DECISÃO 22: não era nada disto que Marcelo queria

Qui, 03 fev 2022

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Ainda nada começou e o Chega já conseguiu o que queria, ser o centro das atenções. O pretexto são as escolhas para a presidência da Assembleia da República. Outros haverá: os antissistema vitimizam-se e afrontam. É o futuro Parlamento. Olá.

PR e Costa
Costa teve 2,247 milhões de votos (faltando os do estrangeiro), Marcelo teve 2,535 (Fotografia de Mário Cruz/Lusa)

O que fará Marcelo com esta direita?

Não era nada disto que Marcelo Rebelo de Sousa queria. A maioria absoluta era uma agulha no palheiro, do ponto de vista das probabilidades há poucos meses, mas a questão não é só essa. É a direita.

 

Desde a sua primeira eleição, em 2016, que o Presidente da República esteve sempre preocupado com a direita e com a recomposição da direita. Porque Marcelo acredita no espaço político do centro (que aliás praticou quando liderou o PSD na oposição). E porque neste seis anos foi alertando para os riscos de falta de representação orgânica, não só à esquerda como à direita.

 

À esquerda, a “falta de representação orgânica” deu azo ao aparecimento de novos sindicatos, mais radicais e muito ligados a redes sociais. À direita, abriu espaço para o crescimento do Chega.

 

O Chega não só é um partido de extrema-direita, é um partido que se impõe mais pelo protesto do que pela proposta. A palavra-chave de Ventura no Parlamento foi até aqui a palavra “vergonha” e o discurso do partido passa por estar a favor de quase nada e contra quase tudo. Contra “a corrupção” (quem não?), contra “o sistema” (que o gerou), contra “os políticos a mais”, contra “a bandalheira, a roubalheira, o gamanço”, etc. E a favor de quê? Tirando frases fortes como prisão perpétua e castração química, restam três folhas de programa eleitoral.

 

A vida do Chega no Parlamento será provavelmente esta: em vez de um deputado a gritar “vergonha” serão 12. E quanto a trabalho parlamentar de corredores, incluindo preparação de leis, veremos. Mas o partido cresce, em representação e em financiamento. É o terceiro maior da Assembleia.

 

A Iniciativa Liberal não é antissistema, o Chega é. Tem mais vocação para destruir o que existe do que para construir o que quer que seja. E isso tem de preocupar Marcelo. E não só por ele próprio ter origem no espaço da direita.

 

Rio, que fica como líder do PSD até à votação do Parlamento, está só à espera do enterro político. Bem pede quE a sua sucessão seja feita “dentro do partido”, com comedimento e dando um “ar maduro e sem grandes histerias”. Luís Montenegro já coleciona apoios públicos, Miguel Pinto Luz dá ares da sua graça, Jorge Moreira da Silva vai sendo citado e Paulo Rangel escreveu no Público um artigo suficientemente ambíguo para não se perceber se avança ou se fica à espera. O nome não é indiferente, mas serão quatro anos a penar contra uma maioria absoluta.

 

Marcelo nunca foi espectador de nada. Adotará inevitavelmente um novo estilo face a um governo de maioria absoluta, que pode por exemplo avançar de imediato com a lei da eutanásia, contra a qual Marcelo pouco poderá fazer. E outros dossiês existem onde pode haver confronto, como o caso da regionalização. Mas o Presidente não ficará passivo também ante a direita. Porque certamente quererá o PSD de novo com cabeça, tronco e membros, não no desmembramento atual. 

 

Este é o último mandato de Marcelo. Quando deixar Belém, que direita existirá em Portugal? A resposta não é indiferente para nós. Nem para ele. 

Respostas aos leitores

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A nova Assembleia da República poderá assumir funções nas próximas três semanas, dependendo do tempo que demorem alguns procedimentos.

