Ter fobia à calma

22 set 2023, 17:09
Roger Schmidt no Benfica-Salzburgo (MIGUEL A. LOPES/Lusa)

«Quem é que defende?», o espaço de opinião de Sofia Oliveira no Maisfutebol

O diagnóstico chegou pelas mãos de David Jurásek, a 10 de Julho de 2023. A contratação do lateral-esquerdo checo ao Slavia de Praga, por uns sonantes 14M€, dizimou todos os vestígios que deixavam em aberto a hipótese de Roger Schmidt estar a controlar a sua fobia à calma.

Ainda que envolto no culto da verticalidade, que lhe permitiu encaixar no grupo Red Bull, a verdade é que parte do sucesso de Roger Schmidt no Benfica, na época 2022/23, dependeu de jogadores marcadamente reconhecidos pela pausa que oferecem ao jogo. Não há quem usufrua de olhos que leiam e ouvidos que oiçam e escape à fatalidade das críticas sobre os demasiados passes para o lado e a falta de intensidade de Florentino Luís, Álex Grimaldo ou João Mário. Contudo, todos foram determinantes no sucesso de um treinador apaixonado pela aceleração. Aliás, o entendimento entre Grimaldo e João Mário, à esquerda, chegou a ser um dos melhores argumentos no sistema do técnico alemão, sendo que Fredrik Aursnes também se associava bem com Grimaldo quando pisava aquelas zonas.

Com Grimaldo a esgotar o último ano de contrato, após uma das melhores épocas da sua carreira, pairava no ar a curiosidade em relação ao perfil que Roger Schmidt privilegiaria para substituí-lo. No fundo, o que se pretendia descortinar era se o encontro com Grimaldo havia sido um mero acaso, fruto do estatuto e da falta de soluções que beliscassem a qualidade do espanhol, ou se o talento de Grimaldo levara Schmidt a questionar-se sobre o equilíbrio entre a vertigem e a pausa.

O diagnóstico chegou pelas mãos de David Jurásek, a 10 de Julho de 2023. A contratação do lateral-esquerdo checo ao Slavia de Praga, por uns sonantes 14M€, dizimou todos os vestígios que deixavam em aberto a hipótese de Roger Schmidt estar a controlar a sua fobia à calma. Acreditar que o melhor jogador do campeonato podia ser substituído por um cavalo de corrida não foi só um acto de amadorismo por parte de Schmidt, foi, também, ignorar por completo o que de bom lhe trouxe ter podido contar com características individuais menos valorizadas por si.

Além das evidentes dificuldades técnicas de Jurásek, que nunca o ajudariam a executar, mesmo que se destacasse a pensar o jogo, é pela passada larga e pela velocidade a atacar o espaço que chama a atenção, sobretudo se lançado pelos colegas de equipa, já que a sua fraca relação com a bola não lhe traz grandes benefícios quando opta pela condução. Logo, o diagnóstico não só prova que os sintomas de Roger Schmidt estavam somente a ser mascarados por Grimaldo, como atesta que o treinador do Benfica ficou muito longe de depreender o impacto positivo que Grimaldo teve na saúde do seu futebol. Não se assistia a uma troca tão desrespeitosa desde o dia em que o Klopp achou que o Darwin podia fazer de Mané sem que a equipa se ressentisse disso.

No meio-campo, Florentino viu-se ultrapassado por Kökçü e João Neves é, hoje, o substituto de Enzo Fernández. Sem que se levantem dúvidas a respeito do talento da nova dupla e sendo evidente que Kökçü e João Neves representam perfis distintos, abre-se a discussão acerca da complementaridade, porque se tocam em vários pontos. Nem Kökçü, nem João Neves são médios de equilíbrio ou particularmente resistentes às soluções que identificam mais à frente por oposição a manter a bola. Ambos preferem o risco da precipitação à serenidade da circulação, tal como Roger Schmidt. Só que um dos maiores desafios de jogar à pressa é que isso exige uma tremenda qualidade individual, tanto na interpretação do jogo, como na execução. Embora, nos estádios, o público se manifeste sempre que o futebol não se parece com Flippers, a verdade é que a velocidade dificulta.

Quanto mais se falha, mais vezes se expõe a equipa, porque ela não anda junta, vê-se partida. João Neves até mostra competências para cobrir espaços largos em transição defensiva, mas Kökçü sofre mais do que sofriam Florentino ou Enzo. A atacar, quando aparecia baixo, Enzo não arriscava tanto no passe, percebia melhor quando podia fazê-lo e, fazendo-o, aplicava uma execução fora-de-série - lá está, falhando menos, expondo menos a equipa.

O passe para o lado, que pode ser tão importante quanto um que quebre linhas, está, agora, em vias de extinção no colectivo do Benfica. Frente ao Salzburgo, o caos pautou os 90 minutos, porque o Benfica encontrou um dos adversários mais apressados da Europa, que se sente confortável com o jogo partido. De facto, o público do Estádio da Luz assistiu a uma empolgante partida de Flippers. Mesmo em inferioridade numérica desde os 13 minutos, o Benfica teve mais oportunidades de golo e mais bola, mas nunca, em posse, priorizou o controlo, procurou congelar o ritmo. Claro que a expulsão de António Silva complicava a tarefa, tal como a ansiedade de andar atrás do resultado. Ainda assim, basta compreendermos o ascendente do Benfica para concluirmos que as contingências não explicam tudo, pois ao Benfica não faltou iniciativa, o que pressupõe que a partir dela poderia ter feito outra coisa.

Esta época, a fobia à calma já tinha estado perto de atraiçoar Roger Schmidt. Primeiro, em Barcelos. Depois, em Vizela. Dessas vezes, foram os resultados a mascarar os sintomas, mas o diagnóstico já não engana.

«Quem é que defende?», o espaço de opinião de Sofia Oliveira no Maisfutebol

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