Escuro, frio e meias grossas: assim foram as últimas horas da tripulação do Titan

5 jul 2023, 11:30
Submersível Titan (OceanGate Expeditions via AP)

Submersível implodiu no oceano no dia em que começou a expedição. A bordo do navio de apoio estava Christine Dawood, mulher e mãe de dois dos tripulantes, que agora relata tudo a que assistiu

Uma viagem às profundezas do oceano para ver os destroços do Titanic de perto. A promessa, feita por Stockton Rush, fundador da OceanGate, em Londres, foi apelativa para Shahzada e Christine Dawood. O casal encontrou-se com o também CEO da companhia e a mulher deste num café, em fevereiro, perto da estação de Waterloo, para acertar os pormenores da viagem que estava mais do que certa na cabeça de ambos. 

Segundo conta o New York Times, a ideia tinha nascido em 2019, depois de uma viagem à Gronelândia, quando viram um anúncio à OceanGate, que "oferecia" viagens ao Titanic. A família ficou imediamente interessada, sobretudo Shahzada e Suleman, mas a idade do filho fez com que Christine tomasse a decisão de acompanhar o marido. O que ninguém contava era que a pandemia adiasse os planos e Suleman atingisse a maioridade. 

Em 2023, a viagem voltava a estar em cima da mesa e, depois de voos atrasados, Shahzada, Christine, Alina e Suleman chegavam a St. John’s, Newfoundland, prontos para a aventura. Enquanto o pai levava consigo a máquina fotográfica Nikon, a postos para capturar todos os momentos da viagem, o filho levava o cubo Rubik que o iria acompanhar na descida.

Ao jornal, Christine conta que no dia em que se reuniu com Rush em Londres, os dois casais falaram sobre o design e a segurança do submersível e como era descer até às profundezas no mar dentro dele, mas não debateram a parte de engenharia.

"Não fazíamos ideia da parte da engenharia. Quer dizer, sentamo-nos num avião sem saber como funciona o motor", afirmou, revelando ainda que a família ficou fascinada com o Titanic em 2012, quando visitaram uma exposição em Singapura.

Confiantes nas explicações do fundador da companhia, que iria aos comandos do Titan, e a acompanhar ainda Paul-Henri Nargeolet e Hamish Harding, Shahzada e Suleman Dawood juntaram-se à expedição, que partiu no dia 18 de junho, Dia do Pai nos EUA, com um sorriso na cara.

Shahzada e Christine Dawood (Facebook)

As meias grossas

A expedição começou uns dias antes. No dia 14 de junho, a família viajou de Londres para Toronto e conseguiu passear pela cidade depois do voo para St. John ter sido cancelado. No dia seguinte, o voo voltou a ser adiado e os Dawood recearam ver a viagem no Titan novamente estragada. 

"Estávamos realmente muito preocupados: 'oh meu Deus, e se eles cancelarem esse voo também?'. Em retrospetiva, obviamente, gostava que tivessem feito isso", afirmou Christine.

A família chegou a St. John a meio da noite e seguiu de imediato para o navio de apoio Polar Pince, onde se juntou aos outros tripulantes e restante equipa. Enquanto Shahzada e Christine dormiram num beliche, Alina e Suleman tiveram direito cada um à sua camarata. Juntos, faziam as refeições, assistiam às explicações sobre o que ia acontecer na expedição, participavam nos exercícios. Até que chegou o dia de entrar no Titan.

Segundo relata o New York Times, os mergulhadores tinham de estar no convés do navio às cinco da manhã, com meias grossas - que não deviam molhar antes de entrar no submersível - e um gorro: tudo por causa do frio que iam encontrar no fundo do Oceano. 

Para além disso, os tripulantes deviam fazer uma "dieta pobre em resíduos" no dia anterior ao mergulho e nada de café durante a manhã da descida. 

"Era como uma operação bem oleada - via-se que já tinham feito isto muitas vezes", revelou Dawood, acrescentando que o marido e o filho, para além das meias e do gorro, vestiram os fatos de voo OceanGate, bem como calças impermeáveis, um casaco impermeável cor de laranja, botas com biqueira de aço, coletes salva-vidas e capacetes.

Apesar da reclamação de que "parecia bem gordo" e de que já estava "a ferver" dentro da roupa, Christine diz que o marido estava bem disposto e que parecia "uma criança animada": "Foi uma boa manhã". 

A escuridão a bordo

O sol ainda brilhava quando os tripulantes rastejaram para dentro do Titan e a equipa de apoio apertou o anel de parafusos que mantinha a cápsula selada. A bordo, os cinco passageiros, com Stockton Rush, que pilotava o submersível, sentado ao fundo, e os restantes nas laterais curvadas. 

Para combater o silêncio, a pedido de Rush, os passageiros deveriam levar os telemóveis carregados e com músicas - à exceção de country - para partilhar através de uma coluna Bluetooth.

Já para a escuridão que existiria a bordo, não haveria solução. Assim que passassem a barreira em que a luz solar entra, a escuridão faria parte da viagem, uma vez que os projectores eram desligados para poupar bateria e as luzes do interior eram desligadas pela mesma razão. A bordo, o único bilho era dos ecrãs dos computadores e das canetas luminosas utilizadas para registar a descida no papel.

Através da janela de vigia, os tripulantes conseguiram ver apenas criaturas bioluminescentes durante a descida de 25 metros por minuto, o que levaria cerca de dois dias para ir e vir dos destroços do Titanic.

Mas, pouco tempo depois do submersível ter sido lançado à água, as mensagens de texto que deviam ser enviadas de meia em meia hora deixaram de chegar. No navio de apoio, Christine Dawood ouviu alguém dizer que as comunicações tinham sido perdidas e, no momento em que essa informação foi confirmada pela Guarda Costeira, foi até à torre de comando, onde uma equipa tinha estado a monitorizar a lenta descida do Titan, à procura de informações.

Foi ali que lhe foi dito que as mensagens de texto codificadas por computador - a única forma de comunicação com o submersível - estava irregular, mas asseguraram-lhe que, caso a a interrupção durasse mais de uma hora, o mergulho seria abortado e o Titan largava os pesos e voltava à superfície.

Mas, ao final da tarde, enquanto Christine "observava o oceano para o caso de os poder ver a emergir", alguém lhe disse que não se sabia onde estava o Titan e a tripulação. 

Ao fim de quatro dias, ainda com Christine, Alina e a tripulação do navio de apoio sobre o local do Titanic, a Guarda Costeira anunciou que tinham encontrado destroços do Titan e que o submersível tinha implodido, matando instantaneamente toda a gente a bordo.

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