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Diretor TVI Norte

A mais saborosa sopa na linha da frente

1 abr 2022, 21:31

Hoje fomos a um centro secreto de onde partem alimentos para as linhas da frente das forças ucranianas. O espaço está num local improvável, com duas caves de apoio e um armazém disfarçado numa garagem. Pelo portão vão entrando carrinhas, carros, ambulâncias e muitas pessoas a pé, com sacos ou boa vontade para carregarem caixas e caixinhas às ordens da “maestrina” Larissa.

É uma mulher daquelas de quem se gosta logo à primeira e que me pegou literalmente pela mão para me revelar tudo sobre o que ali se preparava. O nosso guia tinha tratado de fazer constar que éramos de confiança, mas confesso que fiquei incrédulo com a abertura e com a sinceridade daquela receção.

O segredo do que dali parte é a desidratação dos alimentos, que são depois colocados em sacos à medida com doses e sabores certos, de forma a que possam ganhar vida numa simples taça de água lá na linha da frente.

Aquela mulher trata cada um dos sacos como as nossas mães preparavam as lancheiras quando íamos para a escola e não podíamos ficar sem os miminhos delas.

O preparado passa até por um risoto típico da Ucrânia. É uma arte fantástica de transportar sabores que terá certamente o impacto do que seria um dia as nossas tropas receberem uma sopa de pencas com chouriço e feijão, numa qualquer trincheira gelada.

A organização conseguia não confundir a carga destinada a cada carrinha, mesmo naquele caos de caixas com duzentas mil etiquetas e indicações. Dois ou três militares, mas o resto são mulheres e jovens que deixam ali o seu tempo, sem fazerem muitas perguntas. Obviamente quis saber para onde iam e a resposta foi vaga e até óbvia - Kiev. Não sei se era a verdade, mas pouco importa. O que se sentiu ali foi mais uma demonstração da mobilização desta gente que agarrou a ideia de que todos podem fazer qualquer coisa para ganhar a guerra. É assim com os alimentos para os militares, com o apoio aos refugiados e com a partilha das casas e do pouco que há para colocar na mesa. A frase é célebre e a ideia aplica-se aqui em pleno; obviamente podes sempre fazer alguma coisa pelo teu país e por ti. Não sei se sempre foi assim, mas acredito que com esta mobilização e sentido de coletivo, o futuro da Ucrânia terá um povo exigente que não aceitará nada que os desiluda. Qualquer consulta popular a acordos de paz ou a ideia de dividir territórios vai ter um debate apaixonado que certamente será muito interessante de seguir. Eles agora sabem a força que têm.

 

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