“Nyet Voine, Nyet Voine, Nyet Voine”: como os russos que estão contra a guerra se manifestam e evitam ir presos e agredidos (mas nem sempre conseguem)

CNN , Jill Dougherty
3 mar 2022, 22:22
Russos detidos quando protestam contra a guerra

Tasya, de 19 anos, estava ao lado dos amigos, numa manhã fria na cidade russa de São Petersburgo, enquanto se juntavam aos gritos dos manifestantes contra a invasão russa da Ucrânia: “Nyet Voine!” (“Não à Guerra!”).

“É sempre mais seguro ficar ao pé dos outros… olharmos por cima do ombro, caso tenhamos de fugir”, disse Tasya, que pediu que não usássemos o seu apelido por questões de segurança. A dada altura, Tasya disse que os amigos abandonaram o protesto para ir para casa ou para outro lugar para se aquecerem, deixando-a sozinha na rua.

“Foi então que um grupo de polícias passou por mim... e, de repente, um deles olhou para mim, virou-se, caminhou na minha direção e deteve-me”, disse ela referindo-se à manifestação de 24 de fevereiro.

Os protestos continuam um pouco por toda a Rússia enquanto jovens cidadãos, juntamente com pessoas de meia-idade e até mesmo reformados, saem às ruas para se manifestarem contra um conflito militar ordenado pelo seu presidente - uma decisão na qual, segundo eles, não tiveram voz.

Agora, estão a encontrar a sua voz. Mas as autoridades russas pretendem acabar com qualquer dissidência pública contra o ataque à Ucrânia. A polícia reprime as manifestações quase tão depressa quanto elas surgem, arrastando alguns manifestantes para longe e agredindo outros.

Agentes da polícia detêm um manifestante durante um protesto contra a invasão russa da Ucrânia no centro de São Petersburgo a 24 de fevereiro de 2022.

A polícia de São Petersburgo prendeu pelo menos 350 manifestantes antiguerra na quarta-feira, elevando o número total de manifestantes detidos para 7624 desde o início da invasão, segundo uma organização independente que vigia as violações dos Direitos Humanos na Rússia.

A oposição à operação militar do presidente russo Vladimir Putin na Ucrânia, embora ainda limitada, chega de alguns lugares inesperados.

Um dos homens mais ricos da Rússia, o empresário multimilionário Mikhail Fridman, que nasceu na Ucrânia, chamou “tragédia” à violência, acrescentando que “a guerra nunca pode ser a resposta” - mas não chegou a criticar Putin diretamente, segundo o “Financial Times”.

“Se eu fizer alguma declaração política inaceitável na Rússia, isso terá implicações muito claras para a minha empresa, os nossos clientes, credores e acionistas”, disse Fridman.

Mikhail Fridman, empresário russo e cofundador do Alfa-Group, em Moscovo, em setembro de 2019.

Outro oligarca, Oleg Deripaska, publicou no seu canal do Telegram: “A paz é muito importante! As conversações devem começar o mais depressa possível.”

Enquanto isso, membros da elite intelectual da Rússia - académicos, escritores, jornalistas e outros - fizeram apelos públicos a condenar a guerra, incluindo uma rara “carta aberta” a Putin assinada por 1200 estudantes, professores e funcionários da Universidade MGIMO, o prestigiado Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscovo, ligado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, de onde sai a maior parte dos membros do governo da Rússia e da elite do serviço externo.

Os signatários proclamam que são “categoricamente contra as ações militares da Federação Russa na Ucrânia.”

“Consideramos moralmente inaceitável ficar à margem e em silêncio quando há pessoas a morrer num país vizinho. Estão a morrer por culpa daqueles que preferiram as armas à diplomacia pacífica”, diz a carta.

A carta é surpreendentemente pessoal, com os signatários a explicar que: “Muitos de nós temos amigos e familiares a viver nos territórios onde a ação militar está a ser levada a cabo. Mas a guerra não chegou só a eles. A guerra chegou a cada um de nós, e os nossos filhos e netos sentirão as suas repercussões. Muitas gerações de futuros diplomatas terão de reconstruir a confiança na Rússia e as boas relações agora perdidas com os nossos vizinhos.”

Um representante da MGIMO não respondeu ao pedido de comentário da CNN.

