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Habitação not found

6 mar, 17:32

Já que estamos em campanha eleitoral e o tema da habitação é a menina dos olhos de vários partidos políticos — sobretudo do incumbente PS —, talvez valha a pena pegar num pequeno exemplo demonstrativo de como este Governo está mesmo empenhado em incentivar a reabilitação urbana e, com isso, colocar mais casas no mercado. 
 
Imagine que herdou uma casa devoluta que está vazia há vários anos e até quer fazer obras e colocá-la no mercado de arrendamento. Acontece que o seu rendimento mal dá para pagar as despesas mensais — que já incluem a habitação permanente —, quanto mais deixar capital disponível para investir. 
 
Não se preocupe. O Estado tem a solução. Não tem uma. Tem duas. É só escolher. Vai ao Google, procura “financiamento para reabilitação urbana 2024” e vão aparecer-lhe dois programas de financiamento público para reabilitar a sua casa devoluta, com condições especiais. Desde que, no fim, a coloque no mercado de arrendamento a preços controlados. Justo. 
 
O primeiro programa chama-se “Reabilitar para arrendar - habitação acessível”. Boa. É só clicar em cima do “Portal da Habitação” e é direcionado para uma página que diz: “O recurso solicitado não foi encontrado.” Talvez o site esteja em baixo. Vamos tentar o simulador do IHRU. Carregamos e… “404 - not found”. 
 
Pegamos no telefone e ligamos para o IHRU, Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana. A gravação automática dá três possibilidades de escolha, mas nenhuma é sobre financiamento para reabilitação urbana. Resta-nos escolher a tecla 9, para “falar com um assistente”. A chamada vai abaixo. Tenta a segunda, terceira e uma quarta vez e… nada. Ninguém atende. 
 
Calma, ainda há uma segunda opção. O IFRRU 2020, programa que usa os fundos comunitários do Portugal 2020. A boa notícia é que o link para o guia prático sobre este programa funciona, de facto. Tem lá toda a informação necessária. E a página do IFRRU 2020 também é muito impressiva. “Dinamismo, rigor, celeridade, inovação” são palavras em destaque no topo do site. 
 
São necessários apenas “três passos” para apresentar a candidatura. Coisa simples, mas, pelo sim e pelo não, respire fundo. Basta a fundamentação dos custos de investimento bem como a identificação de riscos associados à operação, designadamente de execução, associados à existência de achados arqueológicos na área de incidência; a demonstração da análise de razoabilidade de custos baseada em pelo menos três orçamentos válidos ou em procedimento de contratação pública, se aplicável; um plano de negócios, incluindo o estudo de viabilidade financeira respeitante ao projeto, mapas financeiros, mapa de fluxos, avaliação dos riscos de caráter financeiro associados à operação; indicadores de rentabilidade e viabilidade e análise de sensibilidade, no caso de o edifício se destinar a atividades económicas; e, claro, os documentos comprovativos, quando aplicável, do processo de controlo prévio da operação urbanística (licença ou título da comunicação prévia) e do licenciamento ambiental. Ufa. 
 
Não sei quantos leitores perdi nesta enumeração de requisitos. Presumo que, proporcionalmente, tantos quantos os que desistiram de se candidatar a este programa. Mas nós não somos de desistir. Nada como pegar no telefone e ligar. É mais simples.

— Estou? 
— Sim, bom dia. 
— Bom dia. Preciso de informações sobre o IFRRU 2020.
— Ah, mas, sabe, esse programa terminou em dezembro de 2023. Acabou o dinheiro. Estamos à espera que abra um novo programa, mas não sabemos quando vai acontecer. 
— Pronto, muito obrigado.

Portanto, o mesmo Governo que impôs o arrendamento coercivo para casas devolutas de proprietários que não promovam a sua reabilitação, consegue, ao fim de oito anos, ter dois programas de financiamento para casas devolutas, mas nenhum a funcionar. Acho que estamos conversados sobre a paixão pela habitação do Partido Socialista.  

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