Homem anda a agredir mulheres em Lisboa, mas acaba sempre libertado pela justiça. Porquê?

24 jun 2023, 18:00
José Moreira

José Moreira dá pontapés, ameaça e é violento com centenas de mulheres, lançando o terror pelas ruas de Lisboa. A lei não considera os atos suficientemente graves para o deter.

Em 10 minutos agride três mulheres. “Sinto que fui forte e consegui reagir porque o reconheci através de fotografias nas redes sociais”, conta Maria, uma das vítimas, recordando o que sucedeu a 13 de junho, quando às 20 horas estava a sair do metro de Entrecampos, em Lisboa. Levou vários pontapés e foi encurralada pelo agressor, mas conseguiu fugir. Ligou, então, à polícia que se deslocou ao local. Os agentes mostraram a Maria uma fotografia do suspeito que ela confirmou ser o mesmo. Explicaram-lhe que sabiam quem era pois já o tinham identifica do por existirem muitas queixas e relatos.

Aliás, naqueles dez minutos, José Moreira agrediu outras duas vítimas no lado contrário da estação, junto aos comboios. Por isso, uma vez que os agentes estavam presentes, acabou detido. Mas não tardou a ser libertado, conta Maria à CNN Portugal.

Quando na manhã seguinte as vítimas foram apresentar queixa às 10 horas, na esquadra da PSP da Praça de Espanha, depressa perceberam que o agressor tinha sido libertado. No caso de Maria não houve quem tivesse assistido e não foi possível recorrer a imagens devido a um mau funcionamento das câmaras do Metro, mas no caso das outras vítimas houve mesmo testemunhas.

Por Lisboa, multiplicam-se os relatos de agressões deste indivíduo. Umas no metro, outras nas ruas e junto aos carros, outras até mesmo em casas e garagens privadas. Mas, apesar dos esforços de algumas vítimas para denunciar os crimes, o suspeito continua em liberdade.

A razão, explica a advogada Luísa Albino, à CNN Portugal, tem a ver com o facto de o crime em causa não permitir que seja detido preventivamente enquanto o processo de investigação decorre. "Ele poderá vir a ser acusado da prática de crimes de ofensa à integridade física simples, que é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, segundo o artigo  143º do Código Penal”, começa por explicar Luisa Albino, advogada criminal do escritório Antas da Cunha ECIJA.

Segundo a advogada, “o processo está em fase de inquérito" e "para condicionar a liberdade do arguido teria de ser aplicada “a medida de coação mais gravosa" que é a "prisão preventiva". Mas esta. acrescenta "só pode ser aplicada a crimes com pena de prisão superior a 5 anos".  Os crimes que permitem esta medida de coação são por exemplo, esclarece, "a criminalidade violenta, altamente organizada ou terrorismo ou, no caso do crime de ofensa à integridade física, apenas quando este é qualificado e não simples”.

Por isso, conclui, “poderá não ser possível aplicar a prisão preventiva a José Moreira, apesar dos seus atos reiterados".

Luísa Albino menciona “a possibilidade de ser decretado o internamento compulsivo, que de acordo com a Lei de Saúde Mental só é aplicado a pessoas que sofram de anomalia psíquica grave”. A advogada refere ainda que para este internamento "ser decretado têm de estar em causa situações em que o perigo para o próprio ou para os outros é extremamente elevado e que aquele recusa submeter-se ao necessário tratamento médico”. 

“Não dispondo de informação quanto à eventual incapacidade do agressor, sendo que o nível de agressividade demonstrado por José Moreira pode não atingir o limiar considerado pelo Ministério Público, é improvável que seja decretado o internamento compulsivo”, afirma a advogada, que ainda acrescenta que “mesmo que o fizesse, não seria de imediato, uma vez que tem de ser determinado por decisão judicial”.

Ataque numa garagem privada

Um incidente particularmente perturbador ocorreu numa garagem privada em Lisboa. Uma mulher foi confrontada com o agressor e quando lhe pediu para sair, José não só se recusou como a perseguiu, a ela e aos sobrinhos, ameaçando-os com violência física. Também no passado janeiro, Catarina, de 26 anos, encontrou o agressor num autocarro. Descreve-o como tendo olhos "assustadores", como se a quisesse "devorar viva".  Ele cuspiu-lhe e umas senhoras idosas que se encontravam no autocarro ainda reagiram batendo em José com as suas carteiras, mas o motorista permaneceu inativo e o agressor saiu na paragem seguinte. Catarina optou por não apresentar queixa, sem saber que outras vítimas também tinham sofrido agressões semelhantes, como terem sido esbofeteadas.

Inês Prats Azevedo, de 34 anos, foi surpreendida pelo agressor na estação de metro dos Anjos, há um mês e meio. Ao passar pela bilheteira foi atingida por trás.“Senti que me caiu um ferro em cima”. Conta que quando se apercebeu do que tinha acontecido, José já tinha fugido e entrado no metro. 

Mais tarde, já na estação do Cais do Sodré, dirigiu-se a três agentes da polícia que mostraram saber de quem se tratava e aconselharam-na a apresentar queixa. Mais uma vez, não havia testemunhas e as câmaras do metro não funcionavam. Inês diz que “a própria polícia parecia sentir-se impotente, apesar de conhecer a identidade do agressor”.

Alguns dias mais tarde, Inês recebeu uma imagem com uma mensagem de alerta para as pessoas em Lisboa. Viu também uma publicação no facebook onde dezenas de pessoas diziam ter sido também agredidas. Algumas apresentaram queixa e uma diz que foi mesmo a tribunal. 

As vítimas estão preocupadas com a possibilidade de José Moreira continuar a cometer crimes todos os dias. À CNN Portugal, Marta expressou a sua frustração com a ineficácia do sistema judicial, e questionou: “Até quando o indivíduo poderá continuar a agir impunemente”.  Já Maria, outra das mulheres atacadas por este homem, deixa uma pergunta: “Qual o número de vítimas que terão de sofrer até que José Moreira seja finalmente responsabilizado?”

Relacionados

Crime e Justiça

Mais Crime e Justiça

Patrocinados