Jejum intermitente: um regime “totalmente contraindicado” para diabéticos, grávidas, crianças

22 nov 2021, 16:19
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Apesar do aumento da procura deste tipo de estratégia nas consultas de nutrição os especialistas salientam que o jejum intermitente “não é mais eficaz” do que outros regimes alimentares que incluem várias refeições por dia

O jejum intermitente tem conquistado cada vez mais portugueses, que recebem com entusiasmo as conclusões de estudos recentes que têm vindo a demonstrar os benefícios deste regime alimentar, nomeadamente a perda de massa gorda e o aumento do rendimento físico.

Existem, contudo, situações em que a prática do jejum intermitente está associada a um elevado risco para a saúde dos indivíduos, causando mais problemas do que as desejadas soluções.

Um regime alimentar "muito na moda" em Portugal

O jejum intermitente consiste num período de restrição alimentar, intercalado com um período em que se realizam refeições. Esse período pode variar, uma vez que existem diferentes métodos deste regime, tal como explicou à CNN Portugal a nutricionista Margarida Guerreiro:

"Há quem faça jejuns de 16 horas, outros de 18 horas. Existem depois casos de jejuns mais longos, de 24 horas, em alguns dias da semana”, adiantou.

Dos diferentes métodos de jejum intermitente, há três que se destacam: o jejum alternado de dia para dia, ou seja, 24 horas de ingestão alimentar, seguidas de 24 horas de restrição alimentar; o jejum 5:2, que consiste em comer livremente durante cinco dias da semana, seguindo-se dois dias de restrição calórica; e ainda o jejum prolongado diário de 16 horas, no mínimo.

Segundo a nutricionista Mariana Abecasis, este último método é “o mais frequente e mais em voga em Portugal”, onde se assiste a um aumento da prática deste regime alimentar por estar “muito na moda”, explicou. 

Contudo, Mariana Abecasis lembra que, “tal como em todas as modas” dietéticas, é necessário ter “cuidado” e perceber se este regime é adequado caso a caso.

O que acontece ao nosso corpo quando jejuamos?

Tendo em conta que o corpo humano está naturalmente “programado quer para se compensar depois de uma refeição, como para se auto-equilibrar num período de jejum”, a nutricionista Mariana Abecasis explica o processo metabólico decorrente tanto de uma situação como de outra.

"De uma forma simplista, quando comemos libertamos uma hormona - a insulina - que tem um efeito anabólico, ou seja, faz com que os nutrientes (não utilizados) sejam armazenados no nosso corpo para serem usados mais tarde, num período de carência, fazendo uma reserva natural no nosso corpo, sob a forma de gordura”, descreve.

Por outro lado, num período de jejum, “é libertada uma outra hormona - o glucagon/glucagina - que tem um efeito contrário à insulina”, e, portanto, “vai buscar nutrientes às nossas reservas”, disponibilizando-os depois no organismo para serem “usados como fonte de energia”.

"Nesse sentido, a hormona do jejum tem um efeito positivo no nosso organismo, uma vez que favorece a perda de gordura corporal”, frisou a nutricionista.

No entanto, Mariana Abecasis alerta para a necessidade de se encontrar um “ponto de equilíbrio” em ambas as situações, quer no período de consumo alimentar, quer no período de jejum, uma vez que, ressalva, o corpo humano “não foi feito para aguentar muito tempo sem alimento”.

Por essa razão, e de acordo com a nutricionista Rita Lopes, numa fase inicial, este é um método “bastante exigente e difícil de cumprir” e quepode causar diversas alterações de humor, irritabilidade, desidratação, desequilíbrios hidro-electrolíticos”.

Um regime “totalmente contraindicado” para diabéticos, grávidas e crianças

Apesar dos benefícios associados à prática do jejum intermitente, a verdade é que existem situações em que este regime alimentar pode representar um risco para a saúde, como explicou à CNN Portugal a nutricionista Mariana Abecasis:

"Este é um regime que está totalmente contraindicado para diabéticos, para casos de insulinorresistência e para quem tem episódios de hipoglicemia", isto é, quando os níveis de glicemia estão muito baixos - algo que é frequente quando as pessoas passam muitas hors sem comer.

