Ou o FC Porto "deu autorização" ou foi cometida "ilegalidade" no vídeo em que o Al Nassr usa a imagem do clube português para fazer propaganda à Arábia Saudita

25 ago 2023, 19:09
Otávio vídeo

Amnistia Internacional tem lista de "10 formas como a Arábia Saudita viola os direitos humanos": tortura como punição, aumento das execuções, falta de liberdade de expressão, ausência de protestos, discriminação generalizada contra as mulheres, tortura policial, detenções sem justificação, discriminação religiosa, deportação de migrantes e expulsão de organizações humanitárias

Filho: "Pai, achas que o Otávio vai mesmo para a Arábia Saudita?".
Pai: "É difícil saber. Mas se for, a Arábia Saudita é um grande país com uma grande visão. Todos os que foram para lá foram felizes".

Esta foi a mensagem que o Al Nassr utilizou para anunciar Otávio, jogador do FC Porto e da Seleção Nacional, como reforço. Um vídeo em que aparece a cidade do Porto mas também a marca FC Porto.

O filho - um menor - começa vestido com a camisola do FC Porto mas ambos acabam o vídeo com a camisola do Al Nassr - que é um dos quatro clubes que são detidos pelo Estado saudita. Portanto: este vídeo utiliza de forma clara a marca do clube português para promover a Arábia Saudita como destino, numa mensagem que vai muito além do futebol.

A advogada Elsa Veloso não tem dúvidas: a menos que o FC Porto tenha autorizado a utilização da sua marca, representada pela camisola e símbolo do clube, aquele vídeo tem "uma ilegalidade".

A especialista diz à CNN Portugal que essa é uma regra básica do código da publicidade, até porque "este vídeo não tem uma mensagem normal", não é meramente futebolístico.

"Tem efeitos de publicidade e, para esse efeito, segundo a lei, naturalmente que a utilização das marcas para fins comerciais está sujeita a autorização prévia", afirma.

Neste caso, para que tudo decorresse dentro da legalidade, o FC Porto teria sempre de dar autorização ao Al Nassr – leia-se Estado da Arábia Saudita – para que a sua marca aparecesse num vídeo em que aquele país é promovido.

"Não podem utilizar uma marca para fazer promoção de uma mensagem que não é do FC Porto. Há uma intenção nítida de fazer com que a marca FC Porto apareça a recomendar a Arábia Saudita", acrescenta Elsa Veloso, explicando que "em termos legais a marca só pode ser utilizada depois de devidamente consultada e com acordo por escrito", sob pena de existir uma "utilização indevida da marca".

A CNN Portugal questionou o FC Porto sobre se autorizou a utilização da marca para este vídeo e sobre se houve ou não qualquer contrapartida financeira, mas o clube não respondeu até ao momento da publicação deste artigo.

E os direitos humanos?

A promoção feita à Arábia Saudita no vídeo de apresentação de Otávio vem no seguimento de uma estratégia do país para tentar abrir a economia ao Ocidente e cativar pessoas a visitarem o local. Só que aquele é o mesmo país que tem sido denunciado por situações relacionadas com direitos humanos.

Desde logo o assassínio de Jama Khashoggi, um conhecido jornalista antirregime que foi morto no consulado saudita em Istambul, Turquia, em 2018. É o caso mais mediático de uma grande lista de desrespeitos pelos direitos humanos, com a Amnistia Internacional a traçar uma lista de "10 formas como a Arábia Saudita viola os direitos humanos": tortura como punição, aumento das execuções, falta de liberdade de expressão, ausência de protestos, discriminação generalizada contra as mulheres, tortura policial, detenções sem justificação, discriminação religiosa, deportação de migrantes e expulsão de organizações humanitárias.

A Amnistia Internacional refere que são comuns práticas como chicoteamento, algo "cruel, desumano e degradante que não tem lugar no sistema judicial". A organização dá mesmo os exemplos de Mikhlif bin Daham al-Shammari e Omar al-Sa'id, dois ativistas que foram sentenciados a 200 e 300 chicoteadas.

A Arábia Saudita está também entre os países que realizam mais execuções em todo o mundo, algumas delas feitas na praça pública, através do método de decapitação. De acordo com o Centro de Informação sobre a Pena de Morte, só no ano de 2022 foram mortos 196 prisioneiros na Arábia Saudita, que foi o terceiro país com mais execuções, atrás de Irão e China. Um número que está a crescer de ano para ano, segundo a Amnistia Internacional.

Da parte das organizações de direitos humanos existem também preocupações com as condições de vida das pessoas da comunidade LGBTQI+, muitas vezes julgadas e condenadas por crimes relacionados com homossexualidade ou outros.

A Human Rights Watch refere que, apesar de não ter leis que sejam diretamente dirigidas a esta comunidade, a Justiça saudita utiliza várias outras leis para condenar pessoas ligadas à causa. Foi o que aconteceu a um blogger do Iémen, que foi condenado a 10 meses de prisão, a uma multa de mais de dois mil euros e a uma consequente deportação. Tudo por ter publicado um vídeo nas redes sociais a apelar à igualdade de direitos, incluindo para as pessoas LGBTQI+.

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