opinião
Bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses

Psicologia em tempo de guerra: Guerra e Paz

25 fev 2022, 11:03

"Psicologia em tempo de guerra", uma rubrica para ler no site da CNN Portugal

O que nos leva ao conflito e à guerra e como preveni-la tem intrigado grandes personalidades históricas. A 30 de Julho de 1932, Einstein escrevia a Freud e perguntava-lhe se haveria alguma forma de afastar a humanidade das ameaças da guerra.  Freud respondeu de forma pouco conclusiva, mas finaliza com a importância dos factores que promovem o desenvolvimento cultural para a sua prevenção. A psicologia e a guerra estão historicamente ligadas. Não é de mais relembrar que, numa definição simples, a psicologia é a ciência que estuda o comportamento humano e os processos mentais. Muitos desenvolvimentos científicos em psicologia foram impulsionados por guerras. O recrutamento e selecção, com a utilização de testes e provas psicológicas, desenvolve-se com a necessidade de rapidamente poder-se recrutar e selecionar os mais aptos para diversas funções nas forças armadas, por exemplo, e mesmo em Portugal já remonta a 1936 a origem dos estudos psicotécnicos no Exército português. A guerra do Vietname trouxe visibilidade ao stress pós-traumático dos combatentes e à importância da existência de apoios à saúde mental destes militares. A psicologia também é utilizada para a formação dos militares em liderança ou no treino técnico (usando realidade virtual), na propaganda junto das populações ou para influenciar as forças inimigas, tentando “quebrar-lhes a moral”.

A forma como podemos olhar para a relação entre a psicologia e a guerra tem, no entanto, muitos outros ângulos. As guerras originam vítimas que muitas vezes se tornam refugiados, tentando encontrar um porto seguro depois da destruição e da perda de todos os seus bens e muitas vezes dos seus familiares e amigos. A integração destas pessoas noutros países e o apoio psicológico que necessitam, por vezes ainda em crise, noutras vezes mais tarde, precisam da intervenção de psicólogos. E as crianças que assistem pela televisão às notícias e imagens da guerra e das suas consequências noutras pessoas, noutras crianças... como lhes explicar e como as ajudar a lidar com este momento? Mais uma vez são os psicólogos chamados para promover mais literacia junto da população.

E a paz? A prevenção da guerra e a promoção da paz. A negociação e a resolução de conflitos. A Mediação. E a desinformação? E como se explicam os fenómenos de radicalização e como os mitigar? Em todas estas frentes a psicologia tem contributos e aplicações. Existem múltiplas formas para prevenir um conflito, desde que as partes reconheçam suficientemente as queixas mútuas. A forma como a liderança é vista como forte ou fraca perante um conflito pode deixar pouca margem para que haja espaço mental para se considerarem opções diversificadas e se faça esse reconhecimento. E, assim, um ataque leva geralmente a um ataque. Olho por olho, dente por dente. A perda não leva ao luto, salta-se por cima dele, para a vingança. E o círculo vicioso continua. A necessidade de autonomia e de controlo leva a que a resposta seja uma acção que permita sentir-se que se recupera ambos. Atacar... o que não significa necessariamente resolver o conflito. Perceber estas dimensões da forma como pensamos e decidimos pode fazer a diferença entre...

... Guerra e paz, como no romance de Liev Tolstói.

“Um bom jogador de xadrez está sinceramente convencido de que a sua derrota decorre de um erro seu e então procura esse erro no início do jogo, mas esquece que a cada etapa, ao longo de toda partida, houve erros semelhantes e que nenhum dos seus lances foi perfeito. O erro ao qual o jogador dirige sua atenção só lhe parece mais saliente porque o adversário tirou proveito dele. Bem mais complexo que isso é o jogo da guerra, que se passa em condições de tempo determinadas e onde não há uma vontade única que governa mecanismos inanimados, mas, ao contrário, tudo decorre de um conflito incalculável de vontades distintas.”

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