Publicamente, os diplomatas da Rússia estão em sintonia com o Kremlin, embora o chefe de uma delegação russa para uma reunião das Nações Unidas sobre as alterações climáticas, Oleg Anisimov, se tenha desculpado pela operação militar, segundo o “The Washington Post”, “em nome de todos os russos que não conseguiram evitar este conflito”, acrescentando que “aqueles que sabem o que está a acontecer não encontram qualquer justificação para o ataque.”

Mas muitos russos, de facto, não estão inteiramente a par do que está a acontecer na Ucrânia. A televisão controlada pelo Estado quase não mostra relatos de bombardeamentos russos em Kiev e outras cidades ucranianas. Em vez disso, concentra-se nos chamados “nacionalistas” e “neofascistas” ucranianos.

Uma semana depois de as forças russas terem entrado na Ucrânia, muitos russos ainda estão a tentar aceitar o facto de que a guerra está realmente a acontecer. Os Estados Unidos e outras autoridades ocidentais alertavam há semanas sobre um ataque iminente, mas os meios de comunicação estatais da Rússia, especialmente os noticiários da televisão, faziam pouco dessas declarações, alegando que Moscovo não tinha qualquer intenção de agir militarmente contra Kiev. Numa sondagem da CNN concluída antes do início da invasão, apenas 13% dos russos achavam que um ataque era provável e dois em cada três (65%) esperavam um fim pacífico para as tensões entre a Rússia e a Ucrânia.

Mas alguns jovens russos como Arina, de 25 anos, que mora em Moscovo, não veem televisão. Ela diz que não o faz há sete anos. Prefere navegar na internet, ler blogues e ouvir os vloguistas. Ela ainda não participou dos protestos, mas viu jovens na rua nas chamadas “manifestações silenciosas”, colando cartazes de “não à guerra” nas mochilas ou malas.

Ela também está a ter alguma dificuldade em compreender porque está a acontecer esta guerra na Ucrânia e o que significará para a sua própria vida enquanto jovem russa.

“É muito difícil prever alguma coisa, claro, a situação é horrível”, disse Arina, que pediu à CNN para usar apenas o nome próprio, por segurança. “Entre alguns dos meus amigos há muita ansiedade sobre o futuro, muito medo, porque não sabemos como isto nos afetará.”

Bombeiros tentam apagar um incêndio num prédio após bombardeamentos na cidade de Chuguiv, no leste da Ucrânia, a 24 de fevereiro de 2022.

Mas a mãe de Arina vê a situação de forma completamente diferente: “A minha mãe acredita em tudo o que vê na televisão”, diz Arina.

“Ela acredita que foi uma medida necessária por parte de Putin porque há armas a cercar o país... há uma ameaça do Ocidente, e é por isso que Putin está a fazer isto.”

Arina diz que até consultou um guia de uma revista online russa para estudantes, a Doxa, que dizia como os jovens russos podiam conversar com os pais e outras pessoas sobre a guerra na Ucrânia. “Entendemos que pode ser muito difícil vermos os nossos pais, amigos, colegas, avôs e avós a tornarem-se apoiantes da guerra”, diz o texto.

“Nesse sentido, decidimos preparar um guia sobre como falar da guerra com quem a justifica. No nosso guia encontrarás respostas para 17 dos argumentos mais difundidos pela propaganda e mais ouvidos nas discussões”, pode ler-se.

Arina leu o guia mesmo a tempo. A 28 de fevereiro, a revista informou que a agência do governo russo que supervisiona as comunicações, o IT e os média, exigiu que a Doxa retirasse o guia do site.

Arina diz que ela e sua mãe “tiveram uma discussão muito acesa”.

“Ela simplesmente não aceita a minha posição e pensa que sou pró-ocidental, que não entendo nada. Ela não acredita no que digo, eu não acredito no que ela diz... Temos fontes de informação muito diferentes. Eu informo-me através dos média independentes, que, na sua maior parte, foram bloqueados na Rússia há algum tempo, e ela vê televisão.”

Enquanto Arina e os amigos acompanham as notícias sobre a Ucrânia nas redes sociais, percebem a repulsa entre muitos no Ocidente pela decisão de Putin de atacar a Ucrânia. Os russos, diz ela, têm reações contraditórias e opostas.

“A primeira é, toda a gente diz: ‘Sim, devíamos ter vergonha.’ A segunda é: ‘Não, não vamos ter vergonha nem vamos atribuir a nós mesmos decisões que não foram tomadas por nós’.”

Mas ambos os lados concordam numa coisa, diz Arina. Querem que a comunidade internacional saiba “que o povo não é o presidente, e nós não escolhemos esta situação.”

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