Bases de dados vão passar a registar mais informação dos pacientes, o que está a ser mal visto pelos ativistas
O governo da Polónia, onde o aborto é quase totalmente proibido, foi acusado esta segunda-feira de criar um “registo de gravidezes” ao ampliar a quantidade de informação médica sobre os pacientes que fica digitalmente guardada.
Defensoras dos direitos das mulheres e políticos da oposição temem que as mulheres passem a ser sujeitas a uma vigilância sem precedentes, já que o partido conservador no poder já tinha apertado uma das leis do aborto mais restritivas da Europa.
Os críticos temem que a informação que passa agora a ser guardada possa ser usada pela polícia e pelo ministério público contra mulheres cujas gravidezes terminem, mesmo em caso de aborto espontâneo, ou que as mulheres possam ser controladas pelo Estado se encomendarem comprimidos abortivos ou se viajarem para o estrangeiro para abortar.
“Um registo de gravidezes num país com uma proibição quase total do aborto é aterrador”, disse a deputada de esquerda Agnieszka Dziemianowicz-Bąk.
A ministra da Saúde, Adam Niedzielski, assinou na sexta-feira um decreto que expande a quantidade de informação a registar numa base de dados central sobre os pacientes, incluindo informação sobre alergias, tipo sanguíneo e gravidezes.
O porta-voz do Ministério, Wojciech Andrusiewicz, tentou amenizar as preocupações, explicando que só os médicos terão acesso à informação e que as mudanças estão a ser feitas por recomendação da União Europeia (UE).
O esforço, disse, visa melhorar o tratamento médico dos pacientes, incluindo se procurarem cuidados de saúde em outro dos 27 Estados-membros, da UE.
No caso das grávidas, adiantou, a informação vai ajudar os médicos a saber imediatamente que mulheres não devem ser submetidas a raio-x ou a alguns medicamentos.
“Ninguém está a criar um registo de gravidezes na Polónia”, disse, citado na televisão TVN24.
No entanto, Marta Lempart, que lidera o grupo de defesa dos direitos das mulheres Women's Strike, disse não confiar que o governo mantenha a informação sobre as gravidezes das mulheres longe da polícia e do ministério público.
Citada pela agência Associated Press, Lempart disse que a polícia polaca já está a questionar as mulheres sobre a forma como as suas gravidezes terminam, após denúncias de parceiros zangados.
A ativista alertou que, devido ao novo sistema, as mulheres polacas irão evitar o sistema de saúde público durante a gravidez.
As mulheres ricas procurarão o sistema privado ou o estrangeiro, mas as pobres irão correr maiores riscos de problemas de saúde ou mesmo morte, avisou.
Lempart teme ainda que a informação possa ser partilhada nos ‘media’ estatais para prejudicar as reputações das pessoas, recordando que quando em 2020 testou positivo à covid-19, a informação foi divulgada pela televisão estatal ainda antes de ela própria receber os resultados.
Na Polónia, o aborto é proibido em quase todos os casos, exceto apenas se a vida ou a saúde da mulher estiver em risco ou se a gravidez resultar de violação ou incesto.
Durante anos, o aborto foi permitido em caso de o feto ter defeitos congénitos, mas esta exceção foi abolida pelo tribunal constitucional em 2020.
Na prática, as mulheres polacas que queiram interromper a gravidez tomam comprimidos abortivos ou viajam para a Alemanha, a República Checa ou outros países onde o aborto é permitido.
Embora tomar pílulas abortivas seja legar, ajudar outra pessoa a fazê-lo não é.