Pedrógão Grande, cinco anos depois do incêndio: uma floresta à espera de mudanças num território com recursos limitados

Agência Lusa , MJC
17 jun 2022, 08:55
Floresta em Pedrógão, cinco anos depois do incêndio (Paulo Novais/ Lusa)

As acácias ganham força e os eucaliptos crescem quase cobrindo qualquer vestígio do enorme incêndio que por ali passou no dia 17 de junho 2017. São muitas as críticas ao ordenamento florestal na região

A floresta cresce sem regras e desordenada no território afetado pelo grande incêndio de Pedrógão Grande. Cinco anos depois, parece estar tudo por fazer no terreno, garantiram os bombeiros. As autarquias fazem “o possível”, mas os recursos são muito limitados.

Um homem conduz um pequeno trator em direção a Vila Facaia, em Pedrógão Grande, e leva no atrelado uma motorroçadora para umas “limpezas”. Olha para a paisagem - onde as acácias ganham força e os eucaliptos crescem quase cobrindo qualquer vestígio do incêndio que por ali passou - com um misto de pena e desencanto.

“Está tudo pior”, disse à agência Lusa o homem, que não quis ser identificado, enquanto encolhe os ombros e sublinha que “onde havia um eucalipto agora há seis”.

Em estradas municipais, as acácias já se aproximam das bermas em terrenos deixados ao abandono, sem qualquer gestão e onde ainda se podem observar árvores e ramos enegrecidos do fogo que atingiu a região em 17 de junho de 2017.

Também na estrada nacional 236-1, onde a maioria das vítimas do incêndio morreu, há zonas nas quais as árvores já tocam nos ‘rails’ de segurança da via, apesar de grande parte do troço estar limpo. Já em Escalos Fundeiros, onde um dos incêndios começou, a zona por baixo da linha de média tensão está limpa e sem vestígios de árvores.

No entanto, as mudanças esperadas na paisagem são diminutas.

“Eu diria que a floresta, ao invés de melhorar, piorou, porque hoje temos uma floresta com uma carga tremenda. Nada foi feito em termos de ordenamento e, portanto, se houver algum incêndio com condições meteorológicas idênticas ou parecidas àquelas que apareceram, a desgraça será pior”, afirmou o diretor dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Luís Cunha.

Ligado aos bombeiros desde que era jovem, Luís Cunha recordou que, se a floresta não estava limpa há cinco anos, hoje a desordem e o abandono são maiores.

“Quem hoje conhece o que aconteceu sabe que uma faixa de contenção, seja ela primária ou secundária, não resolve nada. O que resolve? Se tivermos a floresta ordenada e limpa, mas nem os munícipes, nem os municípios, têm essa possibilidade. Pedrógão Grande tem um orçamento de 11 milhões de euros e, se de seis em seis meses tiver de fazer limpezas de dez metros para cada lado [das estradas], provavelmente metade do orçamento ia para esse tipo de trabalhos”, explicou.

Para Luís Cunha, sem uma intervenção musculada do Governo, “não há possibilidades de se ter uma floresta ordenada”.

“Deem uma volta pelo concelho e vejam as limpezas que são feitas. Com a chuva e depois com o sol, [a vegetação] acaba por romper”, afirmou à Lusa o presidente da Câmara de Pedrógão Grande, António Lopes, eleito nas autárquicas de 2021.

Sobre as medidas avançadas pela autarquia, o edil admitiu que vai fazendo “o possível”, face a uma “estrutura limitada e com recursos limitados”.

São feitas limpezas, o município candidata-se a programas como o Aldeias Seguras ou o Condomínio de Aldeias e António Lopes disse acreditar que o trabalho feito, mesmo que limitado, permita ter hoje as pessoas “mais seguras”, considerando que também o dispositivo da proteção civil é mais robusto.

Um dos exemplos para o qual apontou é a candidatura aprovada para a área integrada de gestão da paisagem (AIGP) de Ribeira de Mega, com quase 2.000 hectares, cuja entidade gestora ainda está por constituir.

Apesar desse projeto, o autarca reconheceu que é difícil atuar numa floresta onde domina o minifúndio.

“Efetivamente, cinco anos depois, há muito trabalho a fazer relativamente à capacidade destes territórios em fazerem uma gestão florestal eficaz e eficiente no sentido de os tornar mais resilientes aos incêndios rurais”, notou o presidente da Câmara de Castanheira de Pera, António Henriques Antunes, também eleito nas últimas autárquicas.

Para o autarca, o trabalho a ser feito “tem de ter uma forte componente de investimento público”, alicerçado no financiamento estatal ou europeu, que não há capacidade financeira quer dos municípios quer das pessoas.

Há um desejo de mudança e de que essa seja rápida, mas António Henriques Antunes realçou que a realidade no terreno não ajuda, face à pequena dimensão de propriedades, ao desconhecimento de muitas das parcelas do terreno ou à progressão de algumas espécies, como o eucalipto ou as acácias.

Também o presidente da Câmara de Castanheira de Pera, tal como de Pedrógão Grande, apontou para instrumentos como o Condomínio de Aldeias, as Aldeias Seguras ou as AIGP, como instrumentos para as alterações necessárias, mas admitiu que os projetos até agora aprovados são uma gota de água num oceano, mesmo num dos concelhos mais pequenos a nível de área no país.

Para além de um reforço de meios financeiros, António Henriques Antunes pediu também mais apoios para levar pessoas para o seu território, que o abandono das terras é também ele sinal do despovoamento.

“Limpamos os dez metros [à volta das estradas], mas a gestão florestal vai além desses dez metros. Temos que ter capacidade de ter pessoas no território, de fixar empresas, de fixar famílias”, defendeu.

No Censos de 2021, os três concelhos mais afetados pelo incêndio de junho de 2017 – Castanheira de Pera, Pedrógão Grande e Figueiró dos Vinhos – foram dos que mais perderam população no distrito de Leiria, com Castanheira de Pera à cabeça, tendo perdido um sexto da sua população no espaço de dez anos.

Os incêndios que deflagraram em junho de 2017 em Pedrógão Grande e que alastraram a concelhos vizinhos provocaram a morte de 66 pessoas, além de ferimentos a 253 populares, sete dos quais graves. Os fogos destruíram cerca de meio milhar de casas e 50 empresas.

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