Fábio pagou três mil euros (incluindo viagem e estadia) em vez dos 12 mil que lhe pediam em Portugal. Ao olhar para trás arrepende-se de não ter escolhido outro sítio
"Paguem mais por isso, não passem pelo que eu passei". Este é o conselho que Fábio Fialho deixa às pessoas que estão a pensar em fazer transplantes capilares. Numa altura em que o recurso a cirurgias estéticas está a aumentar, muitos portugueses escolhem destinos como Turquia ou Brasil para este tipo de procedimentos. Uma opção que nem sempre é a mais fiável, e que pode deixar sequelas para lá da estética.
Afinal, a Turquia tornou-se também num destino de saúde, em grande parte pelos preços competitivos, quando o mesmo mercado é comparado com Portugal. De acordo com os últimos dados são mais de 500 as clínicas que, só em Istambul, fazem este tipo de procedimento.
E o preço foi o fator decisivo para Fábio Fialho, que de Istambul não trouxe uma boa experiência. Já pensava na ideia de um transplante capilar há alguns anos, até porque desde os 20 que começava a notar o problema, mas um jantar com uns amigos motivou-o a agir. "Já sabiam que estava com alguma falta de cabelo há algum tempo, mas, dessa vez, o primeiro impacto foi logo ‘epá, estás muito careca’", conta, em conversa com a CNN Portugal.
Aos 31 anos decidiu então informar-se sobre as possibilidades que tinha no mercado, começando por procurar em Portugal. Nas clínicas a que foi disseram-lhe sempre o mesmo: o avançado estado da condição que tinha – alopecia androgenética, que é a forma mais comum de queda de cabelo, podendo afetar até 80% dos homens – requeria uma intervenção em dose dupla. Seriam necessárias duas cirurgias para implantação de folículos, cada uma a rondar os seis mil euros. Fábio tinha, portanto, de gastar 12 mil euros no procedimento.
"Estive muito tempo a lutar mentalmente contra a ideia. Para o português normal, mesmo fazendo num sítio mais barato, são vários milhares de euros", explica.
O elevado custo que lhe apresentaram fê-lo ir à procura de outra solução. E apareceu a Turquia: "percebi que era muito mais barato, mesmo pagando a minha viagem e da minha namorada". O custo total, incluindo alojamento, voos e a operação não passou dos três mil euros, um quarto daquilo que lhe tinha sido pedido em Portugal. Mas a que custo?
A coordenadora do Grupo de Tricologia da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia (SPDV) refere à CNN Portugal que, apesar de a maior parte serem casos isolados, as situações em que pessoas se queixam de cirurgias que correram mal fora de Portugal "são cada vez mais frequentes".
"Isto não acontecia antes", reitera Rubina Alves, alertando que "as pessoas deviam estar mais informadas", e não fazer a escolha apenas com base no valor da operação.
A também doutorada em Tricologia (o ramo da Dermatologia que estuda as doenças relacionadas com o cabelo) acrescenta que os doentes portugueses muitas vezes deslocam-se a estes países sem sequer saberem quem é o médico, ou sequer se é mesmo um médico, uma vez que "muitas vezes são os técnicos a fazer" os transplantes.
"Devemos alertar para os riscos associados, que deve haver um acompanhamento médico e que deve ser feito com um dermatologista. A falta de acompanhamento pode levar a um novo transplante porque, por vezes, os cabelos não transplantados acabam por cair", sublinha.
Membro do Colégio da Especialidade de Dermato-Venereologia da Ordem dos Médicos, Leonor Girão destaca à CNN Portugal que tem notado um aumento da procura por cirurgias deste género fora do país, nomeadamente na Turquia. A especialista conhece mesmo casos de alguns doentes que voltaram e acabaram por ter problemas, tendo recorrido a médicos mais tarde.