 

De acordo com a Lei Eleitoral, o apuramento geral dos votos - com a contagem dos votos dos dois círculos eleitorais correspondentes aos eleitores residentes no estrangeiro (Fora da Europa e Europa, cada um elegendo dois deputados) - deve ficar concluído, no máximo, até dia 9 de fevereiro.

 

O passo seguinte é o envio, até dois dias após o apuramento geral dos votos, da Ata do Apuramento de votos para a Comissão Nacional de Eleições (CNE), que, por sua vez, tem oito dias para enviar o Mapa Oficial das Eleições para Diário da República (Artigo 115.º).

 

A primeira reunião da Assembleia da República está prevista para três dias depois da publicação do respetivo mapa em Diário da República, ou seja, em 22 de fevereiro, dia em que será eleito o novo presidente da Assembleia da República, que sucederá a Eduardo Ferro Rodrigues. Veja aqui o calendário pós-eleições em detalhe.

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É verdade, os círculos eleitorais do interior não elegem tantos deputados como os das grandes cidades. Lisboa e Porto, por exemplo, elegem 48 e 40 deputados, respetivamente.

 

Há uma explicação para isso: de acordo com a Lei Eleitoral, o número de deputados a eleger por cada círculo depende do número de cidadãos recenseados nesse círculo eleitoral (com exceção dos dois círculos correspondentes aos eleitores residentes no estrangeiro). Tendo em conta que o número de eleitores de Portalegre é menor do que em Lisboa, por exemplo, esse círculo eleitoral elege apenas dois mandatos, sendo este o círculo onde a maior proporção de votos não contou para qualquer lugar no Parlamento (51,8%).

 

Além do número de deputados a eleger, é importante mencionar o efeito do método de Hondt, utilizado em Portugal para converter os votos em mandatos, e que, tendencialmente, favorece os partidos maiores. O círculo eleitoral de Portalegre é também exemplo disso, uma vez que os seus dois mandatos foram para deputados do PS, com quase metade dos votos contabilizados no distrito (25.271). Pode saber mais sobre isto neste artigo.

PoliticaexternaePALOP

No âmbito da política externa, o programa do PS defende a participação ativa de Portugal na União Europeia, “promovendo uma agenda progressista, defendendo os valores europeus e o Estado de Direito, conduzindo a recuperação económica e a transição verde e digital”.

 

O novo Governo propõe-se ainda “cultivar relações bilaterais diversificadas”, nomeadamente com os “países mais próximos” de Portugal, como Espanha, Reino Unido, França, Alemanha, Itália e Estados Unidos. “Privilegiar o relacionamento com cada um dos países de língua portuguesa, em África, na América Latina e na Ásia” é também um dos objetivos do PS, bem como o relacionamento com os países da vizinhança sul, no norte de África e na África subsariana, com os países latino-americanos e com países de todas as regiões do mundo, “com destaque para a região do Indo-Pacífico”.

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A questão tem sido colocada pelos partidos da oposição, como o Bloco de Esquerda e PCP. No discurso na noite eleitoral, quando já eram conhecidos os resultados, António Costa prometeu uma “maioria de diálogo” para “governar com e para todos os portugueses”. Mas, do lado da oposição, a deputada bloquista Mariana Mortágua argumentou, em entrevista à CNN Portugal, que “um partido com poder absoluto só faz o que quer”, receando que uma maioria absoluta numa altura de aplicação dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência possa resultar numa “política de pouco escrutínio, de favores, de privilégios e de porta giratória”.

 

Também em entrevista à CNN Portugal, o ainda ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, garantiu que “não há nenhum risco da chamada governamentalização do Parlamento”. “O facto de o Parlamento ter agora uma configuração que dá maioria a um único partido não significa nem que a dinâmica parlamentar deixe de fazer sentido, (…) nem que os demais elementos do sistema de equilíbrios típicos de uma democracia madura como a portuguesa deixem de funcionar, como o Presidente da República”, esclareceu na entrevista.

 

Todos os partidos da oposição prometeram escrutinar os trabalhos do novo Governo na Assembleia da República.

