«Quem é que defende?», o espaço de opinião de Sofia Oliveira no Maisfutebol
Ainda engolia em seco face à criatividade que Fernando Santos decidira juntar no primeiro 11 do Campeonato do Mundo do Catar e já pairava no ar aquele cheirinho a cagufa. Sabem? Aquele odorzinho que hoje emana de junto das caixas de supermercado ou que qualquer treinador liberta depois de vencer ou empatar contra o FC Porto? A cagufa só tem um aroma, mas várias formas. Podes ter cagufa do preço do avio mensal, cagufa de que o Luis Gonçalves te avie duas bolachadas, cagufa de juntar muitos jogadores criativos no mesmo 11 e por aí adiante. No dia da estreia no Mundial, cheirava a cagufa porque Fernando Santos ia jogar com quatro números 10: Bernardo Silva, Bruno Fernandes, Otávio e João Félix. Eu sei que não se deve gozar com a cagufa dos outros e que cada um tem o direito de pôr a cagufa onde quiser, mas:
- Alínea a) Isto é gente que acha que a agilidade e a qualidade técnica só cabem na posição 10. Por elas, o Neuer devia ter sido médio-centro e as baratas deviam pertencer à classe das aves, porque também voam. O Bernardo, o Bruno, o Otávio e o João não são jogadores do mesmo perfil, sendo que, em algumas características, estão quase nos antípodas. Por exemplo, o Bruno, em 20 acções no último terço, tentará, na maioria, visar a baliza ou arriscar no passe; o Bernardo, por sua vez, optará por guardar a bola, por procurar combinar. O Bruno perde influência longe da baliza adversária, o Bernardo marca diferenças em zonas mais recuadas - enquanto responsável por ligar construcção e criação (Otávio também pode fazê-lo). Dos quatro, não há nenhum que tenha os recursos de João Félix em espaços curtos;
- Alínea b) Ter cagufa de juntar estes quatro é de gente que nunca teve cagufas com que se preocupar, como a de abordar um dérbi com Idrissa Doumbia, Yannick Bolasie, Rafael Camacho e Luiz Phellype. Certo, Jorge Silas?
Surge esta memória, de raros tempos em que fui defensora das escolhas de Fernando Santos, a propósito de uma outra comparação, a que opõe Marcus Edwards e Rafa. Mas só opõe no sentido de “pôr em frente”, já que, tenho ouvido, são jogadores semelhantes. Para muitos, Marcus Edwards é o Rafa do Sporting. Gonçalo Ramos era o Müller do Benfica. Um escadote é um elevador com degraus. Não. Constatar que jogadores diferentes apresentam uma ou duas características similares não os torna jogadores parecidos. Lá porque, com Nélson Veríssimo, Gonçalo Ramos jogava atrás de uma referência ofensiva, tal como Müller no Bayern de Munique, estamos perante jogadores do mesmo perfil? Ambos são abnegados no processo defensivo, ambos sabem atacar o espaço e gerar espaços, trabalhar sobre a linha defensiva contrária. Mesmo colocando de lado a qualidade com que executam as suas missões, o Gonçalo não se diferencia jogando de costas para a baliza, a envolver-se com os colegas, no passe, na busca por quem está em melhores condições para receber, na definição. Se quiserem, na capacidade de simplificar em zonas congestionadas. Gonçalo Ramos, ao contrário de Müller, não se destacava em nada do que fazia quando Nélson Veríssimo lhe entregou a posição de segundo-avançado.
No que toca à comparação entre Edwards e Rafa, também há mais diferenças do que semelhanças. Ambos são ágeis, ambos arriscam em situações em que não há vantagem, ambos são rápidos a conduzir a bola e velozes sem ela (Rafa mais do que Edwards). Contudo, estas descrições cabem em milhares de jogadores. Rafa, ao contrário de Edwards, não é forte no drible, acrescenta pouco à equipa se andar a receber aberto. Edwards, ao contrário de Rafa, não se sente tão confortável sendo solicitado no espaço, acrescenta pouco à equipa se não receber no pé. Edwards necessita de melhorar na definição, mas, em relação a Rafa, é superior. Edwards sabe dar opções em zonas de finalização, mas, em relação a Rafa, é inferior. Edwards arranja soluções em espaços curtos, Rafa é um jogador que se destaca, sobretudo, quando há espaço. Na busca da resolução de problemas, Edwards recorre mais aos companheiros do que Rafa. Lá está: quase nos antípodas em alguns aspectos, mesmo que ambos sejam desequilibradores. Mas também não o é Bernardo Silva? É nas especificidades das características que se encontram as diferenças, no entendimento das preferências do “como” e “onde”.
Para não terminar a cheirar a cagufa, respondo à pergunta que vos vai na cabeça desde que leram o título. Se tivesse de escolher um? Escolhia Marcus Edwards.