Exercícios militares: o plano implacável da China em Taiwan (análise)

CNN , Brad Lendon
5 ago 2022, 16:31
China faz testes militares (AP Photo/Huizhong Wu)

Exercícios não são uma reação rápida à controversa visita de Pelosi, dizem analistas: eles fazem parte de um plano implacável, que dura há anos, para colocar Taiwan sob o controlo de Pequim

Os exercícios militares da China em torno de Taiwan esta semana visam enviar uma mensagem aguçada aos governos de Taipé, Tóquio e Washington, de que só Pequim manda no Estreito de Taiwan, de acordo com analistas.

Especialistas sugerem também que o anúncio dos exercícios, feito pouco depois de a Presidente da Câmara [dos Representantes] dos EUA, Nancy Pelosi, ter aterrado em Taipé na terça-feira, não foi uma reação rápida à sua controversa visita - pelo contrário, os exercícios fazem parte de um plano implacável, com a duração de anos, para colocar Taiwan sob o controlo de Pequim.

A viagem de Pelosi à ilha - uma democracia de 24 milhões que o Partido Comunista Chinês considera como o seu território, apesar de nunca o ter controlado - limitou-se a fazer com que a questão de Taiwan fosse notícia, disseram os analistas.

"Foi isso que Nancy Pelosi realmente conseguiu, aumentando a consciência global da campanha de coerção militar sustentada da China contra Taiwan que tem vindo a decorrer há mais de uma década", diz Drew Thompson, investigador sénior visitante da Lee Kuan Yew School of Public Policy da Universidade Nacional de Singapura.

"Eles fazem isto todos os anos", realça Thompson, sobre os exercícios chineses. "A diferença este ano é que estamos a prestar atenção".

Reacção em Taipé, Tóquio e Washington

O governo de Taipé está certamente em alerta, anunciando esta sexta-feira que vários navios de guerra e jatos chineses tinham atravessado a linha mediana -- o ponto intermédio entre o continente e Taiwan, que Pequim diz não reconhecer mas normalmente respeita.

Depois de a China ter lançado mísseis balísticos sobre a ilha na quinta-feira, o Presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, prometeu "defender firmemente a nossa soberania e segurança nacional, e manter a linha de defesa da democracia e da liberdade".

Esses mísseis chamaram também a atenção do Japão. Cinco deles caíram dentro da Zona Económica Exclusiva do Japão, área do oceano onde um país goza de direitos especiais sobre recursos como a pesca e a exploração mineira sob o fundo do mar.

O primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, disse que os simulacros chineses eram "uma questão séria em relação à segurança do nosso país e do seu povo". E apelou à sua paragem imediata, dizendo que o Japão irá trabalhar com o seu aliado mais próximo, os Estados Unidos, "para manter a estabilidade no Estreito de Taiwan".

Entretanto, o Secretário de Estado norte-americano Antony Blinken, falando na reunião ministerial ASEAN-EUA no Camboja, disse: "Espero muito sinceramente que Pequim não produza uma crise ou procure um pretexto para aumentar a sua acção militar agressiva".

Mas em Washington, a linha oficial é a de que as ações de Pequim não constituem uma surpresa.

"Previmos que a China poderia tomar medidas como esta - de facto, descrevi-as para vós com algum pormenor ainda no outro dia", disse John Kirby, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, aos repórteres na Casa Branca na quinta-feira. "Esperamos também que estas ações continuem e que os chineses continuem a reagir nos próximos dias".

Isolamento de Taiwan

Ao visitar Kishida na sexta-feira, Pelosi disse que Pequim estava a tentar "isolar" Taiwan.

Os exercícios da China foram concebidos para praticar exatamente isso, diz Carl Schuster, um antigo diretor de operações do Centro Conjunto de Informações do Comando Pacífico dos EUA no Hawaii.

"A China (está a mostrar que) pode bombardear Taiwan com mísseis e isolá-la do apoio externo e afetar o comércio aéreo e marítimo através do Estreito de Taiwan e à volta de Taiwan", afirma Schuster.

Este tem sido há muito o plano de Pequim, e os exercícios desta semana são apenas a manifestação de pelo menos meses de planeamento e anos de política, dizem os peritos.

"Um exercício desta dimensão, alcance e complexidade não pode ser planeado e as forças preparadas em duas semanas", explica Schuster, referindo-se ao período que se seguiu aos rumores sobre a viagem de Pelosi à ilha.

Segundo diz, os contornos dos exercícios militares chineses foram provavelmente decididos há um ano e a maioria das ações estabelecidas até abril.

Partes dos exercícios, como os múltiplos lançamentos de mísseis balísticos, poderão ter sido acrescentadas nas últimas semanas, uma vez que a logística dos mesmos não é tão complicada como, por exemplo, a criação de um bloqueio naval, que Pequim disse ser um dos seus pontos de treino nos exercícios.

Exercícios "para intimidar os EUA e o Japão"

Schuster observa também que os exercícios são maiores do que os que a China organizou nos anos anteriores.

"Esta atividade de exercício alargada tem um terceiro objetivo - intimidar os EUA e o Japão - ambos indicaram o seu apoio a Taiwan", diz.

"Se olharmos para a retórica de janeiro a abril, (o Presidente chinêsm Xi Jinping) e companhia estavam a intensificar as críticas aos EUA e ao Japão, este último ao longo das recentes declarações de apoio a Taiwan e ao seu aumento das despesas com a defesa".

O Livro Branco da Defesa do Japão de 2022, um olhar anual sobre a sua política de segurança publicado em finais de julho, apelou a Pequim em termos inequívocos. "A China continua a mudar unilateralmente ou a tentar mudar o status quo através da coerção no Mar da China Oriental e no Mar do Sul da China", diz o Livro Branco. "Além disso, a China deixou claro que não hesitaria em unificar Taiwan pela força, aumentando ainda mais as tensões na região".

Num discurso virtual a um grupo de reflexão taiwanês em dezembro último, o falecido ex-Primeiro-Ministro japonês Shinzo Abe disse que uma invasão armada de Taiwan constituiria um grave perigo para o Japão. "As pessoas em Pequim, em particular o Presidente Xi Jinping, nunca deveriam ter mal-entendidos ao reconhecerem isto", disse Abe.

Talvez Pequim não estivesse a ouvir ou simplesmente não se importasse. Os exercícios - particularmente o lançamento de mísseis que aterraram na ZEE do Japão - mostram isso, dizem os especialistas.

"Eles validaram as preocupações de Shinzo Abe de que uma emergência em Taiwan é uma emergência japonesa e uma emergência para a aliança EUA-Japão", afirma Thompson, da Universidade Nacional de Singapura.

E essa emergência pode esperar-se que continue. Trazer Taiwan para o controlo de Pequim é um alicerce da política chinesa.

Na sexta-feira, a China continuou os seus exercícios e a sua intimidação militar sem abrandar.

O primeiro-ministro de Taiwan, Su Tseng-chang, reconheceu que os exercícios estavam a ter o efeito desejado por Pequim, mostrando como pode controlar o Estreito de Taiwan.

"O malévolo vizinho do lado fletiu os seus músculos à nossa porta e sabotou arbitrariamente (um dos) cursos de água mais movimentados do mundo com exercícios militares", conclui.

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