China tenta salvar a economia do caos da pandemia

15 dez 2022, 07:28
China (Associated Press)

Dados de hoje mostram produção industrial a travar, mercado imobiliário a cair, procura interna a recuar e desemprego a crescer. A política de covid zero continua a fazer estragos, mas o atual período de reabertura da China também está a provocar grande incerteza

A cúpula política da China está reunida hoje e amanhã para discutir o estado da economia chinesa, enquanto se ouve o som das campainhas de alarme devido a novos indicadores económicos que revelam o enorme impacto negativo das políticas de covid zero seguidas até há uma semana.

Xi Jinping, o Politburo do Partido Comunista Chinês e altos funcionários do governo de Pequim estarão reunidos durante dois dias para discutir que medidas podem ser tomadas para alavancar a recuperação da economia chinesa - e isto, num momento de enorme incerteza e expectativa face ao desenrolar da pandemia, após a decisão de deixar para trás as restrições muito duras que estiveram em vigor durante quase três anos.

As autoridades de saúde deixaram ontem de divulgar dados sobre novas infeções por covid-19, argumentando que os números são pouco representativos desde que acabou a imposição de testagem obrigatória em laboratórios do Estado, mas ninguém duvida de que o país enfrenta um grande surto de infeções, que poderá vir a ser o mais grave desde o surgimento do novo coronavírus.

O indicador mais relevante sobre a vaga de casos é a quantidade de pessoas que têm feito longas filas à porta das “clínicas de febre”, locais montados especificamente para atender quem tem febre e outros sintomas compatíveis com covid. A corrida aos medicamentos e aos auto-testes fez com que muitas farmácias tivessem rupturas de stock, ao mesmo tempo que prospera o negócio de quem vende estes bens de primeira necessidade no mercado, a preços altamente inflacionados.

É neste cenário - e com especialistas a prever que durante o próximo mês a China assistirá à mais grave onda de covid - que se realiza a principal conferência anual de política económica do país. Em Pequim, uma das cidades onde se regista um dos mais graves crescimentos de novas infeções, e onde o sistema de saúde teme não ter capacidade para responder aos casos graves.

O vice-primeiro-ministro Sun Chunlan reconheceu que as novas infeções em Pequim estavam "a aumentar rapidamente", e a comunicação social oficial dá conta de que na capital as idas a hospitais aumentaram seis vezes na última semana e as visitas a clínicas de febre cresceram 16 vezes. Em Pequim há cerca de 50 pessoas internadas em unidades de cuidados intensivos. Mas a subida das infeções é uma tendência nacional, de Wuhan a Chengdu, passando por Xangai e pela província de Hebei, de acordo fontes médicas e a imprensa estatal.

Produção industrial trava, vendas a retalho caem

Os especialistas em economia chinesa consideram provável que a liderança chinesa defina novos estímulos à economia, que a cada semana que passa revela dados mais preocupantes. 

Esta quinta-feira, foram divulgados novos indicadores que confirmam que a economia chinesa continuou a perdeu força em novembro. Uma consequência da grande perturbação causada nas fábricas pelas políticas de covid zero, em resposta aos surtos que começaram em outubro e se agravaram em novembro. O efeito combinado dos lockdowns em muitas cidades e regiões, mais a crise no sector imobiliário chinês, e o abrandamento da procura global em cenário de pré-recessão voltou a puxar para baixo o desempenho da economia da China. 

Mesmo os indicadores positivos ficaram aquém das expectativas. é o caso da produção industrial, que cresceu 2,2% em novembro face ao mesmo mês do ano anterior, mas ficou longe do ganho esperado de 3,6%. Foi também um abrandamento significativo em relação ao crescimento de 5% registado em Outubro. Segundo a Reuters, este crescimento foi o mais lento desde maio, o que se pode explicar pela perturbação em grandes centros de produção industrial como Guangzhou e Zhengzhou, onde fica a maior fábrica de iPhones do mundo, da Foxconn, que foi um dos palcos centrais dos problemas dos últimos dois meses.

No caso concreto da produção automóvel, caiu 9,9%, depois de em outubro ter registado uma forte recuperação de 8,6%.

Os dados do Gabinete Nacional de Estatísticas apresentados nesta quinta-feira mostram também que as vendas a retalho caíram 5,9%, no meio de uma fraqueza generalizada no sector dos serviços. O desempenho das vendas a retalho é também a maior contração desde maio. Analistas ouvidos pela Reuters esperavam que este indicador diminuísse 3,7%, depois de uma queda de 0,5% em outubro. Afinal, foi bastante pior do que o pior cenário.

O setor da restauração foi particularmente afetado, tendo caído 8,4% em relação ao período homólogo. Um desempenho que conseguiu ainda agravar a situação, já má, de outubro, quando o negócio da restauração havia caído 8,1%.

Imobiliário em queda, desemprego agrava-se

Num cenário de travagem económica generalizada, agravada pelas perspectivas negativas devido à incerteza sobre a evolução da pandemia, tanto os consumidores particulares como as empresas mostram-se muito cautelosos nos seus investimentos. O que explica que a taxa de desemprego continue a subir, porque as empresas têm receio de contratar. 

Em novembro, a taxa de desemprego a nível nacional subiu para 5,7%, duas décimas de ponto percentual acima dos 5,5% de outubro. Apesar deste agravamento, o desemprego jovem registou uma ligeira descida, de 17,9% para 17,1%. A meio deste ano, o desemprego jovem chegou ao valor recorde de 20%.

Também o setor imobiliário continuou a cair em novembro, com quedas nos preços, nas vendas e no investimento. O mês passado foi o período em que o investimento imobiliário mais caiu desde que o gabinete de estatísticas começou a compilar dados em 2000: um trambolhão de 19,9% em relação ao período homólogo, que se seguiu a uma queda de 16% em outubro.

Os preços das casas novas caíram 0,2% face a outubro, a quarta queda consecutiva, e 1,6% em relação a um ano antes, a sétima queda anual.

Dezembro pode ser pior

Segundo os analistas, o governo chinês está pressionado a tomar mais medidas de incentivo da economia, nomeadamente estimulando o consumo interno. O Banco Central da China aumentou as injeções de dinheiro no sistema bancário na quinta-feira e manteve as taxas de juro dos empréstimos políticos a médio prazo, para assegurar boas condições de liquidez.

Apesar disso, "os dados de dezembro podem ser ainda piores”, prevê Alicia Garcia-Herrero, economista chefe da Ásia-Pacífico na Natixis. Embora considere que a China está a chegar “ao fim do túnel”, esta analista está “à espera de um grande colapso na produção industrial em dezembro. Esta será a consequência imediata da abertura [pós covid zero]".

O governo chinês previa um crescimento anual de 5,5% em 2022, mas os economistas estimam que o crescimento da China não irá além dos 3% este ano, podendo até ficar aquém deste valor. A ser assim, será um dos piores desempenhos do país no último meio século.

Razões de sobra para todas as atenções se centrar na Conferência Anual de Trabalho Económico Central, quando os líderes chineses deverão definir a trajetória económica para o próximo ano.

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