Um ano da morte de Isabel II. A rainha “tinha uma aura incrível”. Isabel vista por Chris Jackson, fotógrafo da família real há 20 anos

Andreia Miranda , Em Londres, Reino Unido
8 set 2023, 07:00

ENTREVISTA EXCLUSIVA || Chris Jackson é o homem por detrás da câmara no que toca a realeza. Fotógrafo da Getty Images, acompanha a família real britânica há 20 anos, tendo sido várias vezes escolhido para realizar ensaios privados com a rainha Isabel II, assim como o agora rei Carlos III, os príncipes de Gales e o duque de Sussex. Foi um dos muitos fotógrafos presentes na cobertura das cerimónias do funeral da rainha Isabel II e na coroação esteve dentro do Palácio de Buckingham com a família real

É fotógrafo da família real há quantos anos? 
Tem sido um enorme privilégio fotografar a família real britânica há quase 20 anos. Viajar pelo mundo é sempre muito emocionante e é fantástico ter um lugar na primeira fila para estes momentos históricos como casamentos, batizados ou a coroação, claro, mais recentemente. É importante documentar a história do país. As imagens que faço fazem parte do tecido da história. 

Chris Jackson, o fotografo da Getty Images responsável pelas fotografias da Família Real (Direitos Reservados)

Esteve presente em acontecimentos felizes mas também em acontecimentos tristes, como as cerimónias fúnebres da rainha Isabel II. Como é trabalhar nesse ambiente? 
Geralmente, como fotógrafo real, fotografamos eventos felizes, o que é uma das coisas de que mais gosto no meu trabalho. Mas é claro que, com o passar do tempo, as coisas mudam e foi muito triste documentar o falecimento da rainha Isabel e os dez dias que se seguiram à sua morte e esse tipo de período cerimonial. Para mim, que fotografei a rainha nos últimos 20 anos, foi uma experiência muito surrealista. 

Para alguém que conhece a rainha Isabel de forma pessoal, como é o seu caso, fez alguns retratos dela. Como é que foi receber a notícia da morte da rainha? 
Foi sempre uma grande honra fotografá-la. Ela era uma figura completamente única. Há tanta coisa que se disse sobre a sua aura, mas é verdade. Ela tinha uma aura incrível, uma presença incrível e era respeitada em todo o mundo. Para mim, enquanto fotógrafo, foi muito emocionante fotografá-la. Vi-a cada vez mais na última parte da sua vida, com menos frequência quando se debatia com problemas de saúde, mas cada oportunidade era especial e era realmente incrível. Quando morreu, suponho que a única forma de o descrever é que foi surreal. Estava em Windsor e, quando chegou a notícia de que a rainha tinha morrido, houve um arco-íris incrível por cima da torre redonda do Castelo de Windsor e foi um momento surreal. E, claro, os dez dias que se seguiram, que foram planeados durante tantos anos, quer a cerimónia como a passagem do corpo da Escócia para Londres, foram incrivelmente tristes, comoventes, mas também históricos. 

Como é que vê a mudança da monarquia entre a morte da rainha e a coroação? 
Tem sido um ano histórico e tem sido fantástico fazer parte da documentação das mudanças na história. Temos um novo rei e uma nova rainha e tem sido fantástico documentar coisas como a coroação, um acontecimento extremamente alegre para todo o público britânico e que foi muito emocionante. E, claro, tantos eventos diferentes ao longo do ano, eventos que foram muito especiais para a rainha Isabel, como o Royal Ascot e, mais recentemente, os Highland Games, que decorreram no fim de semana passado. Estes eventos significaram muito para a rainha Isabel, mas o legado foi continuado pelos nossos novos rei e rainha, o que é ótimo. 

Durante a coroação esteve dentro do palácio de Buckingham a fotografar. Há, inclusive, uma foto sua atrás dos novos reis quando eles saem para a varanda. Como descreve esse momento? 
A coroação foi muito especial. Nunca esquecerei aquele momento na varanda quando o rei e a rainha saíram para serem aplaudidos pela multidão por milhares de pessoas ao longo do The Mall, até Trafalgar Square, e foi um acontecimento histórico muito especial do qual fiz parte. Foi incrível, muito especial e tive, literalmente, um lugar na primeira fila para esse momento histórico. Por isso, também estava um pouco nervoso. Era um grande momento e não tinha a certeza, do ponto de vista técnico, de como as coisas iriam funcionar, mas muito disso acontece no momento, no dia, e acabou por correr tudo bem, o que foi ótimo. 

