que uma cara-metade, é descrita como uma parceira de negócios. O seu nome é referido 299 vezes no despacho.

2. O compromisso com Ricardo Salgado

De acordo com o Ministério Público, quando Manuel Pinho foi convidado por José Sócrates, em março de 2005, para ser ministro da Economia e Inovação, Ricardo Salgado prometeu-lhe (e cumpriu) continuar a pagar-lhe. De várias formas. Desconhecidas. Gratidão pelos serviços prestados como administrador do BES? Não, suborno pelos serviços a prestar, enquanto ministro a Salgado, diz o Ministério Público: “a fim de beneficiar indevidamente, na medida do possível e direta e indiretamente, os interesses do GES/BES e os seus próprios, e a estar sempre disponível para tal”: 

- recebimento de cerca de 15 mil euros mensais enquanto ministro, pagos sem deixar rasto a partir de offshores do GES;

- permanência de Alexandra como curadora do BES Photo/BES Art, pagando-lhe um salário mensal de cerca de sete mil euros;  

- pagamento de 500 mil euros, o que ocorreu a 11 de maio de 2005, quando Manuel era já ministro há dois meses; 

- garantia de regresso ao GES/BES quando deixasse de ser ministro, o que também se concretizou;

- passagem à reforma aos 55 anos com uma pensão equivalente a 100% do salário pensionável (cerca de 62 mil euros mensais).

3. A Tartaruga Foundation

Março de 2005, no preciso mês em que é convidado para ministro da Economia, Manuel e Alexandra constituem uma sociedade offshore, a Tartaruga Foundation, com sede no Panamá e conta no Banque Privée Espírito Santo, da Suíça. Segundo o MP, esta sociedade irá receber os montantes pagos ilicitamente pelo GES.

Segundo a acusação, Alexandra Pinho sabia do pacto estabelecido entre Manuel Pinho e Ricardo Salgado e “aceitou constituir a Tartaruga Foundation (...) para ocultar esse pacto e os respetivos recebimentos através dessa sociedade do Panamá, dos quais beneficiaria em caso de impossibilidade ou morte do mesmo”.

A grande rede de offshores do GES (que tem no epicentro a ES Enterprises, o chamado “saco azul” do GES) encontra do outro lado uma pequena rede de offshores do casal Pinho, que viria a incluir outras sociedades, incluindo a Whatley Overseas, também com sede no Panamá. Já a Tartaruga Foudantion começou a ser gerida pelo Eurofin, sociedade essencial do universo paraleo do GES.

Cinco anos depois da constituição, no dia 31/12/2010, o saldo da conta da Tartaruga Foundation seria de 1.609.524,73 euros.

4. Um ministro avençado do BES

Manuel Pinho foi nomeado ministro da Economia e da Inovação do Governo de José Sócrates a 12 de março de 2005.

No entanto, continuou a receber a avença mensal do BES - no montante de 14.963,94 euros. A partir de maio essa avença passou a ser paga na conta na Tartaruga Foundation e assim se manteve até junho 2012.

“Não obstante ter trabalhado para o BES até 2004, ter continuado a receber uma avença mensal do GES de cerca de €15.000,00 durante todo o tempo em que foi ministro da Economia, ter recebido €500.000,00 do GES cerca de dois meses após ter iniciado as funções de ministro da economia e a sua mulher e arguida Alexandra Pinho continuar a trabalhar no BES (recebendo cerca de €7.000,00 mensais) durante o período em que foi ministro da Economia, o arguido Manuel, de modo a poder executar o seu acordo com o arguido Ricardo Salgado, não pediu escusa em nenhum dos processos em que veio a intervir como membro do Governo envolvendo direta ou indiretamente o BES/GES, como era o caso da Brisa, do Loteamento do Pinheirinho, da Herdade da Comporta e da EDP.”

5. A Pilar Jardim

Manuel Pinho e a mulher formaram uma sociedade chamada Pilar Jardim — Gestão Imobiliária, Lda., em nome da qual abriram uma conta no BES com 150 mil euros em agosto de 2004. O registo da constituição da sociedade é de setembro desse ano.

Foi em nome da Pilar Jardim que, em 2005, fizeram um empréstimo ao BES para as obras num imóvel num prédio da Rua Saraiva Carvalho em Lisboa comprado ao Fungere/Gesfimo.

Em 2006, começaram a entrar nessa conta depósitos feitos pelo amigo Manuel Sebastião, que corresponderiam à venda de um dos apartamentos do prédio da Saraiva de Carvalho. Nessa conta, Manuel Pinho foi depositando avultadas quantias ao longo dos anos. 

