Um GIF não é um emoji nem um sticker. Em inglês mal traduzido é a sigla para “formato gráfico em intermudança”. Para os utilizadores de redes sociais, um GIF é um clip breve de uma cena habitualmente cómica, cerca de oito segundos, que se repete incessantemente.
Nas comunicações por escrito entre a presidente da TAP e o Governo, um secretário fez uso dos primeiros (🙂), ainda que sejam os segundos a ilustrar o episódio de melhor maneira. É que o Governo, apesar de não ter graça nenhuma, não se cansa de repetir os mesmos erros, os mesmos comportamentos, o mesmo filme. Hugo Santos Mendes enviou um cortês smile a Christine Widener, mas para compreender verdadeiramente a saga da nacionalização é preciso mais do que tipografia. É preciso rever momentos, padrões, escolhas.
Como um GIF repetido vezes sem conta, já todos conhecemos a história, já todos sabemos o que acontece, até o timing em que acontece, sendo irresistível voltar a ver. Ver mais uma vez ‒ e outra ‒, sentir a ansiedade de confirmar a imagem que sabemos inevitável, esperar o segundo em que o movimento ocorre exatamente como temos a certeza que ocorrerá. Não para soltarmos o sorriso interior de quem vê parvoíce alheia, porque 3,2 mil milhões de euros não são brincadeira nenhuma, mas para interiorizarmos definitivamente o que a repetição automática já intui: o Governo não tem emenda.
Num primeiro tempo, o Governo repete-se porque o Governo se desmente. A princípio Pedro Nuno não sabia de nada, depois sabia da saída e não da indemnização, depois da indemnização e não do valor e afinal do valor e de tudo o resto. O conhecimento de Medina, se examinarmos ao pormenor, também flutuou entre o primeiro comunicado, a primeira conferência de imprensa e a primeira ida ao parlamento sobre o caso de Alexandra Reis. Foi sabendo coisas diferentes, em graus diferentes, em momentos diferentes.
É, portanto, um Governo como uma relação itinerante com a verdade sobre si próprio, o que levanta um batalhão de questões sobre tudo o resto que nos diz sobre matérias estruturais como Orçamentos do Estado (recheados de metas falsas e futuros “brilharetes”), ajudas extraordinárias e demais promessas políticas. Depois disto, afinal, de que valem?
Num segundo tempo, o Governo repete-se porque o ministro das Finanças apresenta novamente duas caras. Uma de cauteloso executivo, dedicado a contas certas e gravatas monocromáticas; outra de dissimulação e pouca fiabilidade pessoal. Do mesmo modo que pediu esclarecimentos à TAP ao lado de Pedro Nuno Santos para dias depois demitir Alexandra Reis à margem de Pedro Nuno Santos, Fernando Medina sugeriu a Christine Widener que se demitisse “para proteger a sua carreira” 24 horas antes de anunciar a sua demissão sem o seu conhecimento, marimbando para a sua carreira.
O gesto, justificado ou não, legal ou não legal, é de uma perversidade que causa calafrios e que colará para sempre uma pergunta na testa do ministro: com qual dos Medinas estamos a falar? E algum deles é de confiança?
Num terceiro tempo, o Governo repete-se porque esta dissimulação é geral. Do mesmo modo que o Ministério das Infraestruturas que pediu esclarecimentos à TAP a seguir sentou o seu secretário de Estado a escrever esses esclarecimentos, o PS mandou auditar a TAP mas reuniu-se secretamente com a sua CEO antes de a questionar no parlamento. Que o deputado Carlos Pereira, recorrente comic relief da maioria, se tenha disponibilizado não é surpresa. Que permaneça membro da comissão de inquérito depois de contornar ativamente a sua missão é uma infâmia.
Mas nesse terceiro tempo, nesse derradeiro GIF por assim dizer, há uma repetição mais grave do que a irresponsabilidade ‒ ou mesmo inconsciência ‒ de um deputado. Insistindo na alegoria, Pereira não é mais do que um emoji no meio da anedota. É preciso ver o filme. Rever a cena. Se há coisa que a Inspeção-Geral de Finanças, o primeiro-ministro e o Presidente da República subscrevem em uníssono é que o Ministério das Infraestruturas não podia ter decidido o que decidiu (meio milhão de euros para afastar uma administradora) como decidiu (por WhatsApp, sem dar cavaco a ninguém).
Ora, o mais trágico da audiência de Christine Widener é que ficámos a saber que o Governo e esse Ministério continuam a funcionar exatamente da mesma maneira depois de terem provocado cinco demissões (Reis, Santos, Mendes, Beja, Widener) e milhões de euros de prejuízo ao erário público. Não mudou nada; não aprenderam nada. A tal reunião subversiva entre a CEO da TAP e membros da bancada e do Governo do PS foi orquestrada entre as Infraestruturas, os Assuntos Parlamentares e o grupo parlamentar.
Finanças? Nada.
Pecado original? Repetido.
Se não é um GIF, é o quê?