Apesar de reconhecer que "existem bons profissionais em todo o lado", e mesmo sabendo que a Turquia é um país onde esta indústria está globalmente desenvolvida, a especialista sublinha que todos os casos que conhece de portugueses a quem o procedimento correu mal foram de pessoas que não recorreram a médicos em Portugal. "Perguntam o que podem fazer, telefonam para as clínicas e vão para a Internet. O critério [dessas pessoas] não é a saúde, é o preço", acrescenta.
Foi o que fez Fábio, que optou por uma opção mais barata que lhe foi recomendada por pessoas que conheceu nas redes sociais. Hoje admite que correu um risco com a escolha que fez quando optou pela clínica, assumindo algum receio de que o processo, feito há apenas dois anos, possa não ter ficado tão bem feito, ainda que não se note, para já, qualquer problema.
"Arrependo-me de não ter feito num sítio melhor. Eles venderam-me um produto, disseram que tinha uma boa área dadora e que podiam fazer com cinco mil folículos", lembra.
Tudo isto baseado numa análise de uma fotografia enviada através da Internet. Ao contrário do que lhe tinham dito em Portugal, onde lhe recomendaram as duas operações, da Turquia garantiram que era possível realizar o procedimento em apenas uma vez.
"Os médicos especializados tinham recomendado que se fizesse o transplante em menores quantidades de folículos. Os turcos prometeram que pessoas como o meu caso, que normalmente precisam de dois, ficam com a situação resolvida num só transplante", conta.
Leonor Girão reitera que "é errado quando uma pessoa olha para o caso apenas em termos de preço". Apesar de ser "legítimo que queira ser operada com um valor mais compatível com a sua carteira, não deve sobrepor a qualidade ao tratamento".
Um "cenário bastante amador"
Ainda Fábio não tinha deixado o aeroporto e as coisas já estavam a correr mal. Foi para a Turquia confiante de que o seu inglês lhe resolveria eventuais problemas comunicacionais, só que em Istambul encontrou pouca gente que o percebesse.
"A barreira linguística foi um problema", assume, dizendo que isso lhe trouxe várias inseguranças na altura em que teve de chegar à clínica e tirar as várias dúvidas que tinha.
Esse não era o único problema. "Era um cenário bastante amador", recorda, dizendo que não voltaria a fazer aquela opção. "Hoje, se fosse fazer novamente, preferia pagar mais", afirma, explicando que pagou um preço total que não chegava aos dois mil euros.
"Hoje pagaria mais 500 euros num outro sítio, como sei que outras pessoas fizeram, porque sei que essas pessoas não viveram a experiência que eu vivi", diz, garantindo que preferia ter pagado "quatro ou cinco mil euros, mas ter o processo todo num sítio mais profissional".
Rubina Alves destaca a necessidade de o paciente conhecer sempre todos os riscos antes de avançar para a cirurgia. A especialista em Tricologia tem a "perceção" de que as condições em países como a Turquia não oferecem a mesma segurança que em Portugal, o que também está relacionado com o tal acompanhamento de que Fábio sentiu falta.
Aquilo que mais assusta Fábio são as dúvidas com que ficou, nomeadamente porque acabaram por nunca lhe explicar quantos folículos tinham, afinal, sido implantados. Primeiro falaram-lhe em 2.000, depois em 2.500, mas no fim do procedimento garantiram-lhe que tinham sido 3.400. Isto já depois de na análise feita à distância terem referido os 5.000 folículos.
Números bem diferentes e que podem ter impacto na evolução do caso. Por isso mesmo o português tem "receio" de que, mais tarde ou mais cedo, volte a ficar careca
Outra situação que deixou Fábio desconfortável, e depois desconfiado, aconteceu logo quando chegou à clínica. "Fomos para um gabinete e disseram-nos ‘vão ali e vai uma senhora tirar-vos o sangue’". Foi e tiraram-lhe o sangue, mas Fábio nunca percebeu com que objetivo.
