"Quem ganhar as perceções ganha a guerra e os russos sabem-no. Aliás, esta teoria é deles e é estranho que estejam a perder"

7 abr 2022, 10:00
Coluna russa na estrada que liga Donetsk a Mariupol (Maximilian Clarke/Getty Images)

A invasão russa da Ucrânia tem sido desde o primeiro momento apelidada de guerra híbrida, assente numa ação militar que se desenvolve no terreno ao mesmo tempo que decorre uma "guerra de perceções" na Internet e nos meios de comunicação social.

Para o general Agostinho Costa, esta "é uma guerra híbrida que tem a sua centralidade não num campo de batalha, mas nas televisões". "É uma guerra de perceções - quem ganhar as perceções ganha a guerra e os russos sabem-no. Aliás, esta teoria é deles e é estranho que estejam a perder", diz à CNN Portugal. "Daí que os canais russos, como o RT [Russia Today] e [a agência] Sputnik tenham sido proibidos no ocidente e os canais ocidentais tenham sido proibidos na Rússia, porque eles sabem que todo este conflito é centrado no plano da comunicação."

Agostinho Costa recorda a segunda guerra no Golfo, em que "os americanos apresentavam uma condição às equipas de repórteres no local, que era não filmar cadáveres". "Não porque fossem muito preocupados em chocar as pessoas, mas porque queriam dar a ideia de que aquela era uma guerra sem danos colaterais. Neste momento, o que se passa é o contrário", diz, explicando que tal se deve à "estratégia comunicacional de quem está a conduzir esta guerra, de parte a parte". "As convenções de Genebra proíbem a exposição de prisioneiros de guerra mas tanto russos como ucranianos expõem-nos e colocam nas redes sociais os interrogatórios que lhes fazem."

Para o comentador da CNN Azeredo Lopes, "é evidente que cada uma das partes procura que a opinião pública tenha uma opinião o mais desfavorável possível em relação à outra". Daí que seja importante garantir uma "observação imparcial de terceiros" no terreno, que passa não só pelo jornalismo mas também pela presença das Nações Unidas e da Cruz Vermelha Internacional no terreno, defende. 

No caso do massacre de Bucha, por exemplo, Azeredo Lopes considera que o jornalismo foi essencial para perceber o que se passou no terreno, analisando "cada um dos argumentos" dos dois lados e "desmontou-os de uma forma muito convincente". O New York Times, por exemplo, utilizou técnicas de investigação visual para desmentir a tese russa de que tudo se tratava de uma encenação: comparando imagens de satélite do antes e depois, o jornal confirmou que vários corpos estavam caídos no chão há mais de três semanas, coincidindo com a altura em que as tropas russas ainda dominavam a zona.

"Cada vez parece mais impossível que neste caso tenha havido o que quer que seja para manipular as opiniões. Esta é uma daquelas situações em que a condenação política parece corresponder com bastante exatidão aos factos no terreno", defende Azeredo Lopes.

É certo que "a verdade é, para muitos, um conceito relativo", refere Azeredo Lopes, mas é possível alcançá-la sobretudo através de uma investigação independente. "Para ser independente não pode ser feita pela parte russa e não pode ser feita só pela parte ucraniana. Tem de ter elementos internacionais e esse ponto já está adquirido", aponta, referindo-se ao anúncio de uma investigação europeia, em colaboração com a Ucrânia e a Eurojust, para procurar crimes de guerra no país.

Azeredo Lopes salienta que esta investigação, que deve ser "imparcial, independente e competente", é essencial não só para a "defesa da parte ucraniana" como também para a "responsabilização definitiva da parte russa", considerando que "o pior que pode haver" no futuro é uma continuidade das acusações de parte a parte. "E isso é o fermento para novos conflitos."

Os exames forenses

Como se desenvolve, então, uma investigação "imparcial, independente e competente"? A jurista Anabela Alves, que trabalhou no Tribunal Penal Internacional (TPI), explica à CNN Portugal todos os passos do processo da investigação de crimes de guerra no terreno desde março e que está a ser liderada pelo procurador-geral do TPI, Karim Khan, que foi eleito pelos 123 Estados que fazem parte do Estatuto de Roma.

A especialista em direito penal internacional diz ter "muita confiança" nesta investigação, salientando o profissionalismo, independência e transparência de Karim Khan, com quem já colaborou na Jugoslávia. Os investigadores que estão no terreno "monitorizam tudo, desde as comunicações por satélite a todo o tipo de trocas de mensagens" entre as tropas russas.  "Os crimes de guerra são sempre investigados com base nas provas recolhidas, com entrevistas a testemunhas, exames forenses, cada corpo será tratado com toda a minúcia para se saber a identidade da vítima e a que tipo de tortura é que foi sujeita."

Anabela Alves diz que as provas que estão a ser recolhidas no terreno não deixam espaço para dúvidas de que foram cometidos crimes de guerra pelas forças russas na Ucrânia. Apesar de os russos tentarem deliberadamente "esconder as provas" dos crimes de guerra, ao carbonizarem os corpos das vítimas e os locais dos crimes, tal "não funciona porque os crimes estão a ser cometidos em larga escala contra civis e contra os prisioneiros de guerra".

O procurador-geral do TPI "já recebeu uma lista com o batalhão [russo] que estava em Bucha", revela Anabela Alves, acrescentando que o que se sabe agora é que essas tropas dirigiram-se para a Bielorrússia "para se rearmarem outra vez e voltarem [à Ucrânia] para fazerem a mesma coisa noutra cidade". 

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