6. A casa de Almeida Garrett

No dia 10/12/2004, cerca de quatro meses antes de Pinho ser nomeado ministro, o casal adquire por menos de 800 mil euros um imóvel sito na rua Saraiva de Carvalho à Gesfimo por menos de 800 mil euros.

A notícia da compra do prédio foi dada pelo semanário Independente a 24 de março de 2005 — 12 dias depois de Manuel Pinho ter tomado posse como ministro da Economia. Na altura, a polémica prendia-se com o facto de Pinho querer demolir aquele prédio, que havia sido mandado edificar em 1852 pelo escritor Almeida Garrett, que ali teve a sua última morada. 

Um dos apartamentos desse prédio seria vendido a Manuel Sebastião, por meio milhão de euros, em junho de 2009. Nessa altura, Manuel Sebastião tinha já sido nomeado por Manuel Pinho presidente da Autoridade da Concorrência. 

Segundo uma notícia do Observador, em julho de 2009, uma semana depois de Pinho ter saído do Governo, um fundo imobiliário do GES pagou 1,5 milhões de euros por duas das quatro frações recuperadas por Manuel Pinho e a mulher.

7. A sociedade Gosforth

A sociedade Gosforth Inc. foi constituída em outubro de 2003, no Panamá. Não são conhecidos os beneficiários desta sociedade, que foi um dos acionistas da Mandalay – outra das sociedades offshore ligada aos Pinho. Sabe-se apenas que tem ligações à sociedade suíça Eurofin e a Jean-Luc Schneider, que representava o Grupo Espírito Santo na Suíça. A Gosforth era uma peça essencial da rede de offshores do Grupo do Espírito Santo. 

8. A Mandalay

De acordo com a base de dados pública do International Consortium of Investigative Journalists (ICIJ), a Mandalay Asset Management Corporation terá sido criada pelo famoso escritório de advogados Mossack Fonseca, que esteve no centro do escândalo dos Panama Papers, a pedido da Gestar, sociedade de serviços financeiros do GES. 

A Mandalay era controlada por Manuel e Alexandra Pinho, segundo declaração feita pelo Deutsche Bank Private Wealth Management em julho de 2012 e citada na indiciação do ex-ministro. À data de 31/12/2010, de acordo com o Ministério Público, o montante total desta conta, de que o casal era primeiro beneficiário, ascendia a 1.112.458,00. euros.

9. O caso Brisa

Foi um caso inédito: a Autoridade da Concorrência, liderada por Abel Mateus, decidiu contra a Brisa e o ministro “anulou” essa decisão, favorecendo a Brisa.

A acusação reuniu informações sobre reuniões do ministro com responsáveis da Brisa, quer quando ainda decorria a investigação da AdC ao negócio das autoestradas, quer depois de ser conhecida a decisão da Autoridade da Concorrência, que a 10 de abril de 2006 proibiu o reforço da participação da empresa na AutoEstradas do Atlântico (AEA) “por considerar que da operação resultaria a eliminação da concorrência nas auto-estradas A8 e a redução significativa da concorrência na A1”.

A 26 de junho 2006, e “contrariando de forma inédita a decisão da AdC de proibir esse negócio”, o ministro decidiu autorizar, com condições, o reforço da participação da Brisa Auto-Estradas do Atlântico de 10 para 50%

10. O caso EDP e a barragem do Baixo Sabor

Os investigadores reuniram informações sobre encontros entre o então ministro - e outras pessoas do seu gabinete - com António Mexia, presidente da EDP, e também com responsáveis da Odebrecht e do Grupo Lena. 

Também existem várias indicações de transferências bancárias de valores elevados entre a Odebrecht e Francisco Canas.

A 30 de junho /2008, a construção da barragem (Aproveitamento Hidroelétrico) do Baixo Sabor foi formalmente adjudicada pela EDP ao Agrupamento Complementar de Empresas (ACE) Baixo Sabor ACE, constituído pela Bento Pedroso Construções S.A. (subsidiária do grupo Odebrecht) e a Lena Engenharia e Construções, “bem sabendo que o custo final da obra seria muito superior ao da adjudicação”, lê-se no documento da acusação.

A consultora EY assinalou várias ilegalidades neste processo de adjudicação.

