Se a sesta é revigorante, porque é que acordamos maldispostos?

21 jan, 15:00
Sono

Para ser eficaz, a sesta não deve ter mais de 30 minutos. Caso contrário corre o risco de ser afetado por uma sensação que entre os médicos se chama "inércia do sono"

A preguiça depois do almoço ou a moleza que nos invade quando estamos no sofá a ver um filme transformam-se muitas vezes numa sesta que prometemos ser de uns breves instantes. Mas muitas vezes prolonga-se e quando acordamos sentimos uma má disposição bastante contraditória ao despertar. 

Mas, se a sesta deve ser algo que nos revitaliza e nos dá energia para o resto do dia, como indica a própria expressão "power nap", porque é que nos sentimos piores do que antes de adormecer?

A explicação é simples: estamos a fazer sestas mais longas do que devíamos. "Isso acontece quando a sesta é mais prolongada, porque entramos em sono profundo e ao acordar temos mais dificuldade em estar despertos e sentimo-nos cansados e danificados", explica o especialista em medicina do sono Tiago Sá. 

A psiquiatra Marta Gonçalves afirma que uma sesta “para ser eficaz e para se acordar bem” não deve ultrapassar os 30 minutos – “um microssono recuperador”, como lhe chama. “Deve ser um passar pelas brasas porque, com este tempo, acordamos ainda em sono superficial e dá para recuperar. Caso contrário, vamos sentir uma lentidão, uma espécie de bebedeira do sono e não vamos sentir a sensação de refrescamento”, diz a também especialista em medicina do sono.

E esta sensação até tem um nome: a "inércia do sono", que o diretor clínico da Sleeplab define como "o cansaço após uma sesta mais prolongada". Já Marta Gonçalves explica ser um "acordar mais ‘grogue’". 

"Nós vamos dormir, não vamos apagar nada. O cérebro vai ligar algoritmos e fazer limpeza e entra em funções para as quais não está preparado", clarifica Anselmo Pinto, especialista do sono. Nestas sestas mais longas, o cérebro dá então início a funções para "as quais não está preparado" e, para além da interrupção do ciclo circadiano ao acordar, deixamos essas funções a meio, provocando a desagradável sensação de atordoamento.

Se tal lhe acontece, não se preocupe, porque não está sozinho. Os médicos contam que esta é uma situação "muitíssimo" comum e um tema recorrente nas consultas e  adiantam que de todas as vezes há explicações a dar aos utentes preocupados e avaliações a serem feitas.

Sabe aqueles dias em que há um jantar que se prolonga um pouco mais do que o esperado ou aquele programa de televisão que quer tanto ver e que não consegue largar mesmo sabendo que no dia seguinte tem de se levantar cedo para ir trabalhar? Ora, a sesta permite precisamente "recuperar as horas de sono perdidas" ou repor "as horas necessárias para o corpo recuperar", diz Anselmo Pinto. O grande objetivo de dormir durante a tarde é mesmo, como acrescenta Tiago Sá, "repousar e ganhar energia para o resto do dia".

Mas atenção: "A sesta é uma rotina saudável e pode ser benéfica se for curta e acontecer após o almoço com uma duração de 20 a 30 minutos. Se forem sestas mais prolongadas ou feitas mais tarde acabarão por ser prejudiciais para a noite de sono", alerta o diretor clínico da Sleeplab.

A sesta não é, no entanto, para todos. "Depende muito da pessoa", esclarece Anselmo Pinto, apontando os habitantes de países mais quentes como potenciais adeptos das sestas, já que dormir um pouco durante a tarde "favorece a adaptação ao calor". A especialista do sono Marta Gonçalves refere ainda que a sesta é benéfica para os "long sleepers", isto é, para as "pessoas que precisam de mais sono do que as outras, por norma nove ou dez horas durante a noite", o que "numa sociedade como a nossa é difícil de conseguirem".

Se sofre de insónias, por exemplo, tenha cuidado com as sestas. "Quem tem queixas para adormecer à noite deve ter atenção, porque dormir durante o dia pode ter impacto no sono à noite", avisa Tiago Sá. O especialista em medicina do sono explica que, para além do ciclo circadiano, que faz com quem estejamos mais despertos em alguns períodos do dia e menos noutros, a influenciar este processo está também aquilo a que chamam "a pressão do sono". "Durante o dia acumulamos a pressão do sono à medida que estamos acordados e, se interrompermos essa pressão com uma sesta, vamos ter mais dificuldade no processo de adormecer à noite", esclarece.

Explicações feitas. Seguem-se, durante a consulta, os procedimentos clínicos para desvendar os motivos pelos quais os clientes querem tanto fazer uma sesta - e não apenas o mero desejo de dormir. "Temos de ver porque é que a pessoa tem falta de sono, vamos ver se há privação de sono ou se há fatores psicológicos envolvidos", aponta Anselmo Pinto. "A falta de sono e a má qualidade do mesmo podem estar na origem dessa vontade de dormir, porque a noite de sono não chega para descansar", continua Tiago Sá.

A máxima "nem sempre, nem nunca" aplica-se, contudo, na perfeição às sestas, já que quando o corpo as pede é porque são mesmo necessárias e se há algo que devemos fazer é ouvi-lo. "Não há uma regra absoluta sobre o sono. A única regra importante é respeitar o corpo e o ciclo circadiano, que nos diz ‘vais dormir’ ou ‘vais ficar acordado’", garante Anselmo Pinto.

Mas, se não quer passar pela indesejável e desagradável inércia do sono, evite as sestas demasiado longas ou tardias, sendo o pós-almoço o momento "mais propenso" para o fazer, como refere Marta Gonçalves. Ativar o despertador é a dica dos especialistas, que apontam os 30 minutos como o tempo máximo ideal para uma "sesta terapêutica".

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