«Quem é que defende?», o espaço de opinião de Sofia Oliveira no Maisfutebol
Logo após o final do jogo entre SC Braga e Sporting, o povo, de foices em punho, procurou algo ou alguém que justificasse o empate.
Estava na rua o velho costume de transformar 90 minutos de múltiplas incidências numa frase que fizesse rolar cabeças, mesmo depois de um encontro com duas partes tão distintas.
Nomear culpados sem olhar às dinâmicas colectivas é um passatempo que atrai milhares todas as épocas, uma vez que é mais fácil constatar que foi Daniel Bragança a cometer a falta que viria a originar o golo de Álvaro Djaló do que entender que, nessa altura, a equipa de Rúben Amorim, por opção estratégica do treinador, já passava mais tempo em organização defensiva dentro do seu meio-campo do que em organização ofensiva no meio-campo contrário.
Questionar a entrada de Daniel Bragança, tendo em conta o seu perfil individual, para ajudar ao exercício colectivo dessas tarefas é legítimo, apontá-lo como culpado do empate dá direito a levar com um gato morto na cara até que ele mie.
Uma equipa que, a vencer pela margem mínima, opta por conceder a iniciativa e se vai afundando no terreno, coloca-se à mercê da qualidade colectiva do adversário, da qualidade individual do adversário e até das várias contingências mais aleatórias presentes num jogo de futebol.
Ainda que o Sporting tivesse sabido controlar os ataques do SC Braga - tendência que se manteve com Daniel Bragança em campo -, não deteve o momento de inspiração de Álvaro Djaló, que fez esquecer as sérias dificuldades que a equipa de Artur Jorge teve em ameaçar a baliza de Adán, na segunda-parte.
Na conferência de imprensa, Rúben Amorim surgiu sem foice na mão, preparado para desinflamar o ambiente. «Definimos mal. Foi aí que ficou decidido o jogo», explicou, coberto de razão.
Enquanto, na primeira-parte, faltou ao Sporting definir melhor com menos espaço, na segunda, tendo saído mais em transições ofensivas, faltou definir melhor em campo aberto.
Desde a temporada passada que Rúben Amorim aborda a falta de capacidade de definição dos seus jogadores em lances de potencial perigo (Sarabia deixou saudades, em Alvalade) e o encontro em Braga foi mais um excelente exemplo da percepção da importância da tomada de decisão na história de um gato morto e de uma partida de futebol.
De seguida, analiso nove jogadas que vão ao encontro das declarações do técnico do Sporting.
JOGADA 1
1. Diomande, pressionado por Bruma, encontra a largura oferecida por Esgaio, já com Adrián Marín a saltar para pressionar o lateral-direito do Sporting2. Enquanto Pedro Gonçalves perscruta o espaço deixado por Adrián Marín, arrastando Vitor Carvalho consigo, Gyökeres faz o contra-movimento, mostrando-se em apoio a Ricardo Esgaio3. Gyökeres trabalha de costas sobre Niakaté, consegue colocar-se de frente para o jogo e fica com a possibilidade de lançar Pedro Gonçalves4. O ponta-de-lança do Sporting perde o timing do passe e Pedro Gonçalves, apercebendo-se de que está em posição irregular, desiste do lance
JOGADA 2
1. Gonçalo Inácio encontra o apoio frontal oferecido por Paulinho, que leva consigo José Fonte2. Paulinho enquadra Nuno Santos, já com Gyökeres a atacar a profundidade, mostrando-se como solução de passe3. Tendo ganhado a posição, Gyökeres fica em vantagem para definir, porque Ricardo Esgaio aparece sozinho vindo de trás. Mais difícil seria a finalização, já que Matheus está bem posicionado para fechar a baliza
4. O ponta-de-lança do Sporting direciona mal o passe e o lance perde-se5. Repare-se onde é que Ricardo Esgaio vai buscar a bola, tendo em conta a força colocada por Gyökeres no passe
JOGADA 3
1. Paulinho rouba a bola a Vitor Carvalho na fase de construcção do SC Braga e a bola acaba por sobrar para Morita, que está de frente para o jogo2. Gyökeres, lançado por Morita, conduz a jogada de 3x3 até fixar José Fonte e Niakaté3. O ponta-de-lança do Sporting direciona mal o passe para Pedro Gonçalves e o Sporting perde a vantagem4. Repare-se onde é que Pedro Gonçalves vai buscar a bola
