Passos Coelho chegou de surpresa à campanha de Montenegro (mas com ele trouxe uma sombra que persegue os dois)

27 fev, 07:00
Passos Coelho

No terceiro dia de campanha, o tabu desfez-se. Passos entrou de relâmpago num comício em que acusou o PS de "calculismo" e que serviu também a Montenegro para explicar o porquê de colocar um candidato de Lisboa como cabeça de lista em Faro. O antigo primeiro-ministro foi intensamente aplaudido depois de uma arruada em Beja, que tornou evidente que a má memória dos cortes nas pensões durante a governação social-democrata ainda existe. "Jamais quero ouvir falar de PSD na minha terra e muito menos de Passos Coelho", diz uma reformada que chamou "fascista" a Montenegro

“Não venho para criar desatenções” mas acabou por virar todas as atenções para ele. Passos Coelho desfez finalmente o tabu e foi à campanha da Aliança Democrática emprestar o seu peso político a Luís Montenegro. Em Faro, num discurso que foi anunciado em cima da hora, a presença do antigo primeiro-ministro fez encher um comício onde se sentia algum nervosismo por ter como uma das suas atrações principais Miguel Pinto Luz, o cabeça de lista que caiu de ‘paraquedas’ no distrito - ele que é vice-presidente da Câmara Municipal de Cascais - e cuja escolha ainda não convenceu todas as estruturas sociais-democratas da região. 

Uma polémica que acabou por ser abafada pelo discurso de Passos. Nos primeiros minutos, abordou logo o assunto que tem gerado incómodo a algumas concelhias da região e que preferiam ver um candidato seu a um vindo de Lisboa. Pinto Luz, de quem o antigo primeiro-ministro é próximo, “terá uma tarefa que não será a mais cómoda”, disse, apontando para a sua necessidade de “apoiar a população, sem se substituir a quem é de cá”.

Depois, disparou contra o legado de governação do Partido Socialista, acusando o partido, sem nunca se referir diretamente a Pedro Nuno Santos, de ser “calculista” e ver “um monstro diabólico a cada proposta de reforma”. “Nesta altura, o mais importante de tudo é manter uma capacidade reformista, estamos aqui para ajudar os portugueses a mudar o país. Não precisamos que agitem o medo do papão e do lobo mau”, declarou Pedro Passos Coelho, que foi muito aplaudido no seu regresso.

Pedro Passos Coelho entrou lado a lado com Luís Montenegro no comício de Faro (Tiago Petinga/Lusa)

A vinda de Passos Coelho foi anunciada de surpresa durante a tarde desta segunda-feira, mantendo, aliás, a estratégia de Montenegro, que começou com a aparição relâmpago de Cavaco Silva  no 41ª congresso do PSD e se manteve com a reconciliação de Santana Lopes na convenção da AD, de janeiro. Desta vez, o nome foi anunciado numa breve visita a uma herdade vinícola em Beja, mas a figura do antigo primeiro-ministro tem estado nas bocas de várias pessoas, incluindo militantes e dirigentes do PSD, por onde a caravana tem passado nos últimos dias. 

O fantasma da troika tem vindo a pairar e, para alguns sociais-democratas, a associação de Montenegro a Passos Coelho durante a campanha pode complicar a sua vida nas urnas, especialmente em regiões mais envelhecidas, onde os cortes nas pensões estão ainda muito presentes na memória, apesar dos esforços de sucessivos cabeças de lista da AD em tentar vincar que a culpa é de José Sócrates e não do antigo governante. 

Esta segunda-feira, foi a vez de Miguel Pinto Luz abordar o tema. Discursando antes de Passos Coelho, pediu que os portugueses “não tenham vergonha do período” em que o PSD esteve pela última vez no governo. “As pensões mínimas foram aumentadas”, sublinhou. Já dois dias antes, António Leitão Amaro tinha apostado tudo na comparação entre os dois, referindo que Montenegro, “como Passos Coelho”, tem a capacidade de “juntar o conhecimento real de outras pessoas com a capacidade de fazer escolhas difíceis e encontrar as soluções mais sofisticadas”. 

Certo é que para muitos eleitores essa mensagem ainda não cola e a passagem da caravana da Aliança Democrática por Beja ditou o exemplo mais nítido desse alerta até ao momento. 

Durante uma arruada de manhã que andou em semicírculo e que começou na Praça Diogo Fernandes, Ana Maria, de 70 anos, passou à frente das câmaras e gritou “Fascista!” contra Luís Montenegro, que estava dentro de uma pastelaria local - onde também algumas pessoas recusaram cumprimentá-lo.