20 anos depois, ainda se lembra da primeira fotografia? 
Não, toda a gente me pergunta isso e tenho muita dificuldade... Talvez tenha sido em Ascot ou num evento de polo, da rainha, sim, possivelmente, mas foram tantas ao longo dos anos que já me esqueci.

E do rei Carlos? 
Do rei Carlos, mais uma vez, não me lembro, pode ter sido um daqueles eventos a que a família real assiste todos os anos, mas foi há muito tempo e a minha memória não é muito boa, mas terá sido Ascot, provavelmente. 

Tem alguma fotografia favorita da rainha Isabel? 
Sim. Era incrível fotografá-la, tinha esta presença, esta história, este rosto espantoso e uma aura à sua volta. A minha favorita é uma fotografia particularmente pungente da rainha a caminhar através de uma instalação artística na Torre de Londres chamada “Seas of Red”, e cada papoila que a rodeava representava alguém que tinha falecido na guerra. 

 

Rainha Isabel II no dia 16 outubro de 2014, em Londres (fonte Getty)

Foi muito comovente porque a memória era algo muito importante para a rainha. Provavelmente, uma das últimas fotografias que lhe tirei foi a trabalhar na sua caixa vermelha, a sua icónica caixa vermelha, para a qual olhava todos os dias do ano, exceto no Natal e na Páscoa. E estava a sorrir. Adoro essa fotografia porque mostra o seu empenho no cumprimento do dever, mas com um sorriso no rosto. Por isso foi uma fotografia muito especial para mim.

Há uma outra que é um pouco invulgar, foi tirada em Stevenage, num hospital. É apenas um fundo limpo. É uma rainha com uma expressão um pouco invulgar e atrevida no rosto. E essa é provavelmente a fotografia que me faz sorrir. E como muitas pessoas me enviaram mensagens a dizer que gostam de olhar para essa fotografia, é uma das minhas favoritas da rainha. 

Rainha Isabel II a 14 de junho de 2012, em Stevenage (fonte Getty)

Tem três livros publicados sobre a família real. Como escolheu as fotografias para os livros? 

É sempre um dos maiores desafios, especialmente quando se tem tantas fotografias e tão pouco espaço. Mas é um desafio agradável. Escolho as categorias e a partir daí divido-as. Fazer livros é uma ótima oportunidade para falar um pouco sobre as histórias por detrás das fotografias. 

E a rainha seguia sempre as regras ou fazia as coisas como queria? 

A rainha dedicava-se muito ao trabalho que tinha em mãos e fazia o que queria, o que tornava muito agradável fotografá-la, porque ela nunca atuava para a câmara, por isso, se conseguíssemos captar um momento encantador ou uma fotografia em particular, era porque tinha acontecido de forma natural e orgânica, o que tornava muito agradável e especial fotografá-la. Por isso, esperemos que, daqui a 10 anos, 100 anos, as pessoas ainda estejam a olhar para algumas dessas imagens, o que é muito especial. 

Agora está a trabalhar com os novos reis, como é a dinâmica? 

Tive a sorte de fotografar o rei Carlos e a rainha Camila, durante muitos anos. Viajei com eles por todo o mundo, desde as Galápagos à Indonésia, ao Japão, à Austrália, à Nova Zelândia e ao Canadá. Por isso foi sempre especial. São sempre encantadores de fotografar, são muito profissionais, têm uma verdadeira energia, numa idade em que muitas pessoas já se reformaram. Têm uma energia incrível. A maioria das pessoas está a pôr os pés no sofá e a tomar uma chávena de chá, mas eles têm uma energia incrível e uma capacidade incrível de se ligarem a pessoas de todo o mundo, por isso é encantador fotografá-los. 

Também fotografa as crianças, o príncipe George, Charlotte e Louis. 

