Um ano depois, Londres não esquece a “mulher maravilhosa e corajosa” que Isabel II foi mas mostra-se confiante de que Carlos III “vai cuidar do país”: “Deem-lhe tempo” 

Andreia Miranda , em Londres
8 set 2023, 22:45

Foram milhares as pessoas que esta sexta-feira passaram em frente do Palácio de Buckingham. Em dia de render da guarda, a colocação de flores nos portões – como acontece no palácio de Kensington para assinalar o aniversário da morte da princesa Diana em agosto – ficou condicionada e os poucos ramos que foram deixados acabaram colocados na lateral dos jardins e a passar despercebidos aos turistas que se mantiveram concentrados no objetivo de garantir o melhor lugar para ver a guarda passar 

Londres acordou quente mas o sol demorou a mostrar-se, como se exibir-se em todo o seu esplendor fosse uma ofensa para o povo britânico. Afinal, 8 de setembro passou a ter um significado agridoce e, nas ruas da capital britânica, não há como esquecer que a rainha morreu há um ano. 

É sexta-feira, dia do render da guarda no Palácio de Buckingham, mas, logo cedo pela manhã, são poucas as pessoas que por ali andam. Caminham em passo apressado, mas já houve quem tivesse parado para prestar a sua homenagem a Isabel II: nas grades do portão principal os vestígios são visíveis - meia dúzia de ramos de flores e uma fotografia da rainha – e assinalam o dia de forma discreta, tal como a família real. A regressar das férias a pouco e pouco, o dia da morte da então rainha foi assinalado por Carlos III com uma missa na Escócia e com a visita dos príncipes de Gales à Catedral de Saint Davis, em Gales. 

Antes dos eventos, foi nas redes sociais que a família real escolheu assinalar a data, à exceção do príncipe Harry, que lembrou a avó durante o evento em que marcou presença no Reino Unido e que hoje esteve em Windsor numa visita privada. Do rei Carlos III, passando pelos príncipes de Gales até à princesa Eugenie, vários foram os membros da família real que prestaram a homenagem à mãe, avó e bisavó. 

Em Buckingham, a multidão ia aumentando mas alguns dos turistas que por ali passavam, junto às arcadas do Memorial Garden, quando questionados pela CNN Portugal sobre se sabiam que se assinalava o primeiro aniversário da morte da rainha Isabel II mostravam-se surpreendidos e apressavam-se a caminhar “para tentar arranjar um lugar mais à frente para ver os guardas passar”. 

Não foi o caso de Nikki, de Northamptonshire, que viajou para Londres para visitar o Palácio de Buckingham – que reabriu ao público – e que quando foi comprar os bilhetes para a visita percebeu que calhava na data do aniversário da morte da rainha. “Na verdade vim porque sabia que os Apartamentos do Estado estavam novamente abertos. Vi-o na televisão há algumas semanas e pensei 'vou reservar os bilhetes quando as escolas tiverem começado e espero que não esteja tão cheio'. Só depois de ter reservado os bilhetes é que percebi que era 8 de setembro, 'meu Deus, é o aniversário da morte da Rainha', e pensei 'o que é mais apropriado do que isto?'.” 

Fã confessa da rainha, Nikki diz que “até ao ano passado Isabel II foi a única monarca” que conheceu e que, por isso mesmo, ainda hoje quando alguém diz “a rainha” não pensa na “rainha consorte mas sim na rainha Isabel II”. Nikki viajou com a mãe June, que à CNN Portugal confessa sentir saudades da rainha Isabel II – “uma mulher maravilhosa, corajosa e que pensou no país por si própria”, mas diz acreditar que o Reino Unido tem agora “um rei que vai cuidar do país, do ambiente e que vai fazer tudo o que estiver ao seu alcance para que isso aconteça”. 

Multidão à porta do Palácio de Buckingham, em Londres (AP)

Já mais próximo da estrada – o famoso The Mall – estavam Melanie e Susan -, duas amigas que sentiram a morte da rainha Isabel II “como a perda de uma mãe” e que dizem não ter sentido grandes mudanças na monarquia nos últimos 12 meses. 

“Não creio que tenha havido uma grande mudança, para ser sincera. Penso que as pessoas se habituaram a ele, talvez tenham visto um lado diferente dele. Por isso, acho que ele está a tentar envolver-se mais com as pessoas e com as boas causas, como os sem-abrigo, os bancos alimentares. Está a tentar estar mais em contacto com as pessoas, o que acho que é uma coisa boa”, afirma Susan, que chegou a vir a Londres para ver a rainha passar durante o jubileu de Prata. 

Para as duas inglesas, que neste dia abafado em Londres não quiseram perder a oportunidade de ver o render da guarda e de assinalar a data que para sempre ficará ligada à rainha Isabel II, Carlos III vai “tentar modernizar a monarquia” mas será sempre um rei de “transição”, até pelo papel que os príncipes de Gales têm vindo a assumir nos últimos tempos. 

“Penso que o William vai ter um papel importante agora, um papel muito mais importante, uma vez que o Carlos é bastante velho. Penso que se tornará mais acessível e William e Kate são incrivelmente populares e são um casal jovem. Carlos será o rei da transição e penso que é por isso que William e Kate estão a fazer tanto neste momento, o que possivelmente não teriam feito se a rainha ainda fosse viva”, afirma Melanie. 