A reformada diz que o fez em nome do seu marido que viu a sua pensão ser cortada durante a troika. “Eles é que cortaram as pensões, jamais quero ouvir falar de PSD na minha terra e muito menos de Passos Coelho, eu não quero saber desta gente para nada”. “Eu não quero saber desta gente para nada, só pensam é neles e nas grandes empresas”, acrescenta. 

Não foi este, contudo, o único contratempo da arruada por Beja, terreno árido para os sociais-democratas que não elegem um deputado por lá precisamente desde 2015, quando estava Pedro Passos Coelho na liderança do partido. 

Pouco tempo depois de começar, já 45 minutos depois do planeado, a confusão gerada entre militantes, jovens a fazer flutuar bandeiras e câmaras a seguirem o líder que andava em ziguezague a tentar cumprimentar o máximo de pessoas que via pela rua, levou ao atropelo de uma esplanada vazia da pastelaria Café com Natas, deixando cair cadeiras e entupindo a passagem. 

“As arruadas costumam passar por aqui, mas normalmente vão pelo outro lado da rua que não tem obstáculos”, conta à CNN Portugal José Mimoso, 60 anos, e dono daquele café há 20 anos. “Levaram as mesas à frente, não se matar nenhum foi uma sorte, quase que o Montenegro ia caindo”, ri-se. José, que assistiu a tudo, do balcão diz que “costumava votar, mas já não vota mais” e responsabiliza os candidatos por isso. “Só conhecem a gente quando há eleições, isto é tudo uma cambada de gatunos”.

Gonçalo Valente, o homem que Montenegro escolheu para cabeça de lista por Beja, assume que o território tem um historial difícil com o PSD. “Beja é um território exigente, é verdade, a história tem-nos dito que temos que trabalhar muito para alcançar os nossos objetivos, mas nós também estamos muito disponíveis para isso”. E desvaloriza as críticas: “Entrámos em várias lojas, muitas pessoas abordaram o nosso candidato e saímos daqui com uma grande energia para as eleições de 10 de março”.

O candidato diz ainda que a grande prioridade neste momento é convencer os indecisos com a mensagem de que do lado do PS “têm os autores do passado, que empobreceram Portugal e nós não podemos querer resultados diferentes com um projeto igual”. 

Foi também para os indecisos que Passos Coelho dedicou uma larga parte do seu discurso durante a noite, pedindo-lhes que dêem à AD “condições de força política” para governar. “É preciso que as pessoas reflitam bem se não vale a pena agarrar esta oportunidade com as duas mãos e dar condições de força política a este projeto”. “Faz sentido fazer um apelo aos portugueses, pensem bem o que querem para o futuro”.

Luís Montenegro em campanha por Beja, onde o PS é mais popular (Tiago Petinga/Lusa)

Quando foi a vez de Montenegro subir ao palco, agradeceu em primeiro lugar a Miguel Pinto Luz justificando a sua escolha para cabeça de lista. “Quero dizer aos algarvios que quando o convidei para comandar a nossa candidatura no distrito, o sinal que quis dar foi de verem nesse gesto a valorização que eu próprio queria, pedindo a um dos meus vice-presidentes que aqui estivesse em minha representação”, disse.

E depois a Passos, elevou a voz. “Nós temos a obrigação de dizer sempre muito, muito, muito obrigado pelo trabalho patriótico que fizeste à frente do Governo em condições em que talvez nenhum outro tivesse conseguido alcançar os resultados que nós alcançámos”. “Sem atrasos, mandámos a troika que os outros cá trouxeram para casa e libertámos o país”, afirmou.

Já focando-se em Pedro Nuno Santos, que logo após o discurso colou o líder do PSD “ao espírito de Passos Coelho” e que tem vindo a acusá-lo de ter um projeto político “aventureiro”, Luís Montenegro perguntou “que legitimidade tem alguém que disse que nem as dívidas devíamos pagar” para dizer isso. “Quem é que com este currículo se atreve a ver aventureirismo?”, questionou, referindo-se a quando Pedro Nuno Santos disse a célebre frase “Os alemães que se ponham finos ou não pagamos a dívida", no princípio da troika, em 2011.

Agora com Pedro Passos Coelho já oficialmente dentro da campanha eleitoral, Luís Montenegro segue esta terça-feira para Elvas, onde vai visitar a produtora de cereais Cersul, e para Portalegre, onde está prevista uma arruada. O candidato termina o dia na Covilhã num comício no auditório da Universidade da Beira Interior.

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