"Não há temas mais poéticos. O real é o grande tema", explica Adélia Prado, de 88 anos, sobre a sua poesia. Só começou a publicar aos 40, mas rapidamente se tornou uma autora incontornável na língua portuguesa
A poetisa brasileira Adélia Prado venceu o Prémio Camões 2024, anunciou esta quarta-feira o ministério português da Cultura, com o júri a considerar que Prado é "há longos anos uma voz inconfundível na literatura de língua portuguesa".
A poetisa de 88 anos, que ainda há dias recebeu o Prémio Machado de Assis, atribuído pela Academia Brasileira de Letras ao conjunto da sua obra, referindo-a como a "maior poetisa viva do Brasil e uma das maiores de todos os tempos", foi agora homenageada com aquele que é considerado o prémio de maior prestígio da língua portuguesa e que tem o valor de 100 mil euros.
“Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo…”, disse sobre ela Carlos Drummond d'Andrade num artigo publicado no Jornal do Brasil em 1975 e citado agora pelo júri do Prémio Camões. Adélia Prado, nascida em Divinópolis, Minas Gerais em 1935, "é autora de uma obra muito original, que se estende ao longo de décadas, com destaque para a produção poética", justificou o júri.
A escritora formou-se em Filosofia, foi professora e estreou-se em 1976, já com 40 anos, com o livro de poesia “Bagagem”, apadrinhada por Drummond de Andrade. "Ainda menina, descobri o poder e o prazer da palavra. Escrevo desde os catorze anos, quando fiz meu primeiro soneto. Tudo o que escrevi até 'Bagagem' não tem nenhum valor literário. São coisas que têm importância, para mim, afetiva, de um bom tempo da minha vida. Agora, literatura, a entrega a um processo de escrita torrencial, eu comecei aos 40 anos", contou numa entrevista em 2010.
E quando questionada sobre os temas da sua poesia, geralmente relacionada com a mulher, o amor, o desejo, o quotidiano, explicou: "A poesia não é assunto, não é enredo, não é tema. Poesia é forma, que se utiliza de tudo. Não há temas mais poéticos. O real é o grande tema. E nós temos o real no cotidiano, configurado no amor, na morte, nas virtudes e nas mais diversas paixões que nos habitam. Qualquer coisa é a casa da poesia. Ela alimenta, dá significação, sentido à vida. A poesia pousa onde lhe apraz. Tem o dom de espalhar humanidade."
Adélia Prado é autora, entre outros, de “O Coração Disparado”, distinguido com o Prémio Jabuti de Literatura, e “Terra de Santa Cruz”, e das obras de prosa “Solte os Cachorros” e “Cacos para um Vitral”, além do livro para a infância “Quando eu era pequena”.
Em 2014, foi condecorada pelo Governo brasileiro com a Ordem do Mérito Cultural. Em 2016, saiu em Portugal “Tudo que existe louvará”, uma antologia de poesia organizada e prefaciada por José Tolentino Mendonça e Miguel Cabedo e Vasconcelos.
A intenção do Prémio Camões é homenagear um autor ou autora "que, pela sua obra, tenha contribuído para o engrandecimento e projeção da literatura em português", refere o protocolo. Em 2023, distinguiu o escritor e tradutor português João Barrento.
O júri desta edição do Prémio Camões foi constituído pelos professores universitários Clara Rocha (Portugal), Isabel Cristina Mateus (Portugal), Francisco Noa (Moçambique), Cleber Ribas de Almeida (Brasil), Deonísio da Silva (Brasil) e Dionísio Bahule (Moçambique).