Além disso, a 26 de junho de 2008 a Autoridade da Concorrência – já presidida por Manuel Sebastião - deliberou que não se iria opor à concentração que consistia na aquisição, pela EDP - Gestão da Produção de Energia, S.A. (EDP Produção) à EDIA - Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas de Alqueva, S.A. (EDIA), dos direitos de exploração da componente hidroeléctrica das infra-estruturas integrantes do EFMA - Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva, constituído pelas barragens e centrais hidroeléctricas do Alqueva e Pedrógão e dos direitos de utilização privativa do domínio público hídrico associado para fins de produção de energia eléctrica e para implantação de infra-estruturas de produção de energia eléctrica (Activos EDIA).

Em julho de 2017 Manuel Pinho foi constituído arguido no âmbito do caso EDP por suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais, num processo relacionado com dinheiros provenientes do Grupo Espírito Santo.

11. A Rydercup Golfe

Manuel Pinho foi convidado para presidente da comissão executiva da candidatura de Portugal à Ryder Cup (evento internacional de Golfe) de 2018. Segundo o despacho, Pinho usou a sua influência para que o evento se realizasse na Herdade da Comporta, controlada pelo GES, apesar de haver outras localizações que apresentavam vantagens.

12. O loteamento do Pinheirinho

É outro dos exemplos citados como sendo de benefício do ministro da Economia aos interesses do GES: o loteamento da Herdade do Pinheirinho: a 27 de maio de 2005, Manuel Pinho assina o despacho que autorizou a sociedade Pelicano Investimento Imobiliário, financiada pelo BES, a realizar o projeto do Loteamento do Pinheirinho, no concelho de Grândola.

13. A Blackade Holding Limited

A sociedade offshore Blackade Holding Limited foi criada por Manuel Pinho em 2010. O objetivo era, segundo o Ministério Público, permitir a mudança do casal para Nova Iorque com uma sociedade sem histórico de pagamentos.

“A 9 de julho de 2010, a Tartaruga Foundation passou a ser acionista da Blackwade, incorporada nesse próprio dia nas Ilhas Virgens Britânicas. Cinco dias depois, a Blackwade abriu conta no BPES. E logo a seguir, a 22 de julho, a Blackwade comprou um andar em Nova Iorque. Entre os ficheiros está uma resolução da Blackwade em que é decidida a aquisição do imóvel, um apartamento no Platinum Condominium, a 100 metros da Times Square, por 1,2 milhões de dólares.”

14. O BES África

Manuel Pinho assumiu as funções de administrador do BES África entre junho de 2010 e dezembro de 2014, com um salário mensal de 39 mil euros, ou seja, 227 mil euros por cada reunião do respetivo Conselho de Administração, no total de 2.496.649,00 euros. Os valores recebidos por Pinho estão todos discriminados no despacho.

A atividade da sociedade BES África SGPS, SA era gerir participações sociais, essencialmente do Amambank e BES Cabo Verde.  Contudo, segundo o Ministério Público, Manuel Pinho "nunca se deslocou a essas entidades ou acompanhou a sua gestão pois, na realidade, encontrava-se a lecionar na universidade de Columbia nos EUA e residia em Nova Iorque"

"Durante todo o tempo que esteve no BES ÁFRICA o arguido MANUEL PINHO nunca desempenhou, de facto, as suas funções, raras vezes foi à sede dessa sociedade ou falou com os seus funcionários", lê-se no despacho. Nesse período de tempo ocorreram 18 reuniões tendo o arguido Manuel Pinho estado em 11, mas só para votar, não intervindo ativamente na vida da sociedade.

15. A fuga aos impostos

Durante o período em investigação Manuel e Alexandra Pinho não declararam fiscalmente os montantes recebidos do “saco azul” do GES em 2011 na conta da Tartaruga Foundation.

Alexandra Pinho declarou apenas rendimentos do BES. Depois de deixar o Ministério da Economia, Manuel Pinho declarou outros rendimentos, nomeadamente do ISCTE, BES África e Main Priority - Serviços de Consultadoria SA e da Universidade de Columbia (Nova Iorque). 

A Main Priority tinha sido constituída Manuel Pinho em julho de 2010, sendo administrador único da sociedade.

Em maio de 2013, constatando os valores em falta ao Estado Português, terá sido forjado um contrato de consultoria entre Manuel Pinho e o BPES a fim de justificar os recebimentos do mesmo e da sua mulher através da Tartaruga Foundation em 2011 e 2012.

No período em que exerceu as funções de ministro da Economia, Manuel e Alexandra Pinho terão recebido indevidamente do GES, por ordem de Ricardo Sangado, mais de um milhão euros (pelo menos, cerca de 1.278.124,00 euros). “Atuou assim mercadejando com os cargos públicos que ocupou, violando os deveres de isenção e probidade a que se encontrava vinculado”.

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