Só no dia seguinte ao transplante, quando foi com o intérprete à clínica para fazer a lavagem e mudar o penso, é que lhe foi dito que a extração de sangue inicial foi para fazerem uma injeção após o transplante que ajuda a fixar o transplante. Trata-se de uma injeção de plasma rico em plaquetas.
"Nem eu, nem ninguém que fez no mesmo dia, nos apercebemos da injeção. Estávamos anestesiados localmente, mas acordados, com os olhos abertos", conta, admitindo que essa é outra dúvida que tem: ter-lhe-á sido dada a tal injeção?
Além disso, Fábio descreve um outro episódio que lhe pareceu "pouco profissional". Quando acordou com os especialistas aquilo que ia fazer traçaram-lhe uma linha no cabelo diferente do inicialmente falado. "Mas isso não foi o pior: foram buscar uma folha A4 e escreveram em inglês ‘o cliente concorda com a linha apresentada para a implantação do cabelo’", explica.
"Não é um contrato, não é nada. Nem faturas recebi. Cheguei, dei o dinheiro, e mais nada", acrescenta, lamentando que agora, mesmo que quisesse, não possa reclamar por alguma situação que tenha ficado menos bem resolvida.
"Eles tentam vender o produto deles e dizem que é eterno, mas não sei. Tenho muitas dúvidas, sobretudo pela forma como vejo que o processo foi conduzido", conclui.
E isso não quer dizer que é errado fazer transplantes fora do país. Leonor Girão também conhece casos de pessoas que foram ao Brasil, por exemplo, e que foram bem acompanhadas. A diferença é que já foram com tudo marcado para hospitais e colegas de referência. "Tudo o resto é extraordinariamente arriscado", garante.
A importância do acompanhamento
Todo o procedimento de transplante ou implante capilar não acaba no dia da operação. Por isso mesmo Rubina Alves deixa um outro conselho: "se forem a países estrangeiros fazer este tipo de procedimentos, então que saibam os riscos que podem correr a todos os níveis". E parte desse conhecimento prévio está no saber quem é o médico responsável, bem como as credenciais que apresenta.
"As pessoas estão a meter-se nas mãos de uma pessoa que não conhecem, existem riscos inerentes. Depois quem é que faz o acompanhamento, como é que resolvem?", questiona, dizendo que "é um risco muito grande metermo-nos nas mãos de uma pessoa que não conhecemos para uma cirurgia tão invasiva".
Fábio recorda que "durante o primeiro mês houve acompanhamento". Tinha uma pessoa com quem falava de forma regular e a quem enviava fotografias para mostrar o acompanhamento do processo.
"Só que esta preocupação só durou um mês. Depois disso perguntei uma série de coisas, sobretudo nos primeiros meses, e nada, nunca mais houve uma preocupação deles", lamenta.
A questão é que, como nota Leonor Girão, a indústria dos transplantes capilares tornou-se um negócio altamente atrativo e, sobretudo, lucrativo. Só que para obter lucros e preços competitivos há que tentar cortar.
"Até ao transplante é tudo linear e são prestáveis. Assim que o dinheiro está do lado de lá deixa de ser interessante. É realmente um risco. Não é que não existam médicos competentes [no estrangeiro], mas há dificuldade em saber quais são e onde estão. Às vezes o barato sai caro", atira a médica.
É que o transplante pode não ficar bem feito, como receia Fábio, mas há outros problemas bem mais graves que podem decorrer do procedimento: infeções, deiscência (o rompimento da sutura) ou outros. Leonor Girão refere que este é um acompanhamento que deve acontecer por semanas, e não meros dias. Fábio optou por ir à Turquia por uma questão financeira, e por isso ficou lá o menor tempo possível.
"Ficar uma semana ou os 12 dias necessários para o acompanhamento inicial é diferente em termos de preços e as pessoas acabam por regressar aos países de origem mais cedo", diz Leonor Girão, referindo que muitas vezes o que acontece é que os problemas acabam por ter de ser resolvidos em Portugal, por vezes com médicos que não conhecem com exatidão aquilo que foi feito.
