“Uma coisa é dizer que em circunstância alguma se coliga com o Chega, outra é apresentar a justificação ‘porque não precisamos’”. Montenegro rejeitou mesmo qualquer coligação nacional?

25 set 2023, 17:00

Líder social-democrata falou para um cenário em concreto, deixando margem para outras interpretações, segundo os politólogos ouvidos pela CNN Portugal

O presidente do PSD admitiu que ficaria muito satisfeito caso consiga nas próximas eleições legislativas um resultado semelhante ao alcançado na Madeira. Não é caso para menos: perder a maioria absoluta no arquipélago até pode ter sido um mau resultado, mas uma representação parlamentar semelhante a nível nacional permitiria tirar o PS do poder.

Talvez motivado pela confiança, Luís Montenegro decidiu negar, de forma categórica, qualquer acordo com o Chega para governar a Madeira, acrescentando depois que tomaria a mesma decisão para o país.

“Não haverá nenhuma solução governativa na Madeira que tenha a contribuição do Chega. E eu quero dizer-vos que aquilo que vai ou pode acontecer na Madeira é aquilo que vai ou pode acontecer no país. O mesmo é dizer que nós não vamos governar nem a Madeira, nem o país com o apoio do Chega, porque não precisamos”, afirmou o líder social-democrata, na noite de domingo.

E é precisamente neste último apontamento que, para o politólogo José Filipe Pinto, está a chave do discurso. À CNN Portugal, o professor catedrático de Ciência Política vê nesta declaração uma “jogada dúbia”, uma vez que “disse que não precisava dessa aliança” para governar, deixando implícito que ao PSD chegará um acordo com Iniciativa Liberal ou PAN. Como disse Montenegro, “não vamos governar a Madeira com o apoio do Chega porque não precisamos”.

Mas e se vier a precisar? Essa é a questão. José Filipe Pinto entende que o jogo de palavras do presidente do PSD deixa todos os cenários em aberto. “Uma coisa é dizer que em circunstância alguma se coliga com o Chega, outra é apresentar uma justificação para isso, ‘porque não precisamos’”, sublinha o especialista, vendo espaço para leituras diferentes consoante os resultados.

“Esta demarcação que parece clara fica, no mínimo, dúbia. Remete para a não coligação devido à não necessidade, mas não contempla a situação de haver essa necessidade”, acrescenta, lembrando que esse cenário será muito mais provável numas eleições legislativas, atendendo às sondagens que têm saído.

Já para a professora de Ciência Política Paula do Espírito Santo esta é mesmo uma "estratégia nova" do líder social-democrata, que passa por uma "maior afirmação", e que ainda vai a tempo de corrigir, caso seja necessário, nomeadamente com o barómetro das eleições europeias, que se realizam no próximo ano.

"Luís Montenegro não tem muito a perder neste momento e percebe que o eleitorado tradicional quer isto", afirma, vendo "mais a ganhar" para o PSD do que a perder, pelo menos nesta altura.

No entanto, a especialista também vê nesta aposta um risco: o de não haver mais opções. "A primeira opção nunca será a coligação. Podemos dizer que a maioria é um ponto, há um caminho a fazer", aponta, antevendo tempo para uma mudança desta mesma estratégia caso isso se venha a verificar necessário.

Um passo maior que a perna?

As legislativas ainda estão longe, mas a Madeira foi o primeiro ensaio para Montenegro. Apesar de ter perdido a maioria absoluta, uma vitória é uma vitória. Talvez por essa confiança se apressou a descartar o Chega, mas fazer o mesmo a nível nacional será mais difícil.

“Montenegro muito dificilmente conseguirá formar um governo de maioria sem contar com o apoio do Chega. Dificilmente compreendo que se tracem linhas antes de um ato eleitoral”, diz José Filipe Pinto, vendo vantagens e desvantagens na estratégia do líder do PSD.

Por um lado “elucida-se o eleitorado sobre a posição” do PSD, e “isso é saudável”. No entanto, como nota o politólogo, há um elemento negativo: “Condiciona-se o voto do eleitor, levando ao voto útil, e isso não é o correto em democracia.”

É uma “aposta” que José Filipe Pinto só entende de uma forma: Montenegro entende que tem condições para chegar a 2026 e conseguir uma maioria absoluta ou uma maioria parlamentar sem o Chega. Só que este é um “dado altamente imprevisível”, até porque depende também muito do desempenho do Governo.

“Neste momento estamos com um empate técnico na intenção de voto. Basta que o Governo melhore ou pelo menos não continue nesta senda de descrédito para imediatamente o PS poder pensar em reabilitar-se”, vinca, admitindo que esse colocar de pressão por parte do PSD ao eleitorado também pode ser nocivo para os sociais-democratas.

“A política é o momento. O partido, a sua ideologia, os seus princípios, mas também a circunstância, que é temporal, conjuntural, está nas mãos da conjuntura interna e externa, mas também da vontade do eleitorado”, conclui José Filipe Pinto.

Paula do Espírito Santo afirma que "a política tem os seus tempos", vendo esta mudança de estratégia de Montenegro como algo a curto prazo, nomeadamente até às europeias. "Não significa que se mantenha até às legislativas", acrescenta, ainda que admitindo que "é muito difícil o PSD voltar ao poder sem ser em coligação".

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