Como Putin pode acabar detido (mesmo que pareça impossível) pelos crimes de guerra na Ucrânia

6 abr 2022, 09:00
Vladimir Putin (AP Images)

Anabela Alves, jurista portuguesa que trabalhou no Tribunal Penal Internacional (TPI) e que colaborou com o procurador-geral que está no terreno na Ucrânia, revela à CNN Portugal que as provas que já foram recolhidas no terreno não deixam espaço para dúvidas: estão a ser cometidos crimes de guerra pelos russos na Ucrânia e este pode ser o início de um longo processo que pode culminar na detenção de Vladimir Putin, bem como na de generais e militares russos

O massacre de Bucha motivou uma série de pedidos de investigação de crimes de guerra na Ucrânia por parte dos líderes políticos ocidentais, mas, segundo Anabela Alves, desde março que já está no terreno uma equipa de investigadores que trabalha com o procurador-geral do TPI, Karim Khan, para procurar e recolher provas nesse sentido. A especialista em direito penal internacional, que já trabalhou com Karim Khan na Jugoslávia, salienta a independência do procurador, que foi eleito pelos 123 Estados que fazem parte do Estatuto de Roma e que, garante, "não vai sucumbir a nenhumas pressões políticas e vai investigar todos os suspeitos de crimes" de guerra e contra a Humanidade na Ucrânia.

Já há, aliás, uma lista de suspeitos russos dos crimes de guerra de Bucha, revela a especialista, salientando que os crimes que ali foram cometidos foram "repetidos noutras cidades". Mas, garante, "todas as pessoas envolvidas na execução destes crimes serão investigadas", incluindo Putin e todos os generais e militares. "É claro que a Rússia está com uma postura cínica em relação aos crimes que está a cometer e todas as suas intervenções são uma tentativa de virar a culpabilidade, mas isso não funciona porque os crimes contra a Humanidade estão a ser cometidos em larga escala, contra civis e contra os prisioneiros de guerra", acrescenta.

Anabela Alves explica que a investigação de crimes de guerra assenta essencialmente na investigação forense para identificar as vítimas e para saber a que tipo de torturas é que estiveram sujeitas. Por isso, as tropas russas têm tentado deliberadamente "esconder as provas" destes crimes, carbonizando os corpos das vítimas, o que dificulta a investigação forense. "Eles carbonizam os corpos para esconder a identidade da vítima, para esconder o tipo de tortura a que a vítima foi sujeita e, assim, eliminar a prova", acrescenta. "Mas neste momento estamos a assistir a um momento único - uma cooperação internacional entre vários países que pediram ao procurador [Karim Khan] para avançar com a investigação", salienta a jurista, acrescentando que esta cooperação "já vai poupar tempo" à investigação e na condenação dos suspeitos.

Dos 123 Estados parte do Estatuto de Roma, "41 deram autorização ao procurador para avançar sem mais demoras" na investigação no terreno, não sendo assim necessário pedir a permissão aos juízes do TPI para o fazer, algo que "demora muito tempo", começando desde logo pela consulta do pedido por parte dos juízes, que "demora muitos meses", explica Anabela Alves.

Depois da recolha de provas de crimes de guerra - que podem incluir vídeos, documentos e áudios -, o procurador prepara o caso e reúne uma lista de testemunhas, que será depois entregue aos juízes para a obtenção de um mandado de detenção dos suspeitos. No caso de aprovação, a partir do momento em que o mandado é assinado por um juiz, o processo de detenção "é muito rápido", diz a especialista, pois "há uma dezena - senão centenas - de profissionais no terreno, desde militares, polícias a investigadores", que agilizam esse processo.

"A partir do momento em que são detidos e levados para Haia, têm de se apresentar perante o juiz dentro de poucos dias para ouvir o mandado de acusação, ou seja, todos os crimes de que são acusados", diz. Depois aguardam pela primeira audiência, com o processo judicial a decorrer como é habitual. A jurista reconhece que "o julgamento vai ser demorado", até porque a lista de testemunhas deverá ser muito extensa.

Anabela Alves rejeita a ideia de que Putin, por ser um chefe de Estado, é intocável do ponto de vista da Justiça, sublinhando que, para o artigo 27 do Estatuto de Roma, é "irrelevante a qualidade oficial do acusado". É certo que nem a Ucrânia nem a Rússia são Estados parte deste Estatuto, mas o facto de a Ucrânia ter reconhecido, em 2014, a jurisdição do TPI é suficiente para investigar e condenar quaisquer suspeitos de crimes cometidos no território ucraniano, explica.

Se Putin for considerado culpado de crimes de guerra na Ucrânia, a jurista afirma que o que pode acontecer é que seja detido por "forças especiais de cada Estado parte do TPI", que, aliás, podem vir a contar com a colaboração da Interpol, como já aconteceu, por exemplo, na guerra dos Balcãs, lembra. 

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