Factos primeiro

É verdade que a esquerda

A primeira reunião plenária, prevista para o próximo dia 22 de fevereiro, deverá ser marcada pela eleição do(a) presidente da Assembleia da República (AR), que sucederá a Eduardo Ferro Rodrigues, e dos quatro vice-presidentes que constituem a mesa da AR - na anterior legislatura, foram eleitos para estes cargos Edite Estrela (PS), Fernando Negrão (PSD), José Manuel Pureza (BE) e António Filipe (PCP).

 

Apesar de faltarem três semanas, este primeiro ato parlamentar já está envolto em polémica, com a esquerda a recusar a eleição do candidato do Chega para vice-presidente da AR– algo a que tem direito, sendo um dos quatro partidos com maior representação parlamentar. Do lado do Bloco de Esquerda, a deputada Mariana Mortágua já veio dizer que votarão “contra qualquer lista que contenha um elemento do Chega”, assinalando que a extrema-direita “não pode ser credibilizada, nem banalizada”. Também Jerónimo de Sousa garantiu que “não será com os votos do PCP que o Chega terá esse lugar constitucional”.

 

Perante estas declarações, André Ventura disse estar “convencido de que os partidos de direita e também o PS não vão fazer nenhum boicote”, até porque, notou, “os portugueses não iriam compreender” tal decisão. Argumentando que o eventual chumbo abre a porta ao afastamento de deputados do Chega da presidência de comissões parlamentares, o líder do Chega atirou: "Daqui a bocado, mais vale tirarem os nossos deputados de lá. (…) Tem de haver aqui alguma razoabilidade. Isto é uma democracia, não uma tirania.” Já esta quinta feira, André Ventura indicou o nome de Diogo Pacheco de Amorim para candidato a vice-presidente da Assembleia da República.

 

Como se elege então a segunda figura do Estado e os vice-presidentes da Assembleia da República? Para ser eleito, o presidente da Assembleia da República precisa dos votos da maioria dos deputados, os quais devem ser inseridos numa urna colocada no centro do plenário. De seguida, numa outra sala ao lado do plenário, os deputados votam individualmente nos candidatos a vice-presidentes da Assembleia da República, indicados pelos quatro partidos com maior representação parlamentar (neste caso, PS, PSD, Chega e Iniciativa Liberal). Quer isto dizer que, para o Chega eleger um vice-presidente à mesa de voto, precisa de convencer pelo menos 116 deputados a votarem no seu candidato.

 

Caso o deputado do Chega não seja eleito, o lugar pode ficar vago. De acordo com o ponto 5 do artigo 23.º do Regimento da Assembleia da República, basta apenas ser eleito o presidente da Assembleia da República e metade dos restantes membros da mesa (normalmente composta por quatro vice-presidentes, quatro secretários e quatro vice-Secretários) para ser “atingido o quórum necessário ao seu funcionamento”.

 

Conclusão: Verdadeiro

Soundbites

“O PSD não enferma de um problema de identidade ideológica"

 Paulo Rangel, 3 de fevereiro

 

"Exigências do PS tornariam o Bloco de Esquerda inútil a longo prazo"

Mariana Mortágua, 2 de fevereiro

E finalmente...

O Presidente da República quis evitar uma crise e falhou. Quis promover um “acordo de cavalheiros”, mas este morreu de maioria absoluta. O papel de Marcelo nos próximos quatro anos dependerá das suas caraterísticas: não gosta de confrontos, ao contrário de Soares, nem de distância, ao contrário de Cavaco. A sua força vem dos afetos, da popularidade e da capacidade de ler tendências, escreve Filipe Santos Costa no seu texto diário de análise e opinião.

 

 

Acompanhe-nos a qualquer hora na televisão e no site da CNN Portugal. Volto a escrever-lhe daqui a umas horas. Até amanhã!

 

Esta newsletter foi escrita com recolha e tratamento de informação dos jornalistas Beatriz Céu e Pedro Falardo.

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