O que acontece se Boris Johnson vencer a moção de censura? E se perder? Tudo o que precisa de saber sobre a votação que pode ditar o futuro do PM britânico

Beatriz Céu , com Lusa
6 jun 2022, 17:37
O primeiro-ministro britânico Boris Johnson. (Jessica Taylor/UK Parliament via AP)

O processo da moção de desconfiança é secreto e os deputados conservadores terão de votar presencialmente entre as 18:00 e as 20:00. “Quem quer que diga que sabe o que vai acontecer está a mentir. É impossível saber”, dizem os analistas

O primeiro-ministro britânico enfrenta esta segunda-feira uma moção de censura que poderá ser decisiva para o seu futuro como líder do Partido Conservador e chefe do governo. Esta votação surge após as inúmeras polémicas em que Boris Johnson esteve envolvido nos últimos meses, e que ficaram conhecidas com partygate, em alusão às festas em Downing Street durante o período de confinamento.

O anúncio foi feito esta manhã pelo presidente do grupo parlamentar conservador, Graham Brady, que revelou ter sido ultrapassado o patamar de subscritores da moção para desencadear o processo, dias depois de Boris Jonhson ter sido apupado à entrada da missa do jubileu na Catedral de São Paulo, nas comemorações dos 70 anos de reinado de Isabel II. 

De acordo com as regras do sistema britânico, é necessário que pelo menos 15% dos deputados conservadores enviem uma carta de desconfiança ao presidente do respetivo grupo parlamentar - processo que é secreto e anónimo, apesar de alguns terem manifestado publicamente a posição. Ora, uma vez que o Partido Conservador conta atualmente com 359 deputados, isto significa que teriam de ser entregues pelo menos 54 cartas nesse sentido - número que foi atingido esta manhã.

O processo da moção de censura é secreto e os deputados terão de votar presencialmente entre as 18:00 e as 20:00. Os votos serão contabilizados logo a seguir ao encerramento das urnas, e, de acordo com Graham Brady, devem ser divulgados ainda esta segunda-feira, pelas 21:00 horas. O jornal The Guardian aponta que o mais provável é que, tal como aconteceu no processo de moção de censura de Theresa May, em dezembro de 2018, o presidente do grupo parlamentar conservador fará uma conferência de imprensa para anunciar os resultados. Na altura, May sobreviveu à moção de censura, com 200 votos a favor e 117 contrários (o que não impediu a sua saída, poucos meses depois, tal era a contestação em torno das suas políticas).

O que acontece se Boris Johnson ganhar?

Boris Johnson só vai conseguir manter o estatuto de líder do Partido Conservador se obtiver mais de 50% dos votos a favor, uma vez que a votação ocorre por maioria simples. Quer isto dizer que o primeiro-ministro só sai vencedor desta moção de censura se pelo menos 180 parlamentares votarem a seu favor.

Nesse caso, Boris Johnson permanecerá como líder do partido e terá um ano de imunidade contra novas moções de censura.

E se Boris perder?

Se Boris Johnson obtiver menos de 180 votos, o Partido Conservador terá de realizar uma eleição interna para encontrar um sucessor, à qual o primeiro-ministro não poderá concorrer. O sistema político do Reino Unido exige, contudo, que o primeiro-ministro cessante permaneça no cargo até à escolha de um sucessor. O jornal The Guardian lembra que demorou dois meses até Boris Johnson substituir Theresa May, que apresentou a demissão em junho de 2019.

Caso a moção de censura seja maioritária, e se Boris Johnson desejar sair imediatamente a seguir à divulgação do resultado, seria necessário eleger um primeiro-ministro interino. Neste caso, o The Guardian aponta que o vice-primeiro-ministro, Dominic Raab, parece ser a pessoa mais provável para assumir essa responsabilidade.

O que nos diz a história?

A história é favorável ao primeiro-ministro conservador, pois outros antecessores sobreviveram a moções de censura: Margaret Thatcher em 1989 e 1990, John Major em 1995 e, tal como mencionado acima, Theresa May em 2018.

Johnson tem também do seu lado, pelo menos teoricamente, entre 160 e 170 deputados que têm cargos ligados ao governo, de acordo com uma estimativa do centro de estudos Institute for Government.

Tanto Margaret Thatcher como Theresa May são exemplos de líderes que sobreviveram a moções de censura com 54% dos votos em 1990 e 63% em 2018, respetivamente, mas que acabaram por ceder à pressão para se demitirem poucos meses depois.

"Se mais de um terço (cerca de 120) dos deputados votarem contra o primeiro-ministro, corre-se o risco de a instabilidade continuar nos próximos meses”, explicou Tony Travers, professor de política na LSE, para quem é "evidente que uma minoria substancial de deputados conservadores perdeu a confiança em Boris Johnson”.

Os analistas políticos britânicos apontam para as duas eleições parlamentares parciais nas circunscrições de Wakefield e de Tiverton and Honiton, em 23 de junho, como o próximo grande teste para os conservadores, que poderá provocar novas tentativas para o derrubar antes das próximas eleições legislativas, previstas para 2024.

O professor da Universidade de Sheffield, Matthew Flinders, considera que a moção de censura mostra que a liderança de Johnson "está presa por um fio e que o partido parlamentar chegou ao limite em termos de poder apoiar um primeiro-ministro que agora é claramente visto como não sendo de confiança pela população”.

Sondagens recentes da empresa Opinium indicam que 56% dos britânicos estão insatisfeitos e querem que o chefe do governo se demita, descontentamento refletido nos apupos na sexta-feira.

Ainda assim, Flinders não arrisca no prognóstico pedido pela Lusa.

“Tal como tudo o que tem a ver com Boris Johnson, nunca se sabe realmente o que vai acontecer. A minha perceção é que será uma decisão clara: ou os deputados conservadores vão apoiá-lo ou vão revoltar-se em massa e marcar o fim do mandato”, respondeu.

Independentemente de sobreviver à moção, Boris Johnson sai enfraquecido, afirma o diretor do centro de estudos UK in a Changing Europe, Anand Menon, porque a desunião dá aos partidos da oposição o argumento de que até os próprios deputados não acham que ele deve ser primeiro-ministro.

“Ele perdeu o brilho entre os apoiantes e as pessoas estão preocupadas que ele já não seja um ativo eleitoral”, resumiu à Lusa.

Sobre o resultado desta tarde, Menon acredita que está tudo em aberto num partido dividido entre a animosidade contra o exuberante líder conservador e aqueles que preferem estabilidade numa altura de crise económica e em plena guerra na Ucrânia.

“Quem quer que diga que sabe o que vai acontecer está a mentir. É impossível saber”, confessa.

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