"Em crianças também considero perfeitamente descabido e não aconselho. Grávidas também nem pensar”, acrescentou.

Além destas situações, a nutricionista Margarida Guerreiro acrescenta os casos de doenças inflamatórias intestinais, assentes na “dificuldade de absorção de nutrientes”, uma vez que, no período de consumo alimentar, “as pessoas podem não conseguir incluir uma variedade de nutrientes suficiente para garantir as suas necessidades”.

Há ainda uma outra situação que Mariana Abecasis considera “muito pertinente” - pessoas que não estão bem psicológica e emocionalmente ou que apresentem um histórico de distúrbios do comportamento alimentar, como a bulimia, por exemplo, uma vez que os longos períodos de restrição alimentar podem agravar a doença.

De acordo com a nutricionista Rita Lopes, este é, aliás, um “lado obscuro do jejum intermitente”, dado que, refere, este regime está “a servir de justificação para distúrbios alimentares”.

"Algumas meninas e meninos mascaram o seu distúrbio com os benefícios do jejum, colocando a sua vida em sério risco. Não é esta a mensagem que os proponentes do jejum intermitente pretendem passar, nem tão pouco deverão ser responsabilizados por tal, mas é um problema real que merece atenção e cuidado na forma como a informação é transmitida”, explicou.

Jejum intermitente “não é mais eficaz” do que outros regimes, garantem nutricionistas

Apesar do aumento da procura deste tipo de estratégia nas consultas de nutrição, tanto Margarida Guerreiro, como Ana Ribeiro e Mariana Abecasis salientam que o jejum intermitente “não é mais eficaz” do que outros regimes alimentares que incluem várias refeições por dia.

"O que interessa é o que a pessoa vai comer naquele dia”, frisou Margarida Guerreiro, lembrando a importância de manter uma alimentação saudável, mesmo neste regime.

De acordo com Ana Ribeiro, os estudos que demonstram os benefícios do jejum intermitente demonstram, aliás, que “nem sempre o jejum conduziu à perda de peso”, um dos objetivos que incentiva a procura deste regime, e, quando resultou em perda de peso, não é possível inferir se se deveu ao jejum ou à restrição calórica induzida nos participantes.

Mariana Abecasis refere mesmo que, de acordo com a sua experiência clínica, “o jejum intermitente não é uma boa forma de perder peso”.

"Nos primeiros meses pode verificar-se um diferencial de peso e de massa gorda, porque a pessoa também mudou o tipo de alimentação e reduziu um pouco o consumo calórico. Mas, a médio e longo prazo, ou de facto a pessoa muda a alimentação, ou então não é pelo número de horas que come ou que não come que vai ter mais sucesso a nível de perda de peso e de massa gorda", explicou.

Um método marcado por “vários períodos de quebra”

Na sua prática clínica, Mariana Abecasis depara-se com pacientes que começam a fazer jejum intermitente, mas que acabam por fazer “vários períodos de quebra”, muito comuns, por exemplo, durante as férias, em que as pessoas decidem parar de fazer jejum e, quando tentam retomar, já não o conseguem fazer.

"A grande maioria das pessoas que eu acompanho acabam por fazer [jejum intermitente] durante umas semanas, um mês, ou até um mês e meio, mas depois acabam por não dar continuidade”, refere. 

Há, aliás, um padrão que Mariana Abecasis já conseguiu identificar nas suas consultas: “O que eu vejo é que os homens são mais consistentes a conseguir seguir um regime de jejum do que as mulheres.”

Esta diferença pode ser justificada pelo facto de as mulheres apresentarem “um historial de saltarem de dieta em dieta”, encarando o jejum intermitente como mais uma experiência.