Apesar de reconhecer que o procedimento podia ter sido muito mais profissional e de dizer que teria recorrido a uma outra clínica, mesmo pagando mais, Fábio não está arrependido. A quem procure uma solução do género deixa apenas um conselho: "informem-se com pessoas de confiança, procurem um local onde as pessoas sejam profissionais".
Medicina antes da estética
É tida como uma intervenção estética, mas Rubina Alves lembra que será sempre um procedimento médico, até porque tem um caráter invasivo. A especialista em Tricologia aconselha todas as pessoas que estejam a pensar em fazer um transplante a marcarem, antes de tudo, uma consulta com um dermatologista.
Curiosamente o melhor exemplo que a médica encontrou até foi de uma mulher. A especialista conta que uma paciente sua foi à Turquia sem antes consultar um dermatologista, acabando por colocar em causa todo o procedimento, uma vez que a sua patologia não é compatível com um transplante normal.
É o caso da alopecia frontal fibrosante, mais comum em mulheres e que provoca um recuo da linha de cabelo, que requer "fármacos individualizados, depois o transplante e uma continuidade com acompanhamento médico". O caso que Rubina Alves descreve é o de uma mulher que "nem sequer tinha ido ao médico", algo que devia ter feito para estabilizar a sua situação antes de avançar para o transplante.
"Houve um boom desta doença e nos últimos anos tem havido um aumento imenso", diz a médica, explicando que a linha do cabelo vai andando para trás, provocando a perda dos folículos que podiam ser utilizados para transplante.
Esse processo inflamatório que ocorre no couro cabeludo das mulheres é dos melhores exemplos de como é importante ter em conta a questão da saúde. Leonor Girão explica que esta patologia pode fazer com que, caso não haja um tratamento adequado, o transplante acabe por ser revertido. "É importante que as pessoas percebam que o transplante tem um determinado número de folículos capilares. Com o transplante passam de um lado para o outro, o cabelo não se multiplica", acrescenta.
Daí a relevância do diagnóstico: "as pessoas têm de perceber o que se passa com o couro cabeludo, aquilo que faz com que o cabelo caia e não para ali". De resto, "as consultas médicas têm sempre de ser feitas", mais que não seja porque muitas vezes, sobretudo em países como a Turquia ou o Brasil, quem realiza o transplante são técnicos, e não médicos. Pessoas como Fábio, por exemplo, nunca foram vistas por um médico acreditado.
Sobretudo nestes casos, mas em quaisquer outros relacionados com transplantes, os pacientes "devem ter uma consulta prévia", reforça Rubina Alves. O caso deve "ser avaliado como um todo pelo dermatologista, a pessoa mais capaz nesse sentido".
De resto, a consulta pode mesmo evitar a realização de um transplante desnecessário. "Em alguns casos a consulta indica tratamento médico, mas as pessoas não sabem. Pensam que ao fazer o transplante o problema está resolvido para a vida, o que é um engano", diz Rubina Alves, reiterando que o diagnóstico inicial deve ser "sempre" feito por um dermatologista, o especialista que é "treinado para isto" e que está apto a avaliar a situação da melhor forma.
Sobre a opção entre fazer transplantes em Portugal ou em países como a Turquia, Rubina Alves não tem dúvidas: "acho que não se devia ir para fora. As cirurgias grandes têm de ser feitas com pessoas de confiança".
A diferença de preços, essa, tem que ver com a capacitação dos profissionais, mas também com a qualidade dos materiais. "Se a pessoa tem muita formação e faz bem, se o material é bom, não podemos comparar os custos. Comprar material na China é diferente de comprar material credenciado. São pessoas que estão ali, que dão a cara e que ficam para depois", termina a médica, assinalando que "se a cirurgia não ficar bem feita é difícil de reverter".