JOGADA 4
1. O Sporting coloca critério desde trás, circulando entre Adán, Diomande, Ricardo Esgaio e Hjulmand, mesmo com os jogadores do SC Braga adiantados na pressão2. Hjulmand encontra Pedro Gonçalves entre-linhas, que abre à largura para Nuno Santos, enquanto Gyökeres já inicia a diagonal de dentro para fora, de forma a poder ser solução ao ala esquerdo do Sporting3. De primeira, Nuno Santos solicita a profundidade oferecida por Gyökeres
4. O passe de Nuno Santos sai com demasiada força e Matheus mostra-se sagaz a controlar o lance, chegando primeiro à bola
JOGADA 5
1. O Sporting opta pelo jogo directo, com Gonçalo Inácio a procurar Gyökeres através do passe longo2. A recepção do ponta-de-lança do Sporting, com o peito, é boa, dando-lhe a possibilidade de encarar Niakaté e de deixar a equipa numa situação de 2x23. Contudo, a recepção acaba por ser incompleta, já que Gyökeres perde o controlo da bola quando a bola, vinda do peito, lhe toca no pé. Nesses segundos, o ponta-de-lança do Sporting perde o melhor timing para encarar Niakaté4. Repare-se no impacto que uma recepção deficiente pode ter na recuperação do adversário
JOGADA 6
1. O Sporting colocou critério desde trás, circulando entre Diomande, Coates e Gonçalo Inácio2. Gonçalo Inácio, pressionado por Ricardo Horta, encontra Hjulmand entre-linhas3. Hjulmand ganha a posição perante Vitor Carvalho, enquadra-se e liberta a bola em Marcus Edwards4. Gyökeres e Pedro Gonçalves procuram, em simultâneo, a bola no pé
5. É Gyökeres quem fica com a bola, mas percebe-se, pela postura corporal de Marcus Edwards, que o extremo do Sporting queria fazer a bola chegar a Pedro Gonçalves6. A recepção sai mal a Gyökeres7. Depois de Gyökeres perder o controlo da bola, Vitor Carvalho ganha tempo para chegar àquele espaço e tira dali a bola, chutando-a para longe
JOGADA 7
1. Niakaté vê-se obrigado a adiantar-se no terreno, depois do passe de José Fonte2. Marcus Edwards adianta-se para dividir aquela bola com Niakaté, sendo que o central do SC Braga chega primeiro e conduz naquele espaço3. No momento de libertar a bola, Niakaté falha o passe, seguindo-se vários ressaltos em Diomande, Morita e Niakaté4. Caprichosamente, a bola fica nos pés de Ricardo Esgaio, que lança Marcus Edwards em campo aberto. Recorde-se de que Niakaté se tinha adiantado no terreno5. Marcus Edwards conduz a bola, enquanto Gyökeres procura o lado cego de Vitor Carvalho, recuado para compensar a ausência de Niakaté, antes da diagonal curta que lhe permita ser opção para receber o passe do extremo do Sporting
6. O passe de Marcus Edwards e a diagonal de Gyökeres correm bem, mas a qualidade da acção de Matheus, capaz de ler as intenções dos jogadores do Sporting, dificulta a finalização do ponta-de-lança7. A sagacidade com que Matheus sai dos postes e a qualidade da mancha sobre Gyökeres são assinaláveis, roubando tempo e espaço à acção de finalização do ponta-de-lança do Sporting
JOGADA 8
1. Bruma, pressionado por Ricardo Esgaio e Daniel Bragança, perde a bola 2. A bola ressalta do peito de Marcus Edwards para Gyökeres, permitindo ao Sporting ficar com a posse no meio-campo ofensivo3. Gyökeres conduz em situação de 3x3, tendo Pedro Gonçalves a pedir no pé e Marcus Edwards à procura do espaço, em cobertura ofensiva4. Marcus Edwards, que está a atacar o espaço, recebe o passe de Gyökeres para as suas costas e o lance perde-se
JOGADA 9
1. José Fonte procura o passe longo para Abel Ruiz, mas Coates, de cabeça, deixa a bola para Morita2. Morita ganha a posição perante Ricardo Horta, enquadra-se e encontra Pedro Gonçalves entre-linhas
3. Pedro Gonçalves conduz a bola numa situação de 3x3, tendo Gyökeres e Marcus Edwards em cobertura ofensiva4. Niakaté salta na pressão a Pedro Gonçalves e o médio do Sporting não consegue driblar o defesa-central do SC Braga, perdendo a posse de bola
Apontar qualquer um destes lances como culpado do empate faz mais sentido do que defender que, se Daniel Bragança não tivesse entrado, o Sporting teria vencido o jogo. Deixem lá estar o gato em paz.