Foi o que fez Joana Ribeiro, que, aos 27 anos, decidiu experimentar este regime alimentar do qual já “tinha ouvido falar”. Durante cerca de um mês, começou a primeira refeição cerca de duas horas depois de acordar e a última refeição que fazia era por volta das 19h.

Apesar do número de horas em jejum, Joana considera que “não é assim tão difícil” adotar este regime alimentar, até porque, “a certa altura, o corpo habitua-se”.

"Foi de tal forma que costumava tomar o pequeno almoço assim que acordava e, a partir do momento em que experimentei o jejum intermitente, (...) deixei de conseguir comer assim que acordo”, contou.

Contudo, a jovem admite que não sentiu “efeitos negativos nenhuns”, como o cansaço, por vezes associado ao jejum intermitente, mas também não sentiu os efeitos positivos, como a perda de peso.

"O único real benefício que notei foi não ir para a cama depois de comer, pois já tinha algumas horas de jejum antes de ir dormir, e isso proporcionou-me melhores noites, um sono mais reparador”, apontou, acrescentando que, desde então, também não consegue comer muito ao jantar.

Ao fim de cerca de um mês, Joana decidiu parar de fazer jejum intermitente por “incompatibilidades” do planeamento associado ao jejum com o horário de trabalho. 

“Quando se está no regime desses, só se pode começar a comer a partir de uma determinada hora, e parar de comer a partir de certas horas, só que às vezes, no dia-a-dia, as coisas não funcionam bem assim”, afirmou, lembrando que, muitas vezes, no horário em que “supostamente tinha de começar a comer”, estava numa reunião ou em trabalho, pelo que não conseguia cumprir os horários estabelecidos.

Contudo, há quem tenha experimentado este regime alimentar e se tenha tornado "fã" em pouco tempo, como é o caso de uma paciente de Mariana Abecasis, que pediu anonimato, e que decidiu começar a praticar jejum intermitente em maio deste ano, aproveitando o facto de estar em teletrabalho para “experimentar” este método.

"Com a pandemia, (...) apesar de treinar em casa, sentia que estava sempre em esforço no sentido da alimentação, ou seja, havia várias restrições e, assim que quebrava o plano, sentia que o corpo reagia logo de forma negativa”, começou por contar.

Acompanhada por Mariana Abecasis, a jovem, de 31 anos, deu assim início a um novo plano alimentar composto por 16 horas de jejum e oito horas de consumo energético, com o almoço como primeira refeição, seguindo-se um lanche a meio da tarde e, por fim, o jantar, que tentava fazer “o mais cedo possível”, geralmente a partir das 19h.

“Os primeiros dias foram os mais difíceis”, admitiu, acrescentando que sentia “arrepios de frio” logo após fazer a primeira refeição: “eu sentia mesmo que era o corpo a reagir à comida.”

Além dos arrepios, a paciente sentiu ainda enjoos durante uma viagem que realizou logo de manhã, algo que, refere, “não é nada habitual”.

Contudo, estes sintomas apenas se manifestaram durante a primeira semana de jejum intermitente, e, a partir de então, a jovem diz sentir-se “muito bem”, tendo conseguido, aliás, “perder os últimos quilos que não conseguia perder de maneira nenhuma”.

“Acho que [o jejum intermitente] ensinou-me a ouvir melhor o meu corpo”, salientou, garantindo que continuará a seguir este regime.

Face aos sintomas que frequentemente resultam da adoção deste regime alimentar, bem como das especificidades do mesmo, a nutricionista Rita Lopes salienta que o jejum intermitente “implica uma monitorização rigorosa” com um profissional pois, caso não seja bem estruturado, “poderá comprometer o estado nutricional” dos indivíduos e “provocar carências nutricionais, como vitamínicas e minerais ou mesmo de macronutrientes (proteína, lípidos e glícidos)”.

Por isso, as nutricionistas apelam à necessidade de se fazer pelo menos uma avaliação com um profissional, para se perceber como se deve adequar a ingestão nutricional ao longo do dia, de forma a garantir que as pessoas estão a receber os nutrientes necessários face às suas necessidades.

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