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Colunista e comentador

Deixa-me dar-te um abraço, João, e faz o favor de ser feliz. Hoje e sempre no regaço da tua querida Mãe

27 fev, 11:32
João Neves

Rui Santos escreve a João Neves, que perdeu a mãe

João,
 
Tenho a certeza de que o minuto 87, o número da tua camisola, durante o qual o Estádio da Luz e todos os estádios onde se jogue sensibilidade e humanismo prestaram homenagem à tua Mãe numa manifestação de solidariedade que já havia tido outro momento similar ao minuto 4, número da camisola do António Silva, para assinalar uma outra perda, esta do teu amigo António, tenho a certeza, dizia, de que o minuto 87 do jogo com o Portimonense ficará gravado para sempre na tua memória.
 
Uma Mãe é uma guardiã.
 
Quem tem uma Mãe tem tudo.
 
Tem atenção, tem compreensão, tem afeto, um sorriso, uma carícia, um beijo, um olhar, aquele olhar que mais ninguém tem.
 
Que envolve e diz tudo sem dizer nada, através das palavras que nos saem pela boca.
 
João,

Talvez consiga avaliar a tua dor mas sei também que a tua dor só tu a sentes.
 
Por mais rodeado que estejas, por mais amparado que sejas - e tens a sorte de ter à tua volta, acredito, uma estrutura profissional capaz de amparar a queda no poço das recordações -, as perdas são, em cada um de nós, nesse espaço de individualidade, uma tortura que ninguém verdadeiramente alcança.
 
João,

Quem tem uma Mãe tem tudo, mas vou dizer-te uma coisa que, com o tempo, vais perceber: a Mãe pode não estar à nossa frente, podemos não conseguir tocar-lhe a pele e afagar-lhe os cabelos, podemos perder aquela sensação de fisicalidade que nos absorve na candura do meigo gesto, mas ela - a Mãe - nunca sai de dentro de nós.
 
E aos 20, aos 30, aos 40, aos 50, aos 60, aos 70, à idade, enfim, que Deus te queira dar, vais ter sempre a sensação de que ela, a tua querida Mãe, está dentro de ti e nunca te abandona.
 
É ela que, nos momentos mais difíceis, quando te sentires só e até desamparado ou incompreendido, vai ser o interruptor que tu vais ligar nesses momentos para teres a luz que te falta e que te vai guiar, nem que seja para servir de almofada espiritual, capaz de amortecer as quedas nesses momentos de vazio emocional.
 
E essa é, apesar de tudo, apesar da dor, apesar da frustração e da revolta, uma benção e um bem imorredouros.
 
João,

Tu que és um grande jogador, joga com essa benção e com esse bem maior.
 
Quando estiveres em campo e fora dele.
 
Pensa no orgulho que ela sempre teve em ti.
 
E pensa no orgulho que, lá no Céu, entre as estrelas e os fofos pedaços de nuvem, como se fossem sombrinhas de algodão doce, a tua Sara-Mãe, que partiu aos 50 anos, ela vai ter em ti quando fizeres mais uma assistência, quando marcares um golo, quando fizeres um drible ou um desarme — e ainda mais quando demonstrares que, além de uma estrela do futebol, és um ser humano formidável.
 
Não interessam os milhões ou aquilo que eles nos podem dar: a tua Sara-Mãe quer orgulhar-se por continuares a ser, em ponto grande, em ponto maior, se quiseres, da tua maturidade, um ser humano formidável.
 
“Ó Mãe, é o teu filho!” 
 
Quantas vezes vais poder gritar, no meio do ruído dos estádios ou mesmo na tranquilidade dos teus momentos mais privados mas felizes “Ó Mãe, é o teu filho?!”
 
Pensa nisso, pensa na força dessa relação com a Sara-Mãe, que estará sempre à tua espera na virtualidade do telemóvel para ouvir a voz das tuas alegrias e das tuas fraquezas.
 
Tens 19 anos. És uma pequena criança grande, certamente com vontade de aprender e passar por muitas experiências e, quase de certeza, que a ficha ainda não te caiu: foi em Toulouse (e aquela descarga emocional e as lágrimas que te caíram no abraço coletivo que os adeptos em França te souberam dar), foi o Portimonense e vai ser esta semana o Sporting e logo a seguir a deslocação ao Dragão, e tudo o resto a que um calendário de uma equipa de alta competição obriga.
 
João,

Também por isso a ficha ainda não te caiu, mas vai cair: nesse momento, vais sofrer, vais chorar, e outra vez, e outra vez, mas sabes uma coisa?
 
Vais sentir-te aliviado. Sabes porquê? Porque a Sara-Mãe, a tua guardiã, vai estar sempre para ti. Nesse momento e em todos os momentos.
 
Deixa-me dar-te um abraço, João, e faz o favor de ser feliz. Hoje e sempre no regaço da tua querida Mãe.
 
As nossas Mães nunca nos abandonam. Na Terra e no Céu.

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