O que podemos aprender sobre saúde mental com a paragem de Simone Biles

CNN , Madeline Holcombe
14 ago 2023, 09:00

Simone Biles afastou-se da ginástica “corrosiva” para se dedicar à saúde mental. Agora está de volta. Psicóloga clínica partilha lições sobre o caso.

A pausa para tratar da saúde mental parece ter feito bem à ginasta campeã Simone Biles.

A quatro vezes vencedora da medalha de ouro olímpica regressou à competição após um hiato de dois anos, conquistando o primeiro lugar no Core Hydration Classic, a 5 de agosto.

“Trabalhei muito comigo mesma, ainda faço terapia semanalmente, e tem sido muito emocionante chegar aqui e ter a confiança que tinha antes”, disse Biles em entrevista à CNBC após o evento em Hoffman Estates, Illinois, nos EUA.

No tempo que passou desde que ela se retirou de vários eventos durante os Jogos Olímpicos de Tóquio em 2021 – por causa dos “twisties”, um bloqueio mental que faz com que os ginastas percam a noção de sua posição no ar -, Biles tornou-se uma defensora da prioridade da saúde mental.

Chloe Carmichael, psicóloga clínica sediada em Nova Iorque, EUA, e autora do livro “Nervous Energy: Harness the Power of Your Anxiety” (à letra, “Energia Nervosa: Aproveite o Poder da sua Ansiedade”), partilha o que podemos aprender com a pausa de Biles.

Esta conversa foi ligeiramente editada e condensada para efeitos de maior clareza.

Simone Biles no fim de semana passado, no seu regresso à competição.

 

CNN: O que é que podemos aprender com a pausa de Simone Biles a nível da saúde mental?
Chloe Carmichael:
Penso que o seu forte desempenho valida a sabedoria da sua retirada e da sua pausa. Parece que ela realmente usou esse tempo para recarregar as baterias e que a pausa esteve ao serviço do seu crescimento como atleta e como profissional, que foi o que ela anunciou.

Agora, ela está a demonstrar que, segundo a sua própria opinião, está no sítio certo para ter um bom desempenho. E a prova está no seu desempenho.

CNN: Este tipo de paragem é para toda a gente?
Carmichael:
É importante que encontremos o equilíbrio correto. Quando se trata de um atleta profissional, estamos a falar de alguém que provavelmente não tem falta de autodisciplina. Quando alguém que tende a pecar por excesso de disciplina e exagero sente que precisa de se afastar e fazer uma pausa, isso é um sinal de maturidade.

Não tem de ser uma pessoa com grande visibilidade. Algumas dessas pessoas de alto desempenho são mães de família. São pessoas comuns do quotidiano, mas são pessoas com um elevado nível de consciência, autodisciplina e motivação pessoal.

Há pessoas que, para a sua saúde mental, precisam de aprender a desenvolver aquilo a que chamamos 'capacidades de tolerância à frustração'. Desenvolver a resiliência e aprender a permanecer na aula de ginástica mesmo quando estamos a suar e nos sentimos desconfortáveis é bom para a nossa saúde mental.

Há outras pessoas que tendem mais para o lado da falta de autodisciplina e podem ser seduzidas por uma moda de fazer uma pausa na saúde mental. O que é bom para a sua saúde mental, o que pode ser mais produtivo, é aprender a manter-se empenhado e a ultrapassar sentimentos de desconforto.

Temos de nos desafiar e superar o stress para crescer. O exemplo mais simples é quando estamos a levantar pesos: levantar pesos quando os músculos tremem - é quando se está a crescer.

Claro que há um espectro e podemos até ter domínios diferentes na vida. Talvez no trabalho estejamos sempre a esforçar-nos demasiado e precisemos de aprender a fazer uma pausa, mas nas relações somos sempre os primeiros a desistir.

CNN: Como é que se sabe se é preciso fazer uma pausa na saúde mental?
Carmichael:
Não creio que haja uma fórmula definida.

Em primeiro lugar, aconselho-o a perceber "qual é a minha tendência?". Quando olhamos para a faculdade, para o trabalho, para o nosso historial de relações ou para a nossa casa, será que isso reflete alguém que desiste um pouco mais cedo? Sente que deixou cair muitas bolas ou houve muitas coisas de que se afastou? Quando olha para trás, diz "quem me dera não ter desistido", ou tende a olhar para trás e dizer "fiquei mesmo um pouco obcecado com aquilo"?

CNN: O que é que faz uma boa pausa?
Carmichael:
Depende de cada pessoa. Para algumas pessoas, estar com os amigos é o que realmente as alimenta. Pode planear quando estiver a terminar um grande projeto de trabalho e pensar: "Vou sair com as minhas amigas. É desse tipo de descanso que preciso". E para algumas pessoas, é simplesmente estar na cama e dormir.

Defina o seu plano de pausa desde o início e pense bem nele. Suponha que é estudante e que está a entrar num semestre cansativo na faculdade. Seria bom dizer: "OK, vai haver muitas alturas em que vou estar a trabalhar muitas horas. Vai ser desconfortável, mas vou conseguir aguentar. Não vou desistir. Mas vou reparar que, no programa de estudos, o professor indicou as datas do exame final e vou planear um retiro de ioga para imediatamente a seguir ao meu último exame".

Quando nos sentimos à beira de um colapso, certamente que fazer essa pausa mental, desculpando-nos, é a coisa a fazer. Mas o que também podemos fazer é tentar planear para não acabarmos com uma avalanche de stress que nos sobrecarrega.

Para as pessoas que têm muita força de vontade, trata-se de começar a reconhecer que o descanso não compete com a força de vontade - na verdade, apoia-a.

CNN: Existem competências que podemos aperfeiçoar para manter uma melhor saúde mental
Carmichael:
"Mindfulness" [Atenção plena]. E eu sei que é uma palavra muito vaga. Pode significar muitas coisas diferentes para as pessoas.

Fazer um ou dois minutos de mindfulness todos os dias, em que apenas observamos o nosso estado mental de base, mesmo que seja apenas para perceber que o nosso estado mental é perfeitamente normal, perceber isso, mesmo se é um pouco aborrecido.

Porque todos os dias estamos a tirar-lhe uma fotografia. E isso vai ajudá-lo a ter essa consciência quando, um dia, acordar e fizer mindfulness e pensar: "Uau, estou a reparar que a minha mente está supernervosa hoje. Estou a notar que estou muito stressado. Acho que pode ser a combinação de todos estes prazos, mais os meus amigos que vêm visitar-me, mais o facto de termos acabado as férias."

Isso prepara-o para perceber quando está a ficar desorientado.

As pessoas motivadas podem ficar tão concentradas nos objectivos e tão orientadas para a missão que uma das nossas competências é aprender a pôr de lado impulsos emocionais ou um ligeiro desconforto. Quase que nos tornamos demasiado bons nisso, ao ponto de não os registarmos até que estejam em modo de alarme de incêndio.

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