Enquanto não há uma "prova irrefutável" que demonstre a origem do SARS-CoV-2 - e ainda que a comunidade científica aceite de forma quase unânime que o vírus surgiu de forma natural e foi transmitido a partir dos animais no mercado de Wuhan, na China - houve espaço para muitas teorias e versões sobre a covid-19, algumas transmitidas por via oficial
As teorias da conspiração relacionadas com a covid-19 circulam desde o início da pandemia e foram alimentadas, sobretudo, por uma questão geográfica: a 40 minutos de carro do mercado de animais vivos onde foram detetados os primeiros casos de covid-19 fica o Instituto de Virologia de Wuhan, que há mais de uma década estuda os coronavírus nos morcegos.
O próprio chefe da missão da Organização Mundial da Saúde (OMS) que foi à China estudar a origem do vírus admitiu a hipótese de o SARS-CoV-2 ter saído daquele laboratório fruto de um "erro humano" - ainda que, no primeiro relatório divulgado, esta possibilidade fosse dada como extremamente improvável. A OMS recuou entretanto, admitindo que faltam dados importantes e que está tudo em aberto. Mas o investigador dinamarquês Peter Ben Embarek disse, num documentário feito por uma televisão do seu país natal, que um funcionário do laboratório poderia ter-se infetado acidentalmente, iniciando a cadeia de contágios. Um estudo publicado recentemente, por outro lado, defende que há marcas de engenharia genética neste coronavírus - a pesquisa não foi publicada em nenhuma revista científica nem revista pelos pares.
Donald Trump foi um dos grandes responsáveis por fazer circular a tese de que a covid-19 teve origem numa fuga do laboratório de alta segurança de Wuhan, mas muitos dos que acreditam nessa tese também admitem que se tratou de um erro humano, de um contágio acidental. Nas redes sociais, no entanto, circulou a versão de que o vírus tinha sido concebido como arma biológica: a história ganhou força sobretudo quando, em maio de 2022, alguns meios de comunicação norte-americanos publicaram um alegado relatório dos serviços de informação dos EUA que dizia que três cientistas do laboratório de Wuhan tinham recebido tratamento hospitalar em novembro de 2019, pouco antes de o vírus começar a circular na cidade.
Chegou a ser relatado que Joe Biden, depois de assumir a presidência dos Estados Unidos, teria mesmo decidido terminar uma investigação aberta pelo Departamento de Estado norte-americano, responsável pelas relações internacionais, à tese da fuga laboratorial do SARS-CoV-2. Biden viria depois declarar que pediu um relatório sobre a origem da covid-19 quando chegou à Casa Branca, "incluindo se resultou de contacto humano com um animal infetado ou de um acidente laboratorial".
Já a China, sempre respondeu que as alegações de uma fuga laboratorial eram uma tentativa de difamação, sugerindo pela voz de vários altos responsáveis do governo que a covid-19 poderia ter entrado no país em carregamentos de comida congelada recebidos de países estrangeiros. "A opinião pública nos Estados Unidos tornou-se extremamente paranoica no que toca à origem da pandemia", lia-se num editorial do jornal do Partido Comunista chinês, citado pela BBC.
Os atletas norte-americanos que foram a Wuhan
Pequim sempre insistiu que a pesquisa pelas origens da covid-19 deveria ser alargada a outras nações: "Nenhum país tem o direito de colocar os seus interesses políticos à frente da ciência", chegou a apontar o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Ma Zhaxou, em conferência de imprensa sobre o assunto.
As (más) relações entre Estados Unidos e China serviram para dar alento a várias extrapolações, que foram mesmo transmitidas por via oficial: os meios de comunicação do regime chinês chegaram a levantar a hipótese de o SARS-CoV-2 ter ligação ao laboratório militar norte-americano de Fort Detrick, no Maryland, onde foi desenvolvido o programa de armas biológicas dos EUA no século passado e que atualmente se dedica à investigação de vírus como o do ébola ou da varíola.
Zhao Lijian, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, foi outro dos que deram voz, em nome do regime de Pequim, a mais uma tese sobre a origem da covid-19: nas redes sociais, veio pedir explicações aos Estados Unidos, sugerindo que teria sido o exército norte-americano a levar o vírus para Wuhan. Na altura, foi consensual que o porta-voz chinês se referia aos Jogos Mundiais Militares, que se realizam a cada quatro anos e que, em 2019, se realizaram precisamente em Wuhan, na China, durante o mês de outubro.
O Pentágono enviou, segundo o The New York Times, 17 equipas com mais de 280 atletas; no total, competiram no evento cerca de dez mil desportistas, oriundos de mais de 100 países, durante nove dias. Os primeiros casos de covid-19 só foram reportados em dezembro, mas houve atletas que garantiram ter contraído o vírus na altura, enquanto outros admitiram ter ficado doentes, com sintomas semelhantes aos do vírus, mas defendem que foi apenas uma coincidência.