Uma rainha que ao longo dos 70 anos no trono teve “altos e baixos” mas que a seu lado teve sempre o povo britânico, assim como os filhos e em especial a princesa real, como lembra Melanie, recordando a presença e apoio de Anne durante as cerimónias fúnebres de Isabel II.  

“Ela é uma mulher absolutamente espantosa. Quando olhamos para ela, especialmente aquando da morte da mãe, toda a gente se concentrou no Carlos mas ela deve ter sentido o mesmo, se não mais. E acho que ela é absolutamente espantosa: quando olhamos para a princesa Ana e para as coisas que ela faz, ela é muito trabalhadora e não aparece muito aos olhos do público. Mas é espantosa, acho que é uma mulher espantosa.” 

Ouvem-se os gritos dos soldados e os cascos dos cavalos batem no alcatrão. É hora de a cavalaria passar pelo Palácio de Buckingham, depois das flores já terem sido retiradas do portão. Numa das laterais do palácio, junto aos jardins, os poucos ramos vão sendo recolocados por um funcionário com as mensagens de pesar e saudade visíveis a quem passa. E também de apoio e amor à família real, como Carlos III fez questão de agradecer na mensagem que emitiu esta sexta-feira. 

Britânicos colocaram flores à porta do Palácio de Buckingham para homenagear a rainha Isabell II (AP)

Enquanto a multidão dispersa, John e Anitta de Winchester conversam sentados num banco no parque de St. James. Estão em Londres de férias a aproveitar o bom tempo que se faz sentir. No ano passado, quando receberam a notícia da morte da rainha, estavam em França e acompanharam o início das cerimónias fúnebres pelo rádio. “Mas voltámos a tempo do  funeral e fomos à noite à Catedral de Winchester, onde foi celebrada uma cerimónia de despedida que foi muito bonita.” 

Apesar da curta distância entre Winchester e Londres, o casal confessa que nunca se quis colocar “nas longas filas” - nem na altura do funeral, nem enquanto a rainha foi viva para a ver ao vivo e a cores, escolhendo vê-la pela televisão. Agora que Carlos III subiu ao trono, o plano mantém-se, assim como, dizem, se vai manter a forma de governar. 

John e Anitta em Londres (CNN Portugal)

“É possível que ele esteja a pensar se precisa de mudar a forma como olhamos para a família real. Fala-se sempre em modernizá-la. Talvez ele esteja apenas a tirar algum tempo para pensar no futuro, no futuro a longo prazo da família real. Se precisa de a reduzir, se precisa apenas de a modernizar e continuar a financiá-la através dos contribuintes britânicos”, afirma John, como quem pede que se dê tempo para deixar o novo rei assentar arraiais no Palácio de Buckingham, a apenas alguns passos de distância. 

E nem mesmo quando lhe perguntamos sobre as bandeiras do agora rei - ecologia e clima - o britânico desarma. “Carlos tem muitas ideias boas sobre o ambiente e a ecologia. Há 20 ou 30 anos que fala das alterações climáticas e ninguém lhe dá ouvidos. Agora talvez o comecem a ouvir. Será interessante ver isso.” 

Ao seu lado, Anitta lembra que também o príncipe William escolheu essa mesma batalha para combater, até porque “talvez agora seja altura de ele assumir o manto que o príncipe Carlos tinha e lutar pela causa das alterações climáticas e da ecologia”. 

Uma certeza que John e Anitta têm é de que os próximos anos da família real “vão ser interessantes de se ver” e esperam que Carlos III “dê continuidade a todas as tradições da rainha e que as pessoas lhe deem o seu apoio porque ele deu o seu melhor”. 

Mas nem todas as pessoas parecem disponíveis para fazer isso. Ao final da manhã, um grupo de manifestantes do grupo “No more royals” juntou-se na praça Victoria Memorial para protestar contra a continuidade da monarquia no Reino Unido.  

“Estamos aqui hoje porque há um ano vimos o rei Carlos tornar-se um novo chefe de Estado não eleito e quisemos recordar-lhe e recordar ao povo que ele não é bem-vindo, que não o queremos. Não fomos nós que o escolhemos. Ele é o chefe de uma família que tem roubado o mundo durante centenas de anos, tem tirado a riqueza da Índia, do Médio Oriente, de África, da Irlanda e utilizou-a para construir tudo o que vemos à nossa volta, todo o mármore e o ouro que temos à nossa volta, enquanto pessoas em todo o mundo e neste país passam fome”, afirma um dos porta-vozes da organização que não se quis identificar. 

Protesto contra a monarquia (CNN Portugal)

O protesto, que decorreu de forma pacífica, contou com a participação de cerca de uma dezena de pessoas. Na zona do Palácio de Buckingham as pessoas caminhavam entre objetivas, selfie sticks, pedidos para tirar fotografias e corridas apressadas para não estragar fotos em família. Não fossem os ramos encostados à parede no jardim, talvez muitos turistas nem percebessem que hoje fazia um ano que a rainha tinha morrido.

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