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Economista e Professor Universitário

Salário mínimo a pagar IRS em 2024? Só pode ser uma operação de cosmética, ou pior

21 set 2023, 12:52

O salário mínimo poderá vir a pagar IRS já no próximo ano. É o Governo que o admite.

Em Portugal, só são tributados em sede de IRS os rendimentos do trabalho que se situam acima do “valor mínimo de existência”. Este valor, consagrado no código de IRS, é considerado como estritamente indispensável a uma vida condigna. Entende-se por vida condigna a capacidade que um ser humano tem para satisfazer as suas necessidades básicas.

Excecionalmente, nos últimos dois anos, o valor mínimo de existência tem sido igual a 10.640 euros, ou seja, catorze vezes o salário mínimo nacional de 760 euros. Para 2024, o Governo prevê acabar com esta medida-exceção. Se assim for, a fórmula de cálculo em vigor para o valor mínimo de existência corresponde a catorze vezes o valor do Indexante dos Apoios Sociais (480,43 euros, em 2023) multiplicado por uma vez e meia. Isto resulta em 10.089,03 euros. Portanto, qualquer rendimento anual de trabalho acima deste valor ficará sujeito ao pagamento de IRS.

Também está previsto para 2024 um salário mínimo mensal de 810 euros, o que corresponde a um rendimento anual bruto de 11.340 euros. Este número é superior ao valor mínimo de existência-exceção fixado para 2023 (10.640 euros) e mais distante ainda dos 10.089,03 euros, valor mínimo de existência que resulta da aplicação estrita da fórmula de cálculo consagrada na Lei.

A ideia do Governo, de querer responsabilizar fiscalmente, perante a sociedade, titulares de rendimentos tão deficitários é moralmente controversa e socialmente irracional. E ainda mais preocupante são duas das justificações que se afiguram como possíveis para esta opção aparentemente incompreensível.

Será esta escolha do Governo uma mera operação de cosmética fiscal, com o intuito de mascarar o completo desequilíbrio do quadro fiscal nacional? É preciso não esquecer que, na atualidade, mais de 40% dos trabalhadores portugueses não têm rendimentos suficientes para pagar IRS. Ao diminuir o valor mínimo de existência, o Governo aumentará em simultâneo a percentagem dos contribuintes efetivos. Será?! Se assim fosse, seria uma operação moralmente criticável, pois a base salarial de partida para as supostas operações de disfarce é altamente indigna. A operação seria de “cosmética” porque a subsidiação de apoios sociais para compensar os encargos fiscais acrescidos sobre salários brutos tão baixos acabaria por ser uma inevitabilidade.

A segunda opção para justificar uma medida desta natureza por parte do Estado seria ainda mais condenável. O Governo admitiu já a necessidade de baixar a carga fiscal sobre o trabalho em Portugal. Em princípio, o processo terá seguimento em 2024. Também é sabido que um dos grandes problemas da economia portuguesa é a reduzida diferença entre o salário mínimo líquido e o salário médio líquido. Com a eliminação da exceção em relação ao valor mínimo de existência para 2024, o salário mínimo previsto de 810 euros ficaria sujeito ao pagamento de IRS. No sentido inverso, a Ministra da Presidência admitiu já a possibilidade de recuo da carga tributária em 2024. Portanto, subindo os encargos fiscais para os rendimentos mais baixos e descendo a tributação para rendimentos superiores, o Governo não só compensará parcialmente a perda de receita fiscal nos escalões superiores do IRS, como também aumentará a diferença entre o salário mínimo líquido e o salário médio líquido. E assim o Estado acaba por mitigar uma das principais críticas ao quadro salarial nacional na atualidade: a inexpressiva diferença entre o salário mínimo líquido e o salário médio líquido em Portugal.

Infelizmente, se assim fosse, este desiderato seria alcançado à custa de cosmética fiscal e de sofrimento acrescido para as classes socioeconómicas mais desfavorecidas.

Para este objetivo ser corretamente atingido, ao Estado resta uma alternativa: encolher. A opção é profundamente ideológica, mas é a única que pode salvar o país do definhamento socioeconómico e de uma imagem externa que se degrada dia após dia. A solução até não é tecnicamente complexa, mas é, uma vez mais, profundamente ideológica. À medida que os funcionários públicos se fossem aposentando, os novos ingressos ocorreriam numa proporção inferior. A despesa com os salários da Administração Pública cairia, e ainda com a vantagem de os funcionários públicos no ativo poderem, com contas bem feitas, auferir uma remuneração média superior. Com uma despesa pública diminuída, o corte na carga fiscal seria menos problemático. Depois, com a redução da carga fiscal, o estímulo para a produtividade entre empresários e trabalhadores ampliar-se-ia. A propensão para o investimento aumentaria e a disponibilidade financeira para fazer subir salários também. Os ciclos da retenção de jovens no país e da criação de riqueza nacional passariam de viciosos a virtuosos.

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