opinião
Estudante de Doutoramento em Teologia na Universidade da Santa Cruz, Roma

A lição de Rosa Mota

7 out 2023, 18:42

Riga, 1/10/2023. O relógio da Rosa Mota contava um tempo glorioso. Mais um: desta vez 1:26:06 horas. O suficiente para superar o registo da anterior recordista, a suíça Emmi Luthi (1:32:56, em 2009) na meia-maratona na categoria de atletas entre os 65 e os 69 anos. Estes títulos juntam-se ao bronze nos Jogos Olímpicos de Los Angeles (1984), ouro no Mundial de 1987, ouro nos inesquecíveis Jogos Olímpicos de 1988 em Seul. No final da prova em Talin, Rosa Mota confessou: «Quero ser recordada como a atleta que sempre trabalhou com alegria». E deixou um desafio: «Continuo a mexer-me muito para incentivar os portugueses a fazer o mesmo».

Corri há uns anos com alguns amigos a Corrida Saúde+Solidária da AEFML (Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa). A Rosa Mota também corria. Eu estava longe de pensar que ela continuava a competir, a dar o melhor de si todos os dias. Por isso, surpreendi-me com esta notícia recente: como é que se pode ser campeão aos 65 anos? 

Nos meus anos de seminário em Roma, tive o privilégio de conhecer grandes atletas que me ajudaram a fazer algumas provas. Eu nunca pensei que um dia gostaria de correr. Mas fui descobrindo o paralelismo entre o esforço físico e a vida de relação com Deus. Dou 5 exemplos.

1 - Treinar sozinho. Um atleta precisa de construir uma interioridade, treinar sozinho, levantar-se cedo e calçar as sapatilhas quando chove lá fora e não apetece. Um cristão só se constrói com momentos de silêncio interior, de escuta de Deus, dessa experiência espiritual que coloca em jogo toda a pessoa. Um atleta sabe que muitas vezes tem que correr sozinho, sem público, sem ninguém que aprecie devidamente o seu esforço. Um cristão aprende, desde muito cedo, que o mais importante na vida cristã é algo que só ele pode experimentar e só Deus vê. É intransmissível, desconhecido para os outros. 

2 - Auto-conhecer-se. Em todas as provas de atletismo chegam os momentos de crise que nos pedem para desistir. Ou pelo menos reduzir o ritmo para poder chegar ao fim. Ficamos aquém das expectativas porque desconhecemos o ritmo que devemos levar: só na competição tocamos os nossos limites. O Cardeal Tolentino Mendonça disse numa missa na véspera da Maratona de Roma de 2023, «quando chegas à meta, com as tuas fragilidades, mas levado por diante pelo teu coração, conheces muito mais coisas importantes de ti próprio, da tua alma: é um momento de construção de si próprio». Na vida, Deus é também fonte da verdade sobre nós e ajuda-nos a superar as limitações.  

3 - O importante é participar… e vencer. Phil, um amigo americano com quem corri em Roma sempre me dizia: «Detesto que me digam «o importante não é vencer, mas participar. Isto é de perdedores. Eu vou competir para vencer, ou pelo menos, para me vencer a mim próprio». Talvez a Rosa Mota diga o mesmo. E já S. Paulo escrevia há 2000 anos na sua carta aos Coríntios: «Não sabeis que, quando se corre no estádio, embora todos corram, apenas um recebe o prémio? Correi, pois, assim, para o conquistardes. Todos aqueles que competem, em tudo se disciplinam: eles para receber uma coroa corruptível; nós, uma incorruptível». (1 Cor 9, 25-27). Corinto era a cidade anfitriã dos Jogos Ístmicos, uma espécie de Mundiais de Atletismo quadrienais. A vida da Rosa Mota e de qualquer atleta implica disciplina: dieta rigorosa, treinos exigentes. Mas isso para eles é o de menos. Pensam no prémio, na alegria da vitória. É por isso que Paulo, nesta comparação, aponta para o prémio, não para esforço por alcançá-lo. Esta analogia também vale para verdades centrais e necessárias na vida como a oração e a ascese, que nos permitem pensar na vitória do céu, onde aliás não haverá perdedores. 

4 - Nunca é tarde para competir. Rosa Mota na sua carreira teve lesões e momentos de crise. Mas ninguém a parou até à última vitória. Também na vida, «nunca é tarde para se converter, nunca! (...) Mas é urgente, é agora», como disse o Papa Francisco. Na JMJ em Lisboa recordou a 1,5 milhões de jovens: «na vida, para se conseguir algo, é preciso treinar a caminhar. Às vezes não temos vontade. É preciso caminhar e, no caso de cair, levantar-se». Qualquer um de nós pode confiar: Deus alegra a nossa juventude e que, tendo passado na terra para curar os seus males, nos assegura: «Eis que faço novas todas as coisas» (Ap 21, 5). Deus bem pode ser o nosso coach para a maratona da vida. 

5 - Sonhar com novas metas. O campeão olímpico português de triplo salto, Nelson Évora, quando saltava, saltava «em direção ao infinito». Um atleta quer sempre mais: novas provas, novos recordes. Com razão disse o Cardeal Tolentino aos maratonistas, «os atletas não se resignam ao “possível” e sonham “o impossível” para a sua vida, procurando novas estradas, aceitando, nesse itinerário, desafios e sacrifícios, elementos que estão no centro da espiritualidade». Cada um pode ser, por natureza, aquele que não se conforma, que deixa que Deus o desinstale das suas certezas e transforme a sua vida numa aventura, com metas novas que nunca tinha imaginado.

A todos os corredores boas corridas no ano atlético de 2023/24, a começar pela Maratona de Lisboa. 
 

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