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O actor Rui Pedro Soares no teatro das indignidades

30 nov 2021, 13:41

Este futebol já morreu, e já morreu diversas vezes, mas ainda continua ligado à máquina, num coma irreversível. Este futebol já morreu tantas vezes que é espantoso como o País — também ele com medo dos seus barões assinalados — ainda não lhe fez o funeral.

A realização do jogo entre a B SAD e o Benfica foi mais um momento negro da história do futebol português.

Sabemos que estamos em ambiente de pandemia, agora agravado com a manifestação da variante Ómicron, mas nada deve servir de desculpa para justificar o que aconteceu no passado sábado no Jamor.

O que mais me choca é a leviandade.

A leveza (de uma barra de ferro) colocada em tudo por todos os actores que atingiram o clímax da representação neste teatro das indignidades.

Desde logo, Rui Pedro Soares, o socrático dirigente da nova-velha vaga do dirigismo desportivo, que ‘nasceu para o futebol’ com  aquele piscar de olho muito típico da bola indígena, muito mais virado para o negócio e menos para o golo.

Pode ser talvez uma questão de formação, forjada na bigorna e nas escolinhas da PT, e na verdade quem consegue ficar com uma posição dominante numa Sociedade Anónima Desportiva através de um investimento de pouco mais de 500€ precisa de ter uma evidente queda para o negócio e não pode deixar de ser visto como um génio — o génio que, num momento frágil da história, se aproveitou do bloqueio e da inacção dos sócios e representantes de ‘Os Belenenses’.

Já se percebeu que Rui Pedro Soares tem uma ambição desmedida e por isso se tentou posicionar no ‘centro do poder’, entre Pinto da Costa e Luís Filipe Vieira. Não sei se a sua máxima ambição é ou era ser presidente da Liga, mas ficou claro que o ‘Dragão de Ouro’, autoconfessando, empolgado, o seu amor ao FC Porto, foi um dos principais parceiros negócio do ‘Benfica de Luís Filipe Vieira’.

Um louco vaivém de trocas e alinhamentos vários, que talvez tivessem contribuído para ter sido um actor perdido neste palco de representação relacionado com a indignidade protagonizada no Jamor,

São tantos os negócios, são tantas as alianças, são tantos os compromissos, são tantas as contradições que às tantas não há espaço nem para uma manifestação de bom-senso.

Tão simples quanto isso.

Aquelas lágrimas ao intervalo li-as como a reação às dores provocadas pelo diabo sentado à mesa a comer as vísceras. Lágrimas de dor e de uma vergonha interna incapazes de controlar.

Acontece que as alianças feitas por Rui Pedro Soares são com um futebol que está podre.

É um futebol de medos, de desrespeitos, de falta de ética, de subversões, de camuflagens, de enganos, de omissões e de aproveitamentos vários — e de uma profunda indiferença pelos consumidores e pelos adeptos do futebol.

Este futebol já morreu, e já morreu diversas vezes, mas ainda continua ligado à máquina, num coma irreversível. Este futebol já morreu tantas vezes que é espantoso como o País  — também ele com medo dos seus barões assinalados — ainda não lhe fez o funeral.

(A culpa e a factura é sempre apresentada aqueles que lutam e cumprem, sem estofo para andarem constantemente em manobras. A vitória dos chicos-espertos é um golo na própria baliza da cidadania plena, a que promove direitos e deveres).

Quem representa Rui Pedro Soares? Quando se fala em defender os interesses da B SAD, estamos a falar de quem?…

…E se, num acto de generosidade, falarmos da defesa desses interesses na esfera desportiva, o que fez Rui Pedro Soares esquecer-se de pedir formalmente o adiamento do jogo à Liga? À espera que a Liga o fizesse? Com medo de ferir o ‘parceiro’ Benfica?

O único interesse que na verdade interessa é o interesse de Rui Pedro Soares não fazer parte do futuro do dirigismo desportivo.

Quem protagoniza este papel não merece pertencer à reforma que o futebol português precisa, urgentemente.

Depois, há o lado da Liga, o lado do Benfica e o lado da DGS.

Do lado da Liga, a constatação que não manda nada, supostamente em nome de um poder que formalmente não tem.

Não tem? Assuma-se que não tem e que não se está lá a fazer nada, a não ser gerir os impulsos de quem afinal manda.

Pedro Proença é um homem com competências. Tenho defendido desde o início que um homem com um perfil como o dele devia ter investido numa carreira como dirigente da arbitragem ao mais alto nível.

Aqui é um pássaro dentro da gaiola. Nem sequer tem o direito de bater a asa. Não sei como tem estômago para tanto dinossauro — para os ancestrais e os da ‘era moderna’.

É óbvio que, não conseguindo fazer nada numa situação-limite como esta, não está a fazer nada na Liga. Ou então não lhe chamem presidente da Liga. Chamem-lhe Gestor de Sensibilidades no Vazio e atribuam-lhe a sigla GSV. Fica melhor.

O lado do Benfica tem apenas um aspecto fraco, que não é de somenos: participar numa chacina e fechar os olhos à chacina.

O Benfica, como grande instituição desportiva, tem de perceber a sua importância na liderança de boas práticas, se estiver para aí virado, como aliás Rui Costa declarou em campanha eleitoral.

O Benfica queria os 3 pontos e provavelmente viu uma boa oportunidade de conseguir os 3 pontos com o menos esforço possível, mas isso é pouco, considerando o principal da questão.

E o principal da questão é não ter uma posição firme perante um golpe tão violento na integridade da competição. Há coisas muito mais importantes do que ganhar um jogo nas condições em que este se realizou, com consequências a apurar no final do campeonato.

Esperamos todos mais de Rui Costa e é preciso que demostre que quer, na verdade, participar na reforma e não ser farinha do mesmo saco.

Finalmente, o lado da DGS. Evitou males maiores. Não contesto a posição de Graça Freitas, no plano estritamente técnico. Contudo, o Ministério da Saúde faz parte de um Governo. E os Governos servem também para fazer leituras políticas. Quando o Futebol e a autonomia do movimento associativo não funcionam, cumpre ao Governo - em situações-limite - entrar em campo. Cumprir o seu papel. E aqui voltamos ao palco das representações: sempre à espera que alguém tenha um pingo de vergonha. A banheira das indignidades a transbordar e todos a olhar e a não fazerem nada.

É tudo isto, actores e representações, que urge mudar.

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