Passos considera Montenegro um dos seus herdeiros mas acha que Montenegro está "preocupado" com isso. E revela que impediu a humilhação de Portas (cujo comportamento lamenta)

15 abr, 13:11

Ex-primeiro-ministro faz um enorme elogio ao atual primeiro-ministro: "foi um magnífico líder parlamentar", "foi um grande líder parlamentar", repete o elogio com escalas diferentes de adjetivação. Mas deixa claro: Montenegro é um herdeiro do Passismo mas tem visto Montenegro a querer afastar-se dessa herança. Passos compreende isso... até certo ponto. Em entrevista ao Observador, o antigo chefe de Governo assume o erro pelo polémica mexida na TSU que pôs o país contra ele, sublinha que Cavaco Silva salvou o Governo várias vezes mas que também o repreendeu e faz ainda revelações sobre o comportamento de Paulo Portas - que ia ser responsável pelo “desperdício de todos os sacrifícios dos portugueses”

Pedro Passos Coelho acusa Luís Montenegro de se tentar desconectar da herança do Governo que liderou o país entre 2011 e 2015. Em entrevista ao jornal Observador, o antigo primeiro-ministro lembra que Montenegro "foi um magnífico líder parlamentar" do PSD durante aquele período e por isso também está ligado a esse passado. "O dr. Luís Montenegro faz parte dessa herança. Ele faz parte dessa herança", sublinha Passos Coelho.

"Em que medida é que ele se quer desconectar mais do seu próprio passado também ou não? Não sei. A mim parece-me que foi muito evidente durante os últimos tempos que houve essa preocupação. De tentar desligar. O que eu até certo ponto percebo porque é importante que os partidos possam ter uma perspetiva para o futuro e não ficarem sempre só ligados ao seu passado. E às vezes é um equilíbrio difícil de fazer", afirma, lembrando o que Montenegro - que Passos diz ter apoiado de "forma discreta" - tornou-se "uma possibilidade de liderança dentro do PSD pelo exercício que fez no Parlamento" - até porque, caso contrário ninguém se iria "lembrar dele para esse efeito". "Foi uma magnífico líder parlamentar" e depois repete duas vezes "foi um grande líder parlamentar".

Passos diz ser notório que Montenegro tem tido a preocupação de se desligar do antigo governo PSD-CDS, mas diz que até compreende que o atual chefe de governo queira agora virar-se para o futuro. Compreende... até certo ponto: "Não quer dizer que se renegue o passado, mas se andarmos sempre só a defender o passado ou com o passado ao colo, nós não conseguimos abrir tanto futuro. Ele saberá como é que quer fazer as coisas e a última coisa que eu quero é andar a criar constrangimentos. Agora, também não posso ser impedido quando em vez poder dizer alguma coisa do que penso. E eu penso pela minha cabeça, evidentemente".

Troika desconfiava de Portas

Na mesma entrevista, Pedro Passos Coelho relembra longamente os tempos da troika e acusa o antigo vice-primeiro-ministro Paulo Portas de ter sido um bloqueio, nomeadamente na sétima avaliação do programa português, dizendo mesmo que o país correu o risco de desperdiçar os esforços que tinha feito até então porque Portas se recusava a aceitar novas medidas.

O ex-primeiro-ministro revelou ainda que a troika não confiava em Paulo Portas e chegou a exigir cartas assinadas pelo então número dois do governo para garantir que o Governo estava unido em torno das reformas previstas. "O que se passou foi que eu tinha sido obrigado a escrever uma carta para que o Dr. Paulo Portas não fosse o único, porque a troika, a partir de certa altura, percebeu que havia um problema com o CDS. E passou a exigir cartas assinadas pelo dr. Paulo Portas. E para impedir uma humilhação do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, eu obriguei o ministro das Finanças a assinar comigo e com ele a carta para as instituições. Assinámos os três. O dr. Paulo Portas ainda não sabe disto. Não sabe que foi uma exigência minha, porque o que a troika exigia era uma carta dele, assinada por ele, porque não confiava nele."