Fotografar as crianças da realeza é sempre muito divertido. É uma oportunidade rara. Estão na escola e não as vemos muitas vezes em grandes eventos como o Jubileu de Platina ou a Coroação, por isso é adorável. E o facto de não as vermos muitas vezes torna tudo ainda mais especial quando os vemos. Eles acrescentam sempre uma energia e um sentido de diversão a cada evento em que estão presentes, o que é ótimo. Provavelmente lembramo-nos do príncipe Louis do Trooping the Colour. Ele tem claramente um grande sentido de humor e é divertido de fotografar. 

Muitas pessoas comparam-no ao príncipe Harry, mas também o príncipe William era assim. 

Todas as crianças nem sempre seguem o guião, mas dou sempre por mim a sorrir atrás da câmara. É sempre divertido fotografá-las e vê-las crescer. Quando voltamos, ano após ano, e vemos a varanda do Trooping the Colour, vemos as mudanças a acontecerem à nossa frente e isso é espantoso. 

Como é que ver a família crescer e alguém desaparecer? 

Ao longo dos anos, como em qualquer família, há mudanças e há uma progressão natural na história, na história real, e como fotógrafo, o nosso trabalho é documentar o que vemos à nossa frente. É tão simples quanto isso. 

As redes sociais alteram a relação da família real com o público e com os fotógrafos? 

As redes sociais são muito importantes para a família real porque lhe permite uma forma de se ligar diretamente ao público, o que é muito importante para transmitirem a sua mensagem. Distribuem comunicados de imprensa, imagens, através de aplicações como o Instagram ou o Twitter e é um meio muito importante para comunicarem com o público. Por isso têm de o aceitar e já o fizeram, têm milhões de seguidores em todas as suas diferentes plataformas e é um meio muito importante para eles.

Como se prepara para trabalhar com a família real? 

No caso de um compromisso real, a preparação é absolutamente fundamental. O conhecimento do local para onde se vai, o compromisso real… Passo muito tempo a fazer um reconhecimento ou a descobrir o equipamento de que se pode precisar. O conhecimento das pessoas com quem se está a lidar é muito importante e a história do evento com que se está a lidar, por isso preparo-me tanto quanto possível para os eventos reais, mas há definitivamente um elemento de sorte que entra nestes eventos, o que é ótimo, porque adoro essa excitação e essa natureza inesperada da fotografia real, que é realmente muito divertida. 

20 anos depois, o entusiasmo não diminui? 

Não, nem pensar. A emoção nunca diminui. O melhor de ser fotógrafo real é que todos os dias são diferentes, todos os anos são diferentes e há sempre muito por que esperar. Por isso estou ansioso por um pouco mais de viagens, mais passeios, sair por aí, é isso que é tão divertido, e como digo, nenhum dia é igual, que é o que torna um trabalho agradável. 

Tem alguma história divertida que possa contar sobre algum trabalho que fez com a família real? 

Nem sempre correm como planeado, isso é certo. O equipamento fotográfico avariou, as coisas correram mal, perdi aviões, fiquei preso no trânsito, praticamente tudo o que se possa imaginar correu mal. Ainda este fim de semana, um dos cartões da minha máquina fotográfica caiu da parte de trás do carro e vivi momentos de pânico enorme por causa disso, tive de ir à procura dele. Portanto, as coisas nem sempre correm como planeado, devido à natureza do que estamos a fazer, é frenético, é energético, são muitas viagens, e suponho que temos de nos preparar o mais possível e lidar com as coisas que não correm como planeado da melhor forma possível. 

Mas rainha era a rainha dos bolos, tinha sempre um bolo para cortar… 

É engraçado que tenha mencionado isso. Sim, a rainha Isabel era muito boa a cortar bolos, cortou muitos bolos durante a sua vida e houve uma foto em particular, na verdade é uma das minhas fotos favoritas, tirada no Royal Albert Hall em Londres, para o 100º aniversário do Women's Institute, em que a rainha está a cortar um bolo com a princesa Real, e a faca ficou presa. Penso que a rainha Isabel gostava bastante, em segredo, quando as coisas não correriam como planeado nos compromissos reais. Isso fê-la sorrir, toda a gente desatou a rir. Sophie Wessex, a Condessa de Wessex, estava lá, e foi um momento encantador, e para mim, como fotógrafo, procuro estes momentos leves e naturais. São os que realmente ressoam com as pessoas, por isso esta foi uma fotografia particularmente encantadora. 

Rainha Isabel II a 4 de junho de 2015, em Londres (fonte Getty)

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