Segundo Passos Coelho, só a intervenção de Cavaco Silva, na altura Presidente da República, impediu o “desperdício de todos os sacrifícios dos portugueses”. "Eu não conseguia que Paulo Portas aceitasse nenhuma versão. Nenhuma, nenhuma. Convoquei até um Conselho [de Ministros] extraordinário para explicar ao Governo que íamos falhar a avaliação porque Paulo Portas não aceitava aquela avaliação. O que se passaria a partir daí era uma incógnita, mas uma incógnita limitada. A troika diria que, se não queríamos fazer nada, também não enviaria mais dinheiro. O que é que se seguiu? Não sei, para mim é um mistério. Paulo Portas mudou de opinião. Eu creio que foi o Presidente da República.”

Passos lembra que o Presidente da República "escreveu nas memórias que recebeu o Paulo Portas nessa manhã, antes do Conselho de Ministros, e que ele mudou a sua opinião". "Depois era preciso encontrar um face-saving para o Paulo Portas. Era um face-saving. Enfim, um salvar a face muito postiço, porque era dizer que aquela medida podia ser substituída por outra, uma coisa que se sabia desde o início, sempre foi assim. O próprio wording, quer dizer, a redação, já era essa. Criou-se a ilusão de que aquele Conselho de Ministros tinha sido para convencer a troika a substituir no futuro uma medida que a gente não queria, quando isso nunca esteve em questão."

Sobre o CDS-PP, Passos afirma ainda que o partido "por várias vezes mostrou falta de solidariedade pública", "no sentido em que o CDS se desvinculava publicamente de medidas que eram tomadas dentro do Governo de que fazia parte". "A minha relação com o CDS era a minha relação com o presidente do CDS, que era ministro de Estado e de Negócios Estrangeiros. A avaliação que eu tenho, posso dizê-lo aqui, é que o Paulo Portas não tinha uma noção precisa, realista, se quiser, de qual era o limite das nossas possibilidades", afirma, dizendo ainda que o "facto de termos precisado continuamente de estar a substituir medidas que iam sendo reprovadas, se quiser, pelo Tribunal Constitucional dava nas pessoas a ideia de que estávamos sempre a aprovar mais a austeridade quando, na prática, estávamos só a substituí-la".

Até porque, lembra, "ir além da troika significava ser mais ambicioso no plano estrutural do que aquilo que estava na troika", coisa que o Governo tentou fazer, mas que "as metas até tiveram de ser reajustadas em função da realidade". "Se nós tivéssemos de cumprir as metas que tinham sido fixadas pelo governo do engenheiro José Sócrates, o país tinha morrido afogado em austeridade. Isso não teria sido possível. Aí sim teríamos tido a tal espiral recessiva em que cavávamos debaixo dos pés. Quando eu disse 'nós queremos ir além da troika, queremos ser mais ambiciosos do que a troika'... e cheguei a dizer isso às próprias instituições. Disse-lhes num evento que foi preparado sobre reforma estrutural com a troika: 'Senhores da troika, nós não estamos aqui obrigados a tomar uma série de medidas para os agradar. Nós estamos aqui a fazer aquilo que é importante para nós. É para nós próprios. Nós queremos ser bem-sucedidos'. E isso era importante que as instituições percebessem. Ao contrário do engenheiro Sócrates, que estava sempre, no Governo anterior, a fazer de conta que tomava medidas e a adiar os problemas, nós queríamos tentar resolver os problemas para criar condições de crescimento mais tarde, de um crescimento mais saudável, que nós não tivemos no início - não foi por acaso que nós chegámos ao resgate."

TSU? "Foi um erro político"

O antigo chefe de Governo assume o erro pelo polémica mexida na taxa social única (TSU) que pôs o país contra ele. Em 2012, a taxa paga pelos patrões iria descer de 23,75% para 18% e os trabalhadores passariam a contribuir com 18% (e não 11%) para a Segurança Social. 

"Aumentar o IVA mais quatro pontos, isso não era possível. Quatro ou cinco pontos não era possível. Aí sim, não sairíamos da crise. E, portanto, o que aconteceu foi, basicamente, que nós tentámos que a redução da TSU fosse suportada para as empresas por um agravamento da TSU dos funcionários públicos. Foi uma medida sobre a qual, ainda hoje, tenho sentimentos mistos. Quer dizer, foi um erro político, manifestamente, que só me cabe a mim, porque eu é que era o chefe de Governo e eu é que tinha de tomar a decisão."

Passos diz mesmo que recebeu um aviso de Cavaco Silva - o Presidente de então não concordava com esta mexida na TSU. "O Presidente da República alertou-me para os riscos políticos que a medida continha. E não concordou com ela", acrescenta, assumindo que, "portanto, foi um erro político".

A medida, que deu origem a manifestações, acabou por "ser desfeita pelo país" e "não se podia prosseguir com ela". "Os problemas de comunicação foram realmente grandes. E eu acredito que pudesse ter feito melhor comunicação do que aquela que fiz. Concentrei muito a informação, sobretudo aquela que era mais negativa, porque nunca quis mandar ministros informar o país das coisas difíceis que tinham de fazer. Fui sempre eu. Era sempre, sim. E há quem diga que sim, que eu tinha uma forma dura de comunicar, insensível de comunicar."

Passos diz que o primeiro-ministro não podia parecer "vacilante, choroso, contestado com o que estava a fazer", porque "era preciso que as pessoas percebessem que havia um compromisso firme". "Essa foi a forma decidida que eu encontrei de fazer a comunicação. Admito que não fosse a melhor."

Cavaco "salvou" o Governo

Sobre Cavaco Silva, Passos Coelho diz mesmo que "o Presidente da República salvou o Governo mais do que uma vez" e que teve com ele “um relacionamento impecável”, até porque "nos momentos difíceis" o então Presidente apoiou-o. No entanto, lembra que também teve "discordância severa e assumida em termos públicos".

"Não foi só em termos privados, foi em termos públicos. E isso, evidentemente, que nem sempre ajudou. Algumas vezes desajudou. Agora, o Presidente da República tinha toda a legitimidade para ter as suas opiniões e para discordar. Eu julgo que o Presidente da República, devo dizer, não direi que da mesma maneira que o dr. Paulo Portas, porque o Presidente da República é um professor de Finanças Públicas, é um homem que foi primeiro-ministro dez anos e, portanto, era uma pessoa com outra preparação. A leitura que o Presidente da República fazia do que se passava nas instituições europeias naquela época tinha pouco que ver com o que se tinha passado 20 anos antes na sua experiência governativa. E, portanto, eu creio que ele acreditava que as instituições tinham a obrigação de proceder de outra maneira - mas não procediam." 

O antigo primeiro-ministro revela ainda ter tido a perceção antecipada de que o seu sucessor, António Costa, estava a preparar um acordo com o PCP para poder governar, uma convergência à esquerda que juntou também BE e PEV. "Eu tive a perceção clara de que o doutor António Costa estava a preparar um governo alternativo com o apoio do Partido Comunista. Porque também tenho pessoas com quem vou conversando e fui tendo algumas indicações." 

Um novo livro que precisa de uma história - "ou ninguém lê"

No final da entrevista, Passos Coelho revela ainda que o "testemunho escrito" que disse que deixaria "está amplamente escrito" mas ainda precisa de ser editado.

"Eu tinha dito que deixaria um testemunho escrito e deixarei. Ele está amplamente escrito. Ele está pronto", afirma, acrescentando que "uma coisa é nós termos toda a informação reunida, que é necessária ter tudo documentado, digamos assim. Outra coisa é contar uma história. Se não se contar uma história, ninguém lê".

Para isso, garante, a história tem de ser contada "de uma penada" e precisa de "dois ou três meses de enfiada" para o fazer. Sem pressa de publicar o livro, diz ainda que não teve "grande preocupação em acelerá-lo" por causa dos seus sucessores.

"Primeiro porque os meus sucessores, por razões diferentes, não teriam visto isso bem, seguramente. O Rui Rio acharia que isso poderia ajudar a perder as eleições", justifica. Quanto a Luís Montenegro, lembra que o agora chefe de Governo "estava já muito próximo de um desafio eleitoral".

"Imagino o que era estarmos a fazer aqui esta conversa em plena campanha eleitoral ou antes da campanha eleitoral, a lembrar tempos difíceis. Não ajudava. Eu acho que não ajudava hoje. Podemos falar já mais descomplexadamente sobre isso. Não podemos porque cronologicamente calha hoje. Portanto, sim, agora eu acho que posso dizer que estou mais livre." 

Passos Coelho afirma ainda que há quem considere que ele tenha sido "extraordinário", mas também diga que foi "o pior que podia ter acontecido ao país". "Há pessoas que acham que eu fui extraordinário e há pessoas que acham que eu fui o fim do mundo e, portanto, o pior que podia ter acontecido ao país. E ainda hoje se nota isso. Qualquer coisa que eu diga, e digo pouco, motiva sempre reações